Folha de S. Paulo
Magistrados brasileiros precisam reconhecer
que viagens internacionais patrocinadas constituem problema ético
Mais um ano, mais uma edição do Fórum
Jurídico de Lisboa, o Gilmarpalooza, que junta na capital portuguesa juízes de
cortes superiores brasileiras, políticos, advogados e empresários.
Vale registrar que o evento lisboeta, promovido por uma instituição de ensino de Brasília da qual o ministro Gilmar Mendes é sócio, é só um dos cada vez mais numerosos seminários internacionais que colocam magistrados brasileiros em convivência festiva com partes em processos.
Pode isso? Apenas insinuar que existe um
problema ético nesses encontros deixa nossos valorosos juízes indignados. São
múltiplas as linhas de defesa. Alguns dirão que não vão ao exterior para
passear, mas para trabalhar. Outros lembrarão que o bom juiz é o que conversa
com todos os setores da sociedade.
Qualquer que seja o argumento positivo usado
para justificar a participação, eles rejeitam com veemência a sugestão de que
possam estar "se vendendo" para os patrocinadores dessas viagens,
cujos nomes muitas vezes são mantidos sob um manto de opacidade.
Não duvido que nossos juízes achem
genuinamente que não trocam sua integridade por alguns dias de boca-livre. O
problema é que o cérebro humano é menos rígido do que a consciência de
magistrados.
A literatura psicológica ensina que viagens,
refeições e até brindes de valor irrisório predispõem as pessoas em favor de
quem dá o presente, mesmo que os regalados não se deem conta desse efeito.
Foram os médicos que nos ensinaram isso. Eles
trabalham com prescrições, um material mais fácil de contar e controlar do que
decisões judiciais. Numa metanálise clássica de 2000 que sempre cito, Ashley
Wazana mostrou que pagar uma viagem para um profissional de saúde aumentava
entre 4,5 e 10 vezes a probabilidade de ele receitar as drogas produzidas pela
empresa patrocinadora.
Os médicos ao menos reconheceram que a
influência de laboratórios é um problema e começaram a desenhar regras para
tentar reduzi-la. A Justiça brasileira nem sequer reconhece que há aí uma
questão ética.
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