sábado, 5 de julho de 2025

O fim da submissão do governo ao Centrão? - Rui Martins*

Revista Será?

O governo de Lula chegou a um ponto de confronto com seus adversários no Congresso e isso poderá mudar o clima político brasileiro?

A chamada traição do presidente da Câmara Hugo Motta, em conluio com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, convocando na calada da noite os parlamentares para rejeitarem o decreto do governo de aumentar os impostos nas operações financeiras de capitais, IOF, poderá criar o clima político reclamado por lideranças de esquerda descontentes com a chamada submissão ou concertação do presidente com seus inimigos na Câmara e no Senado.

Uma reação com resultados agora imprevisíveis, podendo mesmo levar a um impeachment, se os movimentos sociais, identitários de esquerda  e petistas não conseguirem recuperar o espaço perdido nas eleições parciais do próximo ano. Existe também um risco exterior, representado pela proximidade dos governos de Trump e Milei, identificados com o abandono das bandeiras sociais, mas não parece haver outra opção viável.

Até agora, algumas redes sociais de esquerda têm lamentado uma falta de informação junto ao povo das iniciativas do presidente Lula, em outras palavras, a falta de uma certa publicidade capaz de fazer frente à campanha constante, nas redes sociais, de desmoralização pessoal do presidente e do seu governo, bancada por grupos bolsonaristas de influência evangélica, ainda ativos.

Esses grupos utilizaram ao máximo em seu favor, distorcendo os fatos, o escândalo dos descontos indevidos do INSS nas aposentadorias.

Diante da próxima conclusão do processo contra militares e políticos golpistas, falando-se na prisão, já em outubro, do ex-presidente Jair Bolsonaro, é normal um clima de excitação geral e de passagem de armas na direita e extrema direita, com a substituição do chefe e sacralização do governador Tarcísio de Freitas como seu sucessor, que promete um indulto a Bolsonaro e, sem dúvida, aos seus cúmplices, depois de sua eleição a presidente em 2026, considerada como certa.

Como se houvesse uma barreira inexpugnável de desinformação, uma grande parcela do povo parece ignorar os bons índices do governo, prejudicados pelo aumento de preços provocados por fatores externos ou por uma intenção de  descredibilizar o governo.

Um exemplo gritante são os comentários publicados no site da CNN, logo após a decisão do presidente Lula de judicializar a questão, recorrendo ao Supremo Tribunal Federal, diante da rejeição do decreto IOF, aumentando o imposto sobre transações de capitais pertencentes a titulares da classe média para cima.

Uma parte dos comentários é contra o decreto, por achar que o povo não aguenta mais imposto e quer diminuição, ignorando que o IOF, permitirá a isenção de impostos para a grande parte do povo vivendo com baixos salários. Uma parcela da população trabalhadora, mal informada, parece desconhecer esse pormenor e corre o risco de defender as transações de capitais de pessoas abastadas em detrimento do seu pequeno salário.

Entretanto, enquanto a desinformação sobre o governo de Lula vinha funcionando nas redes sociais, reforçando uma espécie de oposição populista, pela primeira vez, surgem indícios de uma conscientização popular provocada por mais um abuso dos parlamentares criando  mais 18 cargos de deputados.

Uma espécie de manifesto contra os abusos dos parlamentares, seus salários e seus privilégios começou a circular pela Internet. Insensíveis até agora aos argumentos, as chamadas camadas populares bolsonaristas parecem sensíveis aos números dos abusos. Teremos chegado ao ponto de uma inversão de tendências, no qual o pastor Henrique Vieira trará para si os fanáticos seguidores de Silas Malafaia?

A esquerda e os petistas voltarão às ruas, tomando os lugares deixados vazios pelo recuo dos bolsonaristas, numa retomada das praças por um populismo de esquerda? Ficção política ou reviravolta do possível?

A decisão do presidente Lula de recorrer ao STF, contra a derrubada do aumento do imposto sobre operações financeiras, levou o líder da oposição a declarar guerra contra Lula.

*Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura

Publicado Revista Será? (4 de Julho, 2025)

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