O debate público, às vezes, fica enviesado. Vamos deixar as coisas claras. O Brasil não está vivendo uma crise sistêmica do capitalismo nacional. Temos uma crise de natureza fiscal. Grave e crescente. Centralizada particularmente no orçamento da União. A situação de municípios e estados é muito heterogênea. Isto não alivia. Nossa Federação é extremamente concentrada e estados e municípios em crise sempre buscam socorro no governo central.
A Instituição Fiscal Independente (IFI), que
dirijo, vinculada ao Senado Federal, publicou seu 101º. Relatório de
Acompanhamento. O raio X do dilema fiscal está ali. As projeções de curto e
médio prazos são claras. Teremos um déficit primário (excluídas as despesas financeiras)
de 0,66% do PIB. Como em economia, o filme interessa mais do que a foto, qual é
a tendência? A IFI projeta que dentro das regras atuais chegaremos em 2035 com
a situação agravada, refletida num déficit de 2,7%. Com isso, o principal
indicador da saúde fiscal de um país, a relação Dívida/PIB, sofrerá um
crescimento veloz de 77,6% do PIB, em 2025, para 124,9%, em 2035. Sem falar no
estrangulamento absoluto operacional da máquina pública, previsto para 2027, pelo
crescimento das despesas obrigatórias. Esse rumo é insustentável e demanda uma
profunda reforma orçamentária e fiscal.
Dito isto, para não exacerbarmos o que Nelson
Rodrigues apelidou de “complexo de vira-lata”, joguemos luzes sobre o restante
da economia. Não temos nó no setor externo. O câmbio flutuante encontra-se
ativo. Se o dólar chegou a R$ 6,30, em dezembro de 2024, agora caiu para R$
5,45. Temos abundantes reservas cambiais, acima dos 340 bilhões de dólares. O
déficit em transações correntes é compensado pela entrada de investimentos
diretos estrangeiros. Ou seja, nenhum perigo à vista no front cambial.
Na órbita monetária, a inflação ameaçou sair
de controle e deverá fechar o ano em torno de 5%, fora da margem de tolerância
do sistema de metas. Mas o Banco Central, usufruindo de sua autonomia
operacional, tem conduzido com firmeza a política monetária, mantendo um nível
de juros muito elevado, mas necessário, dentro de uma estratégica
contracionista visando trazer a inflação para 3%. Vale dizer, a inflação alta
sacrifica os mais pobres, desorganiza a economia e torna o orçamento público
nebuloso.
No campo institucional, o Brasil tem
avançado. A maior conquista foi a reforma tributária com a introdução do IVA.
Várias reformas microeconômicas setoriais foram aprovadas. Ainda precisamos tornar
o ambiente mais amigável aos investimentos, com segurança jurídica,
previsibilidade e estabilidade legal e regulatória. Mas avançamos.
E a economia real? Mesmo com juros altos, o
PIB tem crescido acima das expectativas e o desemprego está no nível mais baixo
da série histórica. O agronegócio continua batendo recordes de produção,
exportação e produtividades. Temos um setor terciário, via de regra, moderno e
eficiente. A indústria enfrenta problemas de competitividade, mas há vários
setores com bons indicadores.
Se superarmos o gargalo fiscal, estancando o
crescimento da dívida pública e elevando significativamente o nível de
investimento público, o Brasil será outro.
Para isto é fundamental a produção política de consensos progressivos sobre a agenda nacional de desenvolvimento.
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