sábado, 16 de abril de 2016

Opinião do dia - Miguel Reale Jr.

"Os senhores são os nossos libertadores dessa prisão que vivemos enojados no meio da mentira, da corrupção, da inverdade, de irresponsabilidade, do gosto pelo poder sem se preocupar com aquilo que vai acontecer na vida dos brasileiros, especialmente dos mais pobres"

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Miguel Reale Jr., advogado, em discurso na Câmara dos deputados, Brasília, 15/4/2016.

Governo tenta última cartada; placar aponta impeachment

• Com a ajuda de governadores e do ex-presidente Lula, o Planalto conseguiu estancar a perda de apoios iniciada na terça-feira; Placar do Impeachment do 'Estado', contudo, indica que opositores de Dilma mantêm votos necessários para afastamento

- O Estado de S. Paulo

O governo conseguiu nesta sexta-feira, 15, com a ajuda de seis governadores, estancar a debandada de votos de deputados iniciada na terça-feira passada com a saída do PP da base. A oposição, no entanto, permaneceu, segundo o Placar do Impeachment do Estado, com o total de apoios necessários para aprovar o impeachment da presidente Dilma Rousseff na sessão prevista para o próximo domingo, 17, no plenário da Câmara.

Às 17 horas desta sexta, o placar alcançou 347 posicionamentos pró-impeachment. Esse número, contudo, foi caindo e, até as 23h50, eram três votos favoráveis à saída da petista a menos. O placar do Estado contabilizou, até este horário , 344 votos pelo afastamento de Dilma.

Apesar do esforço concentrado dos governistas, a oposição à presidente ainda se diz confiante de que o impeachment será aprovado no domingo. O deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA) rechaçou a tese de que se trata de uma onda a favor do governo. “Eles conseguiram apenas um voto e dizem que foram muitos. Se você quiser, posso te dizer também que consegui mais 50 votos”, disse. De acordo com líderes oposicionistas, o assédio do Palácio do Planalto aos deputados inclui promessas de cargos e cobranças de compromissos assumidos no passado. Na Câmara, teve início nesta sexta a primeira sessão que debaterá e analisará o impeachment de Dilma. A votação deve ocorrer no domingo à noite.

Dilma cancelou um pronunciamento que faria à noite em cadeia de rádio e televisão. Ela foi aconselhada a desistir por questões jurídicas e pelo temor de um novo panelaço. No vídeo, que seria divulgado nas redes sociais, a presidente disse que a palavra golpe estará estampada na testa dos deputados que votarem a favor do afastamento. “Podem justificar a si mesmos, mas nunca poderão olhar nos olhos da Nação, porque a palavra golpe estará para sempre gravada na testa dos traidores da democracia.”

Segundo parlamentares que estiveram com Lula nesta sexta em um hotel de Brasília, o ex-presidente tem feito uma avaliação “realista” sobre a votação e não dá a disputa por perdida, mas reconhece grande dificuldade.

Debate mostra isolamento do governo

• Na primeira sessão de discussão do impeachment no plenário da Câmara, deputados das maiores bancadas se revezaram fazendo acusações

Isabela Bonfim, Julia Lindner, Bernardo Caram, Daiene Cardoso - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A primeira sessão dedicada ao debate do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, nesta sexta-feira, 15, mostra o isolamento do governo, que ao longo do dia, foi defendido quase que apenas pelo seu próprio partido. Deputados das maiores bancadas da Câmara se revezaram no plenário fazendo acusações ao governo, enquanto o líder do PT, Afonso Florence (BA), apelava para o voto dos parlamentares indecisos.

“Senhoras e senhores parlamentares indecisos publicamente, mas que já decidiram que votarão contra, se absterão ou não comparecerão para se protegerem: Vocês estão do lado certo, como a consciência brasileira está do lado certo”, afirmou Florence.

Assim como sustentou o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), Florence também afirmou que o PT possui uma lista com 208 deputados contrários ao processo de impeachment. Mesmo com os cálculos positivos dos governistas, Florence fez novo apelo aos indecisos ao fim dos discursos do PT. Desta vez, claramente, pedindo votos.

A sessão começou por volta das 11h e cada partido teve direito a uma hora para participar do debate, dividindo a fala entre seus deputados. Com o plenário esvaziado ao longo do dia, cada grupo de parlamentares falou basicamente para seus próprios correligionários.

O PMDB inaugurou a sessão de discursos com a fala em tom de neutralidade do líder Leonardo Picciani (RJ). O deputado agradeceu a compreensão dos colegas que aceitaram seu voto contrário ao impeachment da presidente, mas confirmou que 90% da bancada votará pelo afastamento de Dilma.

‘Farol’. Depois de Picciani, o deputado Lelo Coimbra (ES), ainda pelo PMDB, iniciou uma sucessão de ataques e anúncios de votos pelo impeachment. Peemedebistas parabenizaram o parecer do relator da Comissão Especial do impeachment, o deputado Jovair Arantes (PDT-GO), e também defenderam o vice-presidente Michel Temer. O deputado Osmar Serraglio (PR) afirmou que o vice não confabulou contra a presidente, mas que se destacou naturalmente. A deputada Soraya Santos (RJ) disse que Temer é o “farol e a esperança” do Brasil.

Além do PMDB, também subiram ao púlpito para discursar pelo partido, até às 00h10 deste sábado, 16 deputados do PSDB, PP, PR, PSD, PSB, DEM e PRB. Praticamente todos defenderam o afastamento da presidente.

O PP, que desembarcou do governo e anunciou que deixaria os cargos que ocupa, escalou uma série de deputados da linha mais dura do partido para falar contra Dilma. O deputado gaúcho Jerônimo Goergen ironizou o discurso ético do governo. “Quem diria que aquele partido dono da ética, da moral e da esperança desse Brasil iria escrever uma triste página da nossa história política?”

Apesar de ainda pertencer à base, dos cinco deputados que falaram pelo PR, só um saiu em defesa do governo: o atual líder, Aelton Freitas (MG). “A rua cheia não é motivo para afastamento de chefe de governo.”

Tamanho. A ordem dos discursos partidários obedece ao tamanho das bancadas. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), garantiu que não haveria intervalo e que a sessão de debates seguiria pelas madrugadas durante o fim de semana. Por isso, partidos como PSB, DEM e PRB, além de outras legendas que fortaleceriam o discurso a favor do governo, como PC do B e PDT, se manifestariam ao longo da madrugada. Com os atrasos, os chamados partidos nanicos estão previstos para falar apenas hoje.

Além do discurso partidário, outros 249 deputados se inscreveram para discursar de forma avulsa. / Colaboraram Igor Gadelha e Daniel Carvalho

Kassab entrega carta de demissão

• Ministro das Cidades havia tentado se afastar do governo nesta semana, quando disse não sentir-se 'confortável' em permanecer no cargo por não ter conseguidos votos contra o impeachment em seu partido

Tânia Monteiro - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O Palácio do Planalto comunicou nesta sexta-feira, 15, que o ministro das Cidades, Gilberto Kassab (PSD-SP), entregou à noite sua carta de demissão ao ministro-chefe do Gabinete Pessoal da Presidência, Jaques Wagner.

Kassab já havia tentado se afastar do governo na última quarta-feira, 13, quando esteve com a presidente Dilma Rousseff, e afirmou que "não se sentia confortável" em permanecer no cargo porque não conseguiu reunir os votos que considerava necessário para ajudar a derrubar o impeachment.

Dos 35 deputados do PSD, somente cinco ou seis estavam dispostos a votar contra o impeachment. A presidente, então, pediu a Kassab que ficasse pelo menos até domingo. Naquele momento, a situação estava muito desfavorável ao governo na contagem de votos.

Diante da pressão do partido, Kassab desistiu de ficar no governo e anunciou que não esperaria mais até domingo. Na manhã desta sexta, Kassab esteve com Dilma e relatou sua dificuldade, mas a formalização do afastamento só ocorreu à noite.

Planalto não descarta voltar ao Supremo

• Mesmo tendo perdido julgamentos que tentavam adiar votação do impeachment, advogado-geral da União avalia enviar novas ações à Corte

Luciana Nunes Leal e Beatriz Bulla - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Apesar de o Supremo Tribunal Federal ter rejeitado na madrugada dessa sexta-feira, 15, todos os recursos que tentavam barrar a votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff no próximo domingo, 17 o governo não descarta voltar à Justiça ainda no final de semana com questionamentos ao processo. A hipótese foi citada nessa sexta pelo advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo.

Ao deixar o plenário da Câmara, após o início das discussões sobre o impeachment, o ministro insistiu que o processo só deve se ater às chamadas pedaladas fiscais e à edição de decretos de crédito extraordinários sem autorização do Congresso, em 2015. “Uma coisa é discutir todos os fatos do universo, outra coisa é delimitar fatos. Só pode haver julgamento justo se ficar absolutamente claro do que (o denunciado) está sendo acusado, para poder se defender.”

Na sessão em que rejeitou o pedido do governo para suspender a votação marcada para domingo, os ministros do Supremo destacaram que a análise feita pelo plenário da Câmara deve levar em consideração apenas as ilegalidades apontadas na denúncia original contra Dilma. A delimitação foi destacada no julgamento e exclui dos debates, por exemplo, a delação premiada do senador Delcídio Amaral (sem partido-MS).

Os ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello defenderam, inclusive, que o Tribunal concedesse liminar para excluir do parecer favorável ao impeachment aprovado na Comissão Especial fatos que extrapolam o tema. A maioria dos ministros, no entanto, não viu necessidade em tomar a medida, sob argumento de que o plenário vota a denúncia, e não o parecer.

Cardozo viu a discussão como um aspecto positivo do julgamento. “Se por um lado não conseguimos a liminar, por outro conseguimos a delimitação clara do objeto do impeachment”, disse o ministro.

O advogado-geral da União disse ter enviado requerimento em que pede ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para alertar aos parlamentares, durante as discussões, de que devem se restringir a esses fatos.

Embate. Depois de fazer nessa sexta o discurso de defesa da presidente no plenário da Câmara, o advogado-geral da União indicou que pode contestar a sustentação do jurista Miguel Reale Jr., um dos autores do pedido de abertura do processo, também feita nessa sexta na Casa.

Segundo Cardozo, Reale, em seu discurso, citou fatos de 2014 e mencionou as relações do governo com empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato. “Vamos resgatar as notas taquigráficas”, afirmou Cardozo em entrevista. Segundo ele, se a AGU entender que houve novas infrações no processo, haverá “ajuizamento imediato” de ações de contestação.

Reale voltou a afirmar que Dilma cometeu crime de responsabilidade pelas pedaladas fiscais. “Qual é o crime mais grave, o de um presidente que põe no seu bolso uma determinada quantia ou de uma presidente que, pela ganância pelo poder, não vê limites para destruir a economia brasileira?”, questionou.

Negado. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), informou nessa sexta que negou o pedido de Cardozo para realizar nova defesa da presidente, após a apresentação do relatório do impeachment no plenário da Câmara. A previsão é de que o relator, deputado Jovair Arantes (PTB-GO), leia em plenário o parecer favorável ao afastamento de Dilma Rousseff na tarde deste domingo.

Na sessão, Cardozo apresentou, em plenário, argumentos contra o afastamento de Dilma. “Retaliação não é fator decisório para afastar uma presidente da República”, disse, ressaltando que essa é uma questão que está sendo debatida pelo Supremo Tribunal Federal./ Colaborou Erich Decat

Planalto faz ofensiva, mas oposição mantém vantagem

• Em vídeo, Dilma acusa adversários de planejar acabar com Bolsa Família

Governo tenta últimas cartadas a dois dias da votação do impedimento na Câmara; presidente desistiu de falar em rede de rádio e TV por receio de punição da Justiça e ressuscitou discurso de ‘terrorismo eleitoral’ de 2014 na internet

Uma ofensiva do Planalto, a dois dias da votação do impeachment, tentou estancar a debandada de aliados em favor da saída da presidente Dilma. Governadores do Norte e do Nordeste pressionaram deputados para tentar reverter votos para o governo, ameaçando, inclusive, retirar aliados deles de cargos nos estados. Levantamento feito pelo GLOBO, porém, mostra que a oposição ganhou três adesões em relação a anteontem, alcançando 345 votos pelo impeachment (são necessários 342 para aprovar), enquanto o governo ganhou quatro votos (chegou a 122). Em vídeo para ser divulgado na internet, Dilma ressuscitou estratégia de “terrorismo eleitoral” usada na campanha de 2014 e afirmou que seus adversários querem acabar com programas sociais como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida, revelou

Ofensiva na reta final

• Planalto pressiona deputados para tentar conquistar adesões; oposição mantém frente

Isabel Braga, Catarina Alencastro, Eduardo Barretto, Simone Iglesias, Cristiane Jungblut, Marcelo Remígio e Renan Xavier - O Globo

BRASÍLIA - O governo mobilizou ontem uma tropa de choque de governadores aliados do Norte e Nordeste para tentar tirar votos da oposição, a 48 horas da votação do impeachment na Câmara. Na ofensiva, foram oferecidos cargos, e governadores ameaçaram derrubar indicados de deputados federais de postos em seus estados. No meio da tarde, o governo comemorou o que considerou o início de uma virada no jogo de forças, mas à noite a oposição conquistou adesões. O vice-presidente Michel Temer, que voltou a São Paulo, onde pretendia ficar até segunda-feira, retornará hoje a Brasília para uma reunião de avaliação de cenário da cúpula do PMDB, no Palácio do Jaburu.

A oposição também pressionou deputados de seus partidos que mudaram de voto. O PP anunciou à tarde que iria punir quem votasse contra a orientação pró-impeachment, e à noite destituiu o vice-presidente da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), do comando do diretório estadual do partido. A punição foi pelo fato de Maranhão ter gravado um vídeo anunciando que votaria contra a saída de Dilma e que estava “irmanado” com mais 11 deputados do PP.

No levantamento feito pelo GLOBO, havia 345 votos declarados pelo impeachment na noite de ontem, três a mais do que anteontem. Os votos declarados contrários ao impeachment cresceram de 118 para 122, de acordo com o levantamento. Para a aprovação do parecer pelo impeachment são necessários 342 votos.

Além de Dino, compõem a linha de frente de defesa de Dilma os governadores da Bahia, Rui Costa (PT); do Ceará, Camilo Santana (PT); do Amapá, Waldez Góes (PDT); e da Paraíba, Ricardo Coutinho (PB). Todos estiveram com a presidente ontem.
O ex-governador do Rio Anthony Garotinho (PR) também atuou em Brasília em busca de votos contra o impeachment da presidente Dilma. Sem grande influência no PR nacionalmente, Garotinho procurou deputados das bancadas fluminense e evangélica de vários partidos, onde possui aliados.

Clarissa tira licença maternidade
Filha do ex-governador, a deputada Clarissa Garotinho (PR), que votaria a favor do impeachment, pediu licença maternidade. A parlamentar nega que sua saída tenha relação com pressão feita pelo pai para que mudasse o voto. De acordo com Clarissa, recomendações médicas já apontavam para o pedido de licença de 120 dias como previsto pela legislação. A deputada afirmou ontem que passou mal na semana passada e que não havia, até então, cumprido as determinações de seu médico.

Na Câmara, aliados do vice Michel Temer admitiam que haviam perdido cerca de dez votos, embora garantissem ainda ter os 342 necessários para o impeachment. A justificativa, segundo eles, é que houve uma ofensiva do Palácio do Planalto. O vicegovernador da Bahia, João Leão (PPBA), esteve na reunião de seu partido avisando que haveria retaliação à legenda no estado, com a perda de cargos na administração do governador Rui Costa. A ameaça não foi bem recebida.

— Estamos dando um recado aos governadores do Ceará e da Bahia, que ficam pressionando o PP. Se insistirem, ficarão sem o nosso apoio na próxima eleição — disse um dirigente.

Do lado do governo, o PDT tomou posição idêntica e decidiu que caso algum deputado seu vote a favor do impeachment será submetido a um processo de expulsão. O partido autorizou a abertura de processo de expulsão contra o deputado gaúcho Giovani Cherini, que anunciou ser favorável ao impeachment.

A convocação de governadores para virar votos começou na tarde de quinta-feira, mas só ontem surtiu efeito. Reservadamente, no entanto, membros da tropa de choque de Dilma confessavam que ainda não tinham garantidos todos os votos necessários, mas se mostravam animados com os apoios que começaram a pingar ao longo do dia. Ao fim do dia de ontem, na conta reservada do Planalto, contabilizava-se um placar pró-Dilma de entre 160 e 180 votos.

— A tropa dos governadores está funcionando — comemorava um dos articuladores políticos de Dilma.

Deputados retomam mandatos
Numa demonstração de força, Rui Costa levou ao gabinete presidencial 19 deputados de partidos da base aliada. Entre eles, Félix Jr (PDT), que estava indefinido. Saiu da reunião contra o impeachment.

— Fizemos o que tinha que ser feito, muita conversa, a presidente, pessoalmente. Recebeu políticos, telefonou, é um trabalho intenso que será mantido — disse um auxiliar presidencial.

Nas conversas, segundo relatos ao GLOBO, Dilma adotou um tom de campanha, pedindo abertamente voto a seu favor. Entre os argumentos elencados pela presidente ela diz que é em defesa de seu mandato e por uma pactuação do Brasil. “Não podemos aceitar um governo dos sem voto, que prega o Estado mínimo”, tem repetido nas falas, segundo um auxiliar palaciano. Os articuladores do Planalto admitiram ontem que o jogo dos aliados do vice-Michel Temer vinha surtindo mais efeito do que esperavam e entraram em campo com armas mais pesadas na guerra de cargos e verbas.

— Perto da turma do Temer, nós somos amadores — comparou um assessor presidencial.

Outra estratégia do Planalto que já estava em prática desde o começo da semana foi acentuada: a volta de deputados titulares para votar em vez de suplentes em que há dúvida quanto a fidelidade ao governo.

Dilma diz que oposição quer acabar com o Bolsa Família

• Vídeo seria veiculado em cadeia nacional, mas foi distribuído na internet

Jorge Bastos Moreno, Catarina Alencastro e Eduardo Barretto – O Globo

Em vídeo gravado ontem para ser exibido na TV e editado para ser distribuído na internet, a presidente Dilma acusou a oposição de querer acabar com os programas sociais de seu governo, como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida, como antecipou ontem o Blog do Moreno. A presidente repetiu o tom do discurso que adotou na campanha à reeleição, em 2014.

— Se conseguirem usurpar o poder será necessário impor sacrifícios à população brasileira. Querem revogar direitos e cortar programas sociais, como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida. Ameaçam até a educação publica. Querem mudar o regime de partilha do pré-sal e entregar às multinacionais estrangeiras — afirmou.

No áudio que vazou para correligionários do PMDB, no começo da semana, o vice-presidente Michel Temer garantira que não mexeria nos programas sociais do governo, caso assuma a presidência depois de um eventual impeachment de Dilma. Temer citou o Bolsa Família e o Pronatec.

Dilma, no vídeo de seis minutos, disse que os “golpistas”, como vem chamando os defensores do impeachment, colocam em jogo as conquistas sociais e os direitos dos brasileiros. Segundo a presidente, a oposição não se conformou com o resultado das urnas:

— O que está em jogo na votação do impeachment é o respeito à vontade soberana do povo brasileiro, o respeito às urnas. O que está em jogo são as conquistas sociais e os direitos dos brasileiros. Por isso é minha obrigação esclarecer os fatos e denunciar os riscos dessa aventura golpista para o país.

A fala de Dilma iria ao ar em rede nacional de rádio e TV minutos antes do Jornal Nacional. Mas, no meio da tarde, partidos de oposição ingressaram com ações na Justiça para impedir a divulgação do vídeo, o que levou o Planalto a rever a estratégia e decidir que o vídeo seria publicado apenas na internet.

O vídeo foi gravado no Palácio da Alvorada na manhã de ontem, mas devido à decisão de ir apenas para sites de internet, seria editado para que tivesse seu tempo reduzido, adequando-se ao formato do meio.

Em nota, a Secom disse que o vídeo tinha o objetivo de “comunicar sua posição para as redes sociais”:

“A decisão de veicular a mensagem por meio de cadeia de rádio e TV havia sido tomada pela Secom. Após avaliação sobre a estratégia mais adequada para o momento, decidimos que o vídeo da presidenta Dilma alcançaria seus objetivos se amplamente veiculado pela internet”.

Lula já havia divulgado pela manhã nas redes sociais um vídeo no qual diz que o impeachment é golpe e que se for aprovado no próximo domingo agravará a crise. Numa referência ao vice-presidente Michel Temer, ele diz que, sem a legitimidade do voto, ninguém conseguirá governar o país e nem contará com o respeito da população.

— Ninguém conseguirá governar um país de 200 milhões de habitantes, uma das maiores economias do mundo, se não tiver a legitimidade do voto popular. Ninguém será respeitado como governante se não respeitar, primeiro, a constituição e as regras do jogo democrático. Ninguém será respeitado se não prosseguir no combate implacável à corrupção — disse Lula no vídeo.

Lula vê ameaça
O ex-presidente falou aos parlamentares que não se deixem levar pelos compromissos assumidos pelo peemedebista:

— Uma coisa é divergir do governo, criticar os erros, cobrar mais diálogo e participação. Esse é papel do Legislativo que deve ser respeitado. Outra coisa é embarcar em aventuras, acreditando no canto de sereia dos que se sentam na cadeira antes da hora.

Na avaliação de Lula, todas as conquistas da constituição de 1988 e de seu governo estão ameaçadas pelo impeachment.

— Todo esse esforço pode ser jogado fora por um passo errado, um passo impensado, no próximo domingo.

'É mentira rasteira', rebate Temer sobre fim do Bolsa Família

• Vice-presidente se pronunciou neste sábado pelo Twitter

Adriano Ceolin - O Estado de S. Paulo

A um dia da votação do impeachment, o vice-presidente Michel Temer usou uma rede social nesta manhã de sábado para desmentir que irá acabar com programas sociais, como o Bolsa Família, caso ele assuma o governo.

"Leio hoje (sábado) nos jornais as acusações de que acabarei com o Bolsa Família. Falso. Mentira rasteira. Manterei todos programas sociais", escreveu em sua conta pessoal no Twitter, por volta das 7h30.

Temer voltou a Brasília sexta à noite, alterando seu plano inicial de passar o fim de semana em São Paulo. O vice-presidente marcou uma reunião de trabalho às 12 horas, no Palácio do Jaburu.

Apesar de seus aliados demonstrarem confiança na vitória do impeachment, ainda há o receio de que o governo possa evitar os 342 votos em favor do impeachment.
A notícia de que três deputados do PP voltaram atrás na decisão de apoiar o impeachment acionou o alerta no grupo de Temer. Ainda assim, o ex-ministro Eliseu Padilha, que integra o núcleo duro do vice, classificou como "piada" a suposta reação.

Também numa conta de rede social, Padilha ressaltou o pedido de demissão do presidente do PSD, Gilberto Kassab, do Ministério das Cidades.

Temer diz que Dilma usa 'mentira rasteira' e que manterá programas

Isabel Fleck, Gabriel Mascarenhas – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O vice-presidente Michel Temer disse, na manhã deste sábado (16), que a declaração feita pela presidente Dilma Rousseff, em vídeo, de que ele cortaria programas sociais é "mentira rasteira" e afirmou que manterá os benefícios.

"Leio hoje nos jornais as acusações de que acabarei com o bolsa família. Falso. Mentira rasteira. Manterei todos os programas sociais", disse Temer em sua conta no Twitter, sem citar a presidente.

No vídeo com discurso de quase sete minutos divulgado na noite de sexta, Dilma se propõe a "denunciar os riscos dessa aventura golpista". "Querem revogar direitos e cortar programas sociais como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida", diz a presidente.

Temer rebateu também a acusação de Dilma de que, "para alcançar seus objetivos", quem lidera o processo de impeachment está disposto a "violentar a democracia e a rasgar a Constituição, espalhando a intolerância, o ódio e a violência entre nós".

"Defendo a unificação e pacificação dos brasileiros. Não o caos, o ódio e a guerra", afirmou o vice-presidente. "Só sairemos da crise se todos trabalharem pelo Brasil, não pelos seus interesses pessoais."

O vice-presidente aproveitou ainda para afirmar seu apoio à operação Lava Jato, que "tem prestado importantes serviços ao país". "Sou jurista e sei do papel fundamental da Justiça e do MP [Ministério Público] para o avanço das instituições."

A declaração sobre a Lava Jato se dá no momento em que governistas afirmam que a operação seria arrefecida se a presidente Dilma deixar o poder.

Propina em obra indicada por Lula

Ex-presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Azevedo disse que pagou propina ao ex-tesoureiro João Vaccari por obra ganha com ajuda do ex-presidente Lula. A empreiteira teria vencido a disputa pela obra, na Venezuela, após pedido de Lula ao ex-presidente Chávez.

Andrade: propina em obra indicada por Lula

• Ex-presidente da empreiteira afirma que teve ajuda do ex-presidente para ganhar disputa na Venezuela

Danielle Nogueira - O Globo

RIO - O ex-presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo, disse ontem que a propina paga pela empresa ao PT estava relacionada até a uma siderúrgica na Venezuela. Segundo ele, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto cobrou 1% do valor correspondente à participação brasileira no projeto, liderado pela Andrade. O investimento total na usina foi de US$ 1,8 bilhão, em valores de 2008, quando a construtora ganhou o contrato.

Azevedo prestou depoimento ontem na 7ª Vara Criminal Federal do Rio, onde corre ação contra a Andrade Gutierrez por acusação de pagamento de propina à Eletronuclear. Embora o tema da audiência fosse o esquema de corrupção envolvendo a estatal, Azevedo deu amplo panorama de como era a prática de pagamento de propina pela empresa e citou não apenas o caso do empreendimento na Venezuela como o da Usina de Belo Monte.

Segundo o executivo, a prática era a cobrança pelo PT de 1% do valor dos contratos ganhos pela Andrade. O pagamento da propina era sempre feito por meio de doações eleitorais. No caso da siderúrgica da Venezuela, o executivo contou que a empreiteiras disputava o empreendimento com empresas italianas e que venceu a disputa após ajuda do ex-presidente Lula.

Em Belo Monte, comissão para PT e PMDB
— Estávamos disputando essa obra com a Itália. A Andrade conversou com o Lula, que pediu diretamente ao Chávez (ex-presidente da Venezuela) para que olhasse para o Brasil. Foi o que aconteceu. Mas não houve pedido do Lula (de propina) — disse Azevedo.

A cobrança de propina foi feita “muito tempo depois” por Vaccari, segundo o executivo, porque haveria financiamento do BNDES. O governo venezuelano também participou como sócio.

Azevedo também deu detalhes sobre como foram as conversas para o pagamento de propina referente à obra da hidrelétrica de Belo Monte. De acordo com ele, a 20 dias do leilão, houve a desistência do grupo concorrente liderado pela Camargo Corrêa e pela Odebrecht. O governo, então, teria ajudado a montar, às pressas, um consórcio de pequenas empresas para concorrer com o grupo liderado pela Andrade. Esse pequeno consórcio acabou ganhando o leilão.

— Quando fizemos a reunião para decidir o valor final do investimento (que seria apresentado na proposta), representantes da Eletrosul e de Furnas (subsidiárias da Eletrobras), que eram nossos sócios, estavam presentes. Isso nos causou desconforto porque o grupo concorrente tinha como sócios Eletreonorte e Chesf, também do grupo Eletrobras. Tudo indicava que esse consórcio miúdo estava sendo patrocinado — disse Azevedo.

O ex-presidente da Andrade Gutierrez disse ter procurado a então ministra-chefe da Casa Civil, Erenice Guerra, para falar do seu estranhamento quanto à sua derrota no leilão e ouviu dela que ficasse tranquilo porque “vamos precisar de vocês”. Dias depois, segundo Azevedo, o ex-ministro Antonio Palocci procurou a Andrade propondo que a empresa formasse uma sociedade com o consórcio vencedor para tocar as obras. E que fosse pago 1% do valor do contrato para o PT e o PMDB. Nas contas de Azevedo, isso daria cerca de R$ 135 milhões, metade para cada partido. O dinheiro foi pago em doações eleitorais para ambos.

Reuniões na casa de Othon, da Eletronuclear
— Meu entendimento hoje é que isso é propina, mas não víamos isso de forma tão clara na época — disse Azevedo.

Quanto ao pagamento de propina à Eletronuclear, o executivo afirmou que soube da denúncia quando estava preso, devido a seu envolvimento em esquema de propina na Petrobras.

Flavio Barra, presidente da AG Energia, braço do grupo Andrade Gutierrez para energia, também prestou depoimento ontem. Ele admitiu ter se encontrado com o ex-presidente da Eletronuclear Othon Luiz Pinheiro da Silva, na casa dele, para tratar de propina. Segundo Barra, foram duas reuniões, onde também teriam sido discutidas repactuações dos contratos da Andrade para construção da usina nuclear de Angra 3.

— Teve duas reuniões na casa dele. Falamos sobre doações. Nós vivíamos pedindo repactuações (dos contratos). Quando assumi os contratos, já tinha R$ 150 milhões de prejuízo. Se continuássemos performando assim teríamos déficit de R$ 250 milhões. Precisávamos que o dr. Othon atuasse para que os aditivos fossem assinados.

Pagamento de propina até dentro de carro
Barra assumiu os contratos, avaliados em R$ 1,5 bilhão, em 2013. Segundo ele, eram feitos pagamentos em espécie a diretores da Eletronuclear, no valor de 1,5% a 2% dos valores dos contratos. Muitos desses contratos teriam sido fechado com empresas do lobista Adir Assad.

— Os contratos tinham o valor elevado. A partir de determinado momento, como a capacidade de trabalho dele (das empresas de Adir Assad) estava no limite, começamos a fazer contratos fictícios.

Um dos pagamentos feitos a Othon da Silva, de R$ 300 mil, foi autorizado pessoalmente por Barra e executado pela Deutschebras, uma empresa de fachada. Segundo o Ministério Público, o expresidente da Eletronuclear teria recebido R$ 4,5 milhões em propina.

Barra disse ainda que não participou de reuniões com Vaccari Neto sobre propina em Angra 3. As reuniões com Vaccari, afirmou, foram feitas para tratar de propina relativa a Belo Monte. O executivo também admitiu ter ordenado a destruição de provas dos pagamentos indevidos.

Gustavo Botelho, ex-diretor-superintendente da Andrade Gutierrez, também prestou depoimento na Justiça Federal. Ele contou que fazia pagamentos a dois funcionários da Eletronuclear, Luiz Messias e José Eduardo Costa Mattos. Com o primeiro, foram três ou quatro encontros, em que teria sido paga a quantia de R$ 50 mil em cada ocasião. Com o segundo, foram dois encontros. Os pagamentos foram feitos em lugares variados, de restaurantes a no interior de carros.

FH diz que maior erro político de Dilma ‘não foi dela, foi do governo anterior’

• Ex-presidente prevê ‘probabilidade grande’ de aprovação do impeachment, defende cassação de Cunha e vê ‘compostura’ em Temer

Miguel Caballero – O Globo

RIO — O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse na noite desta sexta-feira que vê "grande probabilidade" da aprovação do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff neste domingo na Câmara dos Deputados. Perguntado sobre qual foi o maior erro político de Dilma na relação com o Congresso para a situação chegar a este ponto, o ex-presidente avaliou que a crise política foi semeada no governo Lula:

— (O maior erro político) Não foi dela. Foi do governo anterior. Uma fragmentação do Congresso enorme, em função de os deputados perceberem que quanto mais partidos há, mais pressão se pode fazer e mais vantagens se pode obter. Quando ela chegou, já era essa a situação, ela não teve forças, talvez tenha até desejado, mas não teve forças para conter — avaliou FH.

Sugerindo cautela, Fernando Henrique avaliou como provável a vitória da oposição neste domingo, mas não quis opinar publicamente se o PSDB deve aceitar compor o ministério de um eventual governo Temer ou apenas apoiá-lo no Congresso.

— Votação no Congresso a gente tem de ser prudente. As indicações, pelo que vi dos vários partidos..., a probabilidade é grande — disse.

— Eventual governo Temer é eventual. Tem de esperar, não dá para discutir isso (participar do ministério) agora — disse FH, antes de dar palestra na "Casa do Saber Rio O GLOBO" sobre a série "Os Inventores do Brasil", que será exibida no Canal Brasil e cujo roteiro ele assina junto do jornalista e colunista do GLOBO Elio Gaspari.

O ex-presidente avaliou que dificilmente Eduardo Cunha (PMDB-RJ) conseguirá se manter na presidência da Câmara dos Deputados por muito tempo. O Supremo Tribunal Federal (STF) ainda julgará pedido da Procuradoria-Geral da República feito em dezembro para afastá-lo do cargo:

— É uma questão sujeita ao Supremo, que quanto antes decidir melhor. Acho difícil que o deputado Cunha seja capaz de sustentar a posição dele no decorrer do tempo. A probabilidade de que haja uma cassação é grande.


Fernando Henrique afirmou que o PSDB deve apoiar a cassação de Cunha mesmo se ele já estiver afastado da presidência da Casa:

— O PSDB tem de agir de acordo com o que foi descoberto pela polícia, pelo procurador e que a Justiça está encaminhando. Não tem de tergiversar. Havendo erro, tem de cassar. Até agora, o que tem aparecido é que tem muitos elementos consistentes. Se o tribunal considerar réu, acho que o PSDB deve apoiar a cassação — afirmou ex-presidente, lembrado em seguida de que Cunha já é réu no STF.

Sobre a atuação do vice-presidente Michel Temer nestas semanas de tramitação do pedido de impeachment no Congresso, Fernando Henrique fez uma comparação com o ex-presidente Itamar Franco e avaliou que Temer manteve a compostura:

— Os vices normalmente tem que ser recatados. O presidente Itamar não foi alheio também, ninguém fica alheio. Ambos tiveram compostura, mas ambos acompanharam os acontecimentos, porque são políticos — analisou o ex-presidente, lembrando que ele próprio participou da montagem do governo Itamar. — Não quero julgar. Acho que Temer atuou de uma maneira. Eu trabalhei muito de perto com o presidente Itamar durante o impeachment. Ele evidentemente não fazia declarações, mas acompanhava. Numa decisão de impeachment, o vice-presidente tem de ter um ministério pronto, como é que faz? No caso do presidente Itamar, nós começamos (a montagem do novo governo) antes de o impeachment ser aprovado.

Governo faz última ofensiva para tentar barrar impeachment

Gustavo Uribe, Valdo Cruz, Marina Dias, Mariana Haubert, Leandro Colon, Ranier Bragon, Mônica Bergamo – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Diante do risco cada vez maior de uma derrota no domingo (17), o governo Dilma Rousseff deflagrou uma última ofensiva para tentar barrar o processo de impeachment na Câmara dos Deputados e conseguiu reverter alguns votos a seu favor.

Mas sem garantia segura de vitória, a equipe de Dilma decidiu antecipar articulação para a etapa mais importante do processo, o julgamento final no Senado Federal, e já busca votos de senadores.

A gestão petista reconhece que a situação é crítica, mas diz que a oposição, que afirma ter mais de 375 votos contra a presidente, pode ter uma surpresa.

Um assessor presidencial diz que "o jogo ainda não está jogado" e a presidente Dilma "não jogou a toalha".

Segundo ele, o governo está sem "folga" e pode perder ou ganhar por uma margem que, em sua avaliação, seria pequena, cerca de quatro a cinco votos apenas.

Sob orientação do ex-presidente Lula, a petista passou a sexta (15) em estratégia para tentar recuperar apoios perdidos ou aumentar ausências e abstenções na votação em plenário.

No gabinete presidencial, recebeu parlamentares da Bahia, Maranhão, Amapá, Ceará e Paraíba, levados ao Palácio do Planalto a partir de articulação comandada pelos governadores destes Estados.

Entre eles, esteve com a petista o vice-presidente da Câmara dos Deputados, Waldir Maranhão (PP-MA), que anunciou que votará contra o impeachment.

Aliado do presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o parlamentar maranhense havia declarado anteriormente posição favorável ao afastamento da petista e mudou de lado depois que seu adversário local, o ex-presidente José Sarney, passou a atuar contra Dilma.

À Folha o governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), disse que o deputado Waldir Maranhão atendeu a um apelo político pessoal seu. "Ele deve levar uns dez votos do PP para a posição contrária ao impeachment", afirmou Dino, que se encontrou com a presidente.

Temer/Cunha
Em reação à ofensiva do governo, a direção do PP decidiu aprovar o fechamento de questão para tentar evitar que deputados pepistas votem com o governo.

O comando do PMDB também decidiu agir para compensar os votos perdidos e passou a buscar votos de deputados ainda considerados indecisos.

Em outros partidos, como PSB e PSD, há movimento para aumentar o número de abstenções e impedir a aprovação da saída de Dilma.

A justificativa para não votar a favor do impeachment seria a de que a alternativa à presidente –o chamado "governo Temer/Cunha", já que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, será o primeiro na linha de sucessão caso Michel Temer assuma a Presidência– seria pior do que a de deixar a petista no comando do país.

Apesar da onda a favor do impeachment, até agora o placar oficial não indicou larga margem de votos contra a presidente, o que deu alento a parlamentares para lançarem esse movimento dentro de suas legendas para tentar reverter algum voto já declarado e mesmo facilitar que "indecisos" como os do PR, por exemplo, pulem para o barco de Temer.

O slogan "nem Dilma nem Cunha" daria a esse grupo justificativa nobre para não optar por nenhum dos dois lados.

Diante da decisão da maioria dos deputados do PSD de votar a favor do impeachment, o principal líder do partido, Gilberto Kassab, pediu demissão do cargo de ministro das Cidades.

Temer faz ação diplomática contra 'golpe' em processo de impeachment

Patrícia Campos Mello – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) viaja a Washington nesta semana para fazer uma contraofensiva de relações públicas com a finalidade de dizer a legisladores e autoridades dos EUA que o impeachment da presidente Dilma Roussef "não é golpe".

Na quinta-feira (14), o vice-presidente Michel Temer ligou para Aloysio, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, e manifestou indignação com as recentes declarações de Luis Almagro, secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), e Ernesto Samper, Secretário Geral da União de Nações Sul-Americanas (Unasul).

Os dois criticaram o processo de impeachment contra a presidente Dilma.

Nesta sexta (15), após se encontrar com Dilma em Brasília, Almagro divulgou nota dizendo que a OEA chegou à conclusão que o impeachment, se levado a cabo, "constitui um ato de flagrante ilegalidade".

Segundo a nota da OEA, não existe uma acusação penal contra a presidente, apenas de má gestão de contas públicas e que esta é "uma acusação de caráter político, que não justifica um processo de destituição".

Na conversa com Aloysio, Temer disse que está em curso uma campanha que visa a desmoralizar as instituições brasileiras e pediu uma "contraofensiva" de relações públicas no exterior.

Em Washington, o senador tucano vai se encontrar com Thomas Shannon, subsecretário de Assuntos Políticos do Departamento de Estado e ex-embaixador em Brasília; com o presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado dos EUA, Bob Corker, e com empresários americanos em almoço organizado pelo Albright Stonebridge Group, da ex-secretária de Estado Madeleine Albright, muito próxima da presidenciável Hillary Clinton. A viagem havia sido planejada anteriormente, diz Aloysio.

"Vamos explicar que o Brasil não é uma república de bananas, as instituições funcionam e os direitos são respeitados, ao contrário do que petistas vêm dizendo", disse.

Segundo a Folha apurou, Temer e o grupo de pessoas próximas ao vice também estão muito preocupados com os e-mails que foram disparados por alguns diplomatas para embaixadas estrangeiras, afirmando que a oposição estaria tentando dar um golpe de Estado no Brasil. "Isso contamina a imagem do Brasil no exterior", diz um interlocutor do vice.

Aloysio tinha uma reunião com Almagro em Washington, mas cancelou o encontro depois de declarações do uruguaio. Ao jornal "El País", Almagro declarou que Dilma não responde por nenhum ato ilegal que justifique o impeachment. " [Dilma Rousseff] não é acusada de nada, não responde por nenhum ato ilegal. É algo que verdadeiramente nos preocupa, sobretudo porque vemos que entre os que podem acionar o processo de impeachment existem congressistas acusados e culpados."

Aloysio enviou uma carta ao secretário-geral da OEA dizendo que o uruguaio tem completo "desconhecimento sobre a situação política brasileira" e sua vinda às vésperas da votação do impeachment da presidente é um "gesto oportunista".

'Golpe' é vingança, diz Cardozo; para Reale, 'golpe' é omitir país quebrado

Ranier Bragon, Débora Álvares, Isabel Fleck, Rubens Valente – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Na abertura dos três dias de debates e votação do impeachment no plenário da Câmara, o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, mirou em seu discurso de defesa de Dilma Rousseff, em tom inflamado, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que, segundo ele, promoveu um ato "em retaliação ao PT". A fala foi em seguida ao de Miguel Reale Jr., um dos autores da denúncia, que sustentou que o impeachment não é golpe. 'Golpe sim houve quando se sonegou a revelação de que o país estava quebrado'.

"Esse processo de impeachment, se aprovado por essa Casa, provocará uma ruptura institucional e uma violência sem par. (...) Esse processo teve início em um ato viciado, um ato nulo, um ato do presidente da Casa, em retaliação ao fato de o PT ter negado votos contra a abertura ao seu processo de cassação pelo Conselho de Ética. Essa retaliação viciou esse ato", discursou Cardozo, sob aplausos de petistas e governistas.

Cunha preside na manhã desta sexta-feira (15) a sessão de votação do impeachment de Dilma, que será concluída no domingo (17).

Em dezembro, o peemedebista autorizou a tramitação do pedido após fracassar negociação de bastidor com o PT para assegurar votos contra seu processo de cassação. Cunha responde no Conselho de Ética por ter afirmado, em depoimento à CPI da Petrobras, não ter contas no exterior. Posteriormente vieram à tona documentos de contas vinculadas a ele na Suíça.

Segundo Cardozo, houve "chantagem explícita" nas motivações que levaram Cunha a autorizar o andamento do pedido.

"Chantagem só tem uma qualificação, desvio de poder. (...) A decisão foi tomada a partir de uma ameaça clara, se trata do uso de uma competência legal, viciada, ofensiva. É nula a abertura desse impeachment, houve uma violência a lei. Ameaça e retaliação não são fatores decisórios para afastar um presidente da República", acrescentou Cardozo, em tom inflamado.

Golpe
O advogado-geral da União, que falou por 25 minutos, voltou a sinalizar que o governo pretende novamente recorrer ao Supremo Tribunal Federal alegando cerceamento de defesa. Ele pediu a Cunha –e ainda não obteve resposta– direito a fazer nova manifestação em defesa do governo no domingo.

Cardozo repetiu os argumentos apresentados na comissão especial do impeachment de que Dilma não cometeu crime de responsabilidade ao liberar créditos suplementares sem autorização do Congresso e nas chamadas "pedaladas fiscais" –empréstimos de bancos federais para pagamento de despesas do Tesouro.

O advogado-geral chegou a ironizar um dos pontos do relatório contra Dilma, que cita conversa dela com o então secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, como indicativo de ciência da presidente de irregularidades. "Ó diálogo sinistro, capaz de violentar uma Constituição", disse o ministro.

"Isso é golpe, é golpe", repetiu Cardozo, afirmando que "a história jamais perdoará aqueles que romperam com a democracia"

O advogado-geral também replicou discurso do governo e do PT de que o vice-presidente Michel Temer (PMDB) não terá legitimidade caso assuma o poder.

"Qualquer governo que venha nascer de ruptura institucional não terá legitimidade para governar perante à sociedade. E mais cedo ou mais tarde isso será cobrado."

Ao concluir, Cardozo gesticulava bastante, falando em voz alta.

"Eu quero concluir dizendo que é evidente que dentro desses fatos denunciados não há ilícito, não há dolo, e se essa Casa vier a seguir outro caminho, estará revelando um descompromisso profundo com a democracia. (...) Peço a rejeição da denúncia em nome da senhora presidenta da República, na defesa de seu mandado, na defesa do direito, na defesa da democracia, e na defesa do povo brasileiro, que merece respeito, que merece que seu voto seja respeitado."

O fim da fala foi acompanhada de gritos de "não vai ter golpe".

Miguel Reale Jr.
Em seu discurso, Miguel Reale Jr. disse que os deputados são os "libertadores" da população da "prisão de mentiras e corrupção" que se tornou o país. "Os senhores são os nossos libertadores dessa prisão que vivemos enojados no meio da mentira, da corrupção, da inverdade, de irresponsabilidade, do gosto pelo poder sem se preocupar com aquilo que vai acontecer na vida dos brasileiros, especialmente dos mais pobres", afirmou. "Os senhores são os nossos libertadores, os nossos libertadores", reforçou, gritando.

O especialista em direito sustentou que o processo de impeachment não é golpe, como argumenta o governo. "Golpe sim houve quando se sonegou a revelação de que o país estava quebrado. Golpe sim houve quando se mascarou a situação fiscal do país, quando a continuaram fazer imensos gastos públicos e tiveram que se valer de empréstimos de entidades financeiras controladas pela própria União para artificiosamente mascarar a situação do Tesouro Nacional", declarou.

"Ainda dizem e repetem que não há crime", continuou. Reale Jr. questionou então qual seria "o crime mais grave": "o de um presidente que põe no seu bolso uma determinada quantia ou aquela presidente que, pela ganância do poder, em busca da manutenção do poder, não vê limites em destruir a economia brasileira?"

Segundo o denunciante, as pedaladas e a assinatura de decretos autorizando gastos sem a autorização do Congresso levaram à configuração de um "crime de falsidade ideológica". "Apresentou-se um superavit primário falso. E vai dizer que isso não é crime? Que vir a esta casa solicitar que se afaste a presidente por sua gravíssima irresponsabilidade em jogar o país na lona é golpe?"

"O Brasil entrou no cheque especial e está falido", disse. "E por que foi possível fazer isso? Porque foi possível esconder essa realidade da população brasileira por meio das pedaladas."

Governo afrontou a Constituição – Aécio Neves

- Folha de S. Paulo

O Congresso Nacional tem o dever de aprovar o impeachment da presidente Dilma Rousseff. O Brasil é um país democrático regido por uma Constituição que deve ser respeitada e cumprida por todos, sem exceção. Em especial pela mais alta autoridade da República, a presidente.

Não há mais qualquer dúvida sobre os fatos que caracterizaram os crimes de responsabilidade cometidos e identificados, inclusive pelo Tribunal de Contas da União.

A denúncia apresentada pelos advogados Miguel Reale Júnior, Janaina Paschoal e Hélio Bicudo aponta com clareza as violações ocorridas. Ao contrário do que tenta fazer crer o PT, são graves, embora possam parecer de difícil compreensão para parte da população.

A Comissão do Impeachment na Câmara concluiu que a abertura de créditos suplementares por decreto presidencial, sem a autorização do Congresso Nacional, e a contratação ilegal de operações de crédito com bancos públicos, denominada "pedalada fiscal", são exemplos de atos que afrontam a lei orçamentária, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Constituição, pela qual o governo deveria zelar.

A gravidade dos crimes praticados pode ser medida, inclusive, pela insistência do PT em desviar o debate dos pontos objetivos da acusação, transferindo-o para o campo meramente político.
Nesse aspecto, é importante ressaltar outro grande desserviço prestado pelo PT ao país: o de legitimar a mentira como ferramenta da luta política e instrumento de governo.

Em defesa da presidente, chegou-se a afirmar que as "pedaladas" eram necessárias para pagar benefícios sociais, enquanto documento do próprio governo registra que os valores devidos à Caixa Econômica Federal para pagamento desses programas representaram parcela pouco expressiva da dívida do Tesouro junto aos bancos públicos.

Não devemos nos regozijar com o processo de impeachment, um ato de excepcionalidade somente aventado para situações extremamente graves que ameacem a governabilidade do país. A sua adoção é um atestado de que houve uma violação inaceitável das regras constitucionais. Quando isso acontece, somos todos derrotados.

Ao mesmo tempo, a certeza de que somos capazes de superar uma crise dessa magnitude, de forma absolutamente legal e legítima, sem abalo das nossas instituições e com amplo respaldo da voz popular, evidencia a vitória da solidez da democracia brasileira.

Não se trata aqui de uma guerra entre governistas e oposição, mesmo porque muitos dos que hoje aderem à tese defendida pelas oposições estavam, ainda ontem, nas fileiras do governo. Trata-se de um país que precisamos salvar com urgência.

O governo atual, voltado exclusivamente para o seu projeto de poder, mentiu sucessiva e deliberadamente aos brasileiros e impôs ao país a maior crise econômica da nossa história republicana. Deixa-nos como legado a vergonha do presente e a incerteza sobre o futuro.

O país faliu. Mergulhamos em uma crise sem precedentes. Mudar não é apenas necessário, é imperativo.

Como consequência de seus próprios atos, a presidente da República perdeu as condições mínimas de liderar o país nesse grave momento. Esta é a realidade.

Presto, ao final, minha homenagem aos milhões de brasileiros que manifestaram nas ruas seu amor pelo Brasil. E faço isso citando palavras do professor Hélio Bicudo: "Em uma democracia, nenhum dos Poderes é soberano. Soberana é a Constituição, pois é ela quem dá corpo e alma à soberania do povo".
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Aécio Neves, 56, é senador por Minas Gerais e presidente nacional do PSDB. Foi governador de Minas (2003-2010) e candidato à Presidência da República pelo PSDB em 2014

Impeachment do modelo - Cristovam Buarque

• O debate se limita a manter a mesma estrutura social

- O Globo

Uma das provas do fracasso dos “governos de esquerda” no Brasil é o baixo nível do debate político, neste grave momento da nossa história. Nunca se discutiu tanto a política sem debater políticas; tudo se resume à dicotomia “tira Dilma” ou “é golpe”.

O modelo político-econômico-social ruiu como um Muro de Berlim nacional, enterrando as “esquerdas” nos seus escombros, mas a peleja tem ficado entre Dilma até 2018 ou Temer a partir de 2016.

Não se debate qual seria um novo modelo social-econômico-político para conduzir o Brasil ao longo deste século XXI. O atual modelo não foi capaz de construir uma economia sólida, sustentável, inovadora e produtiva e ainda desorganizou as finanças públicas e provocou recessão na economia atrasada; não foi capaz de emancipar os pobres assistidos por bolsas e cotas; não deu salto na educação e promoveu dramático caos na saúde; sobretudo, incentivou um vergonhoso quadro de corrupção, conivência, oportunismo, aparelhamento do Estado e desmoralização na maneira de fazer política.

O país está ficando para trás, se “descivilizando” pela violência generalizada, ineficiência sistêmica, incapacidade de gestão e de inovação, saúde degradada, educação atrasada e desigual; transporte urbano caótico, cidades monstrópoles, persistência da pobreza, concentração de renda, política corrupta; povo dependente, tragédias ambientais e sanitárias. Todos os indicadores são de um país em decadência, com raras ilhas de excelência.

Mas o debate fica prisioneiro da alternativa entre interromper o mandato de um governo incompetente e irresponsável, eleito por estelionato político, tendo cometido possíveis crimes fiscais, ou escolher um novo presidente do mesmo grupo, eleito na mesma chapa e também sujeito a suspeitas. Não se discute qual a melhor alternativa para o Brasil sair da crise imediata a que foi levado pelos desajustes irresponsáveis e eleitoreiros do atual governo, nem qual Brasil queremos e podemos construir, com uma economia eficiente, inovadora, equilibrada, distributiva da renda e sustentável ecologicamente; com a população educada, participativa, levando à justiça social, à produtividade elevada e economia eficiente; com sistema político-eleitoral ético e democrático.

Não se debate um pacto pelo emprego com equilíbrio das contas públicas e pela eficiência da gestão estatal; não se discute como fazer, quanto custa, em quanto tempo e que setores pagarão pelas reformas que o país precisa. As discussões despolitizadas, entre torcidas a favor ou contra, como em um jogo de futebol, não debatem, por exemplo, como fazer com que a escola do filho do mais pobre brasileiro tenha a mesma elevada qualidade que as boas escolas do filho do brasileiro mais rico do país.

O debate se limita a manter a mesma estrutura social, apenas trocando uma presidente pelo vice que ela escolheu duas vezes. Não se percebe que é preciso fazer o impeachment de todo o modelo que a “esquerda” manteve e degradou.

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Cristovam Buarque é senador (PPS-DF)

As três fases de Lula - Demétrio Magnoli

- Folha de S. Paulo

Lula informa que, consumado o impeachment, "não sairá das ruas", comandando uma campanha por "Diretas Já!". Desde a inauguração do segundo mandato de Dilma, essa será a terceira fase de Lula. Tanto quanto nas duas anteriores, suas finalidades reais ocultam-se sob as motivações proclamadas.

A primeira fase, que se estendeu ao longo do ano passado, foi a da ruptura informal com o governo. Dilma 1 –de fato, o terceiro mandato de Lula– consagrou a "matriz econômica" do PT, destruindo o equilíbrio fiscal e as finanças da Petrobras e da Eletrobras. Dilma 2 tinha que consertar o estrago –ou rumar em linha reta para um "abismo argentino". O giro ortodoxo, expresso pela nomeação de Joaquim Levy, contou com o respaldo de Lula, que não divergia sobre política, mas apenas sobre nomes, preferindo Henrique Meirelles. Contudo, a ruptura nasceu ali: o capo di tutti capi seguia o impulso de se preservar das consequências do estelionato eleitoral e da política de ajuste das contas públicas.

Na saída "pela esquerda", Lula restaurou seu controle sobre a área de influência de sindicatos e "movimentos sociais", extinguindo a chama de uma oposição de esquerda ao lulopetismo. À luz do dia, o capo fustigou a casamata da Fazenda, até a queda de Levy. Na calada da noite, orientou a rebelião da bancada petista contra as medidas do ajuste fiscal. A hipótese do impedimento de Dilma foi inscrita na equação lulista como uma solução positiva da crise –desde que pudesse ser narrada como um "golpe das elites" contra o "governo popular". No fim das contas, um impeachment amparado na justificativa arcana das pedaladas fiscais transferiria para o novo governo o fardo da limpeza das estrebarias econômicas legadas por Dilma 1.

A segunda fase, que chega ao epílogo, é a da ruptura da ruptura. Do ponto de vista de Lula, o impeachment converteu-se de solução positiva em perspectiva assustadora desde que a Lava Jato avançou sobre o cipoal de suas nebulosas relações com as empreiteiras e o BNDES. A brusca correção de rota obedeceu ao impulso de buscar no Planalto um escudo de proteção contra as investigações judiciais. Sem abdicar do ataque aos andrajos da política de ajuste fiscal, o capo reatou com Dilma, tramando sua elevação ao posto de ministro plenipotenciário do governo agonizante.

Nessa fase, a fábula do "golpe" tornou-se a ferramenta vital para a subordinação das correntes de esquerda recalcitrantes à liderança lulista. A operação ilusionista alcançou o sucesso possível, disciplinando o PSOL e o MTST, que aceitaram perfilar-se ao lado do declinante "exército de Stédile". Lula dificilmente triunfará na batalha do impeachment, mas recuperou uma hegemonia ameaçada: a melancólica esquerda brasileira reunificou-se em torno do lobista das empreiteiras.

A terceira fase inicia-se amanhã e ganha tração na hora da posse de Temer. De volta à oposição, liberto da necessidade de encenar um engajamento com a governabilidade, Lula extrairá as implicações da narrativa do "golpe", clamando pela derrubada do "governo ilegítimo". À frente do cortejo das esquerdas, empunhará a bandeira das "Diretas Já!", tomando cuidado para que sua exigência não seja vitoriosa. O capo não deseja, realmente, submeter-se ao tribunal das urnas antes de colher os frutos do desgaste de um governo de "salvação nacional" enredado na dupla teia do desastre econômico e das investigações da Lava Jato.

A razão política de Lula é ditada pelo imperativo categórico do interesse pessoal. Na primeira fase, cortejou veladamente a hipótese de um impeachment carente de fundamento político sólido. Na segunda, combate um impeachment indispensável para preservar a autonomia do sistema de justiça. Na terceira, simulará reivindicar eleições imediatas. A democracia triunfará se o TSE entregar o que, de fato, ele não quer.
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Demétrio Magnoli é sociólogo

Manobras - Merval Pereira

- O Globo

O Supremo Tribunal Federal, na reunião extraordinária que entrou pela madrugada de ontem, assumiu uma postura classificada pelo ministro Luís Roberto Barroso como “deferente” às decisões do Congresso, tendo negado todos os recursos apresentados pela Advocacia-Geral da União e por membros de partidos governistas.

Mas dois ministros destacaram-se na tentativa de defender teses favoráveis ao governo: o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, e Marco Aurélio Mello. A tal ponto que Lewandowski induziu, já na madrugada, a inclusão na ata de uma decisão que não fora votada, já que não estava em julgamento: “O Tribunal firmou entendimento no sentido de que a autorização advinda da votação havida na comissão especial é para o prosseguimento sob o teor da denúncia, na forma recebida pelo presidente da Câmara, escoimando-se, para o efeito de apreciação ulterior em plenário da Câmara dos Deputados, o que for estranho à referida denúncia recebida”.

Ao fim da sessão, mesmo Edson Fachin deixando claro que não cabe ao STF analisar a tipificação das condutas imputadas a Dilma “neste momento”, Lewandowski ainda chamou atenção para a possibilidade de a Corte voltar ao tema na hora adequada.

“Então isso fica proclamado o resultado, com essa explicitação, de maneira que não fechamos a porta para uma eventual contestação no que diz respeito à tipificação dos atos imputados à senhora presidente no momento adequado”. Essas manobras de Lewandowski dificilmente terão consequência, mas certamente abriram espaço para novas contestações do governo.

Se um deputado votar pelo impeachment se referindo no microfone à Lava-Jato, por exemplo, poderá servir de pretexto para uma ação da AGU. Embora ontem, no julgamento, essa tese do advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, já tenha sido derrotada, pois os ministros consideraram que os comentários do relator além dos pontos acatados no pedido de impeachment — “pedaladas fiscais” e decretos sem autorização do Congresso — foram palavras “in obiter dicta”, comentários laterais para efeito de retórica.

O momento mais extravagante da sessão foi quando Marco Aurélio detectou um empate que não houvera, e pediu que o presidente Lewandowski exercesse seu direito ao “voto de qualidade”, já que havia só dez ministros no plenário, pois Dias Toffoli está no exterior em missão do TSE.

As liminares em discussão foram indeferidas sob a argumentação de que a decisão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, determinando a alternância da chamada nominal dos deputados por bancadas de estados, começando pelo Norte, estava segundo o Regimento Interno da Câmara.

Mas 5 dos ministros acataram em parte, maior ou menor, detalhes da liminar, e Marco Aurélio viu aí “empate”, 5 a favor e 5 contra a liminar. O que provocou reação de Teori Zavascki, que ponderou: “Primeiro temos de ver se houve mesmo empate”. A seguir Celso de Mello lembrou que não há voto de minerva em mandado de segurança, pois empate é a favor da presunção de legalidade do ato impugnado. Marco Aurélio abespinhou-se e perguntou: quando haverá voto de minerva então?

Lewandowski declarou-se pronto a usar a prerrogativa que julgava ter, e declarou: “Tenho coragem de usá-lo”. Mas a intervenção de Roberto Barroso foi decisiva: “Deixa eu dizer com franqueza. Embora seja contrário o meu ponto de vista, acho que, em mandado de segurança, o empate significará a preservação do ato”.

Ao que Cármen Lúcia aditou: “Até pela presunção da validade dos atos administrativos”. Barroso complementou: “Acho que tecnicamente, enfim. (...) Eu não quero ganhar, quero fazer o que é certo”.

Estado de defesa entra no radar da oposição - Dora Kramer

- O Estado de S. Paulo

De alguns dias para cá entrou no radar da oposição a hipótese de a presidente Dilma Rousseff e seus conselheiros avaliarem a decretação de Estado de Defesa no País se o resultado de amanhã na Câmara for pelo impeachment e isso provocar graves conflitos de rua. A alegação, ameaça à ordem pública, à paz social ou à estabilidade institucional.

O tema foi posto na mesa do presidente do Senado, Renan Calheiros, por um grupo de parlamentares que se reuniu com ele na última quarta-feira. O encontro teve dois momentos: um ampliado, quando se tratou do rito na Casa caso o processo venha a ser aberto; no outro, mais reservado e com compromisso de sigilo, a preocupação foi transmitida a Calheiros e pedido a ele que “prestasse atenção” à possibilidade.

A suspeita se baseia em alguns indícios. O mais forte deles, a informação transmitida por um ministro do Supremo Tribunal Federal com acesso à cúpula do PT. Segundo ele, a edição do decreto estaria sendo cogitada como uma maneira de fortalecer o discurso do “golpe” e estratégia de fazer da presidente e do partido vítimas políticas do processo, com o olhar já voltado para o cenário da deposição.

Outro dado que alimenta a desconfiança é o teor radical do discurso petista, de ameaça de incendiar as ruas, de inviabilizar eventual governo Michel Temer, do aviso do Planalto que não vai parar de lutar (a despeito das derrotas sofridas na Justiça), de montar um “bunker” de resistência no Palácio da Alvorada _ usando a residência presidencial como aparelho partidário. O silêncio do ex-presidente Luiz Inácio da Silva nos últimos dias é também motivo de estranheza.

Um terceiro sinal passou a ser considerado a partir de recentes impressões dos ministros relatores no STF das ações decorrentes das operações Zelotes e Lava Jato, Carmen Lúcia e Teori Zavaski, a um interlocutor da área militar, segundo as quais o Brasil “não imagina a gravidade” do que está por ser revelado. Gravidade esta que estaria relacionada às circunstâncias penais de Lula e Dilma quando da perda de foro especial de Justiça decorrente da queda do atual governo. Nessa perspectiva, a eles reataria a luta no âmbito político. Não que uma eventual decretação de Estado de Defesa proporcionasse imunidade.

O que é o Estado de Defesa? Instrumento previsto na Constituição por intermédio do qual o presidente da República busca preservar, “em locais restritos e determinados, reestabelecer a ordem pública, a paz social, a iminente instabilidade institucional ou a alcançar áreas atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza”. Ato que obrigatoriamente precisa ter o aval do Congresso.

Se decretado, implica restrições de direitos de reunião, de sigilo de correspondência, de sigilo de comunicação (telegráfica e telefônica). Pela lei, o Executivo deve consultar os conselhos de Defesa e da República, ambos atualmente inativos. Ainda assim, se o ato for de mera propaganda sem a preocupação da aprovação do embasamento jurídico, Dilma pode editar o decreto e mandá-lo diretamente ao Parlamento, onde obviamente seria derrubado.

Mas reforçaria a argumentação de que o governo recorreu a todas às ferramentas legais e, ainda assim, foi “golpeado”. Objetivamente, trata-se de um esperneio. E por que não o Estado de Sítio? Porque não tem vigência imediata e depende de aprovação prévia (não referendo, como no Estado de Defesa) no Parlamento, onde a presidente não está numa situação que se possa considerar confortável.

Fim de caso - Igor Gielow

- Folha de S. Paulo

É improvável, mas Dilma Rousseff pode até sobreviver ao voto deste domingo (17) na Câmara. Ninguém, contudo, crê na subsistência de seu ex-governo.

Lula anunciou que assumiria na prática em caso de vitória, enquanto a presidente fugia de um estapafúrdio pronunciamento de TV e bolava a próxima judicialização do inevitável. Na prática, já vivemos o pós-Dilma.

Há muita gente com boas intenções que denega as pedaladas como motivo de impedimento. Fosse o processo de degola um juízo penal, a dosimetria da pena talvez não entregasse a cabeça da soberana; as mãos bastariam, digamos.

Mas impeachment é julgamento político embasado por uma lei segundo a qual quase qualquer coisa é motivo de deposição; essas são as regras hoje. Dilma só chegou onde está por encabeçar um governo nulo e uma recessão. Fim de caso.

Outro ponto dos adversários do impeachment é o ético. Argumenta-se que Eduardo Cunha é o anticristo, que as hienas famintas do PMDB e dos PPs da vida irão refestelar-se e que a Lava Jato morrerá.

O mérito sobre os atores está correto, isso é óbvio. Mas era diferente com o PT e esses mesmíssimos aliados? Mensalão e petrolão, sofisticações agigantadas de esquemas atávicos de corrupção, são invenções exógenas? A lógica do "todos são iguais" legitima Dilma na cadeira?

Mais: a Lava Jato já está sob ameaça, e pelo governo, mas sobrevive e trabalha numa rodada fatal de delações. É um trem sem freios que Temer não teria como parar, se quisesse, isso se não acabar atropelado por ele.

Se assumir, o vice terá de usar a janela que ele mesmo citou, de três ou quatro meses, para viabilizar-se. Como isso implica melhoria de expectativas econômicas, ajuste, manutenção de apoio entre carniceiros, acenos ao social, liberdade para a Lava Jato e suportar Lula e o PT, falamos de um cenário quase intangível.

Ruim, sim. A alternativa é melhor?

E agora? - Ana Maria Machado

• É preciso unir o Brasil acima dos partidos e das torcidas inflamadas, assumindo responsabilidade pelas decisões a tomar

- O Globo

Este é tempo de partidos, tempo de homens partidos. O eco de versos de Drummond nos acompanha nestes dias. Esse é tempo de divisas, tempo de gente cortada.

Um tempo em que estamos diante de uma escolha de Sofia, tendo de optar entre situações repelentes. Qualquer que seja a alternativa, o resultado será desastroso, deixará ressentimentos, frustrações, cobranças, hostilidade, um clima impossível para reconstruir a economia destruída e a convivência política em frangalhos. Não se discute uma agenda ou um projeto, o país está paralisado, o governo fica só às voltas com seu balança-mas-não-cai, a comprovar que, embora tenha decidido que está acima das leis, não consegue se desvencilhar da lei da gravidade. E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José?

Vira-se a página mas a agonia não acaba. Pior ainda… a festa era ilusão, mal deixou lembrança boa. Mas fomos arrastados a essa situação. Mesmo quem sempre soube que não se trata de golpe mas inicialmente não era favorável ao impeachment, cansou de esperar em vão que se colocassem outras alternativas além dessa punição prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal. À medida que as coisas avançaram, constatados os crimes de empréstimo proibido de bancos públicos, sobretudo em ano eleitoral, e mais os créditos não autorizados pelo Congresso, em vão se passou pelo cartão amarelo das advertências e ressalvas dos tribunais no exame das contas.

Em vão se esperou um reconhecimento do erro, um pedido de desculpas, uma garantia de não repetir o crime, uma explicação que fosse além da mentira de dizer que era necessário por causa dos benefícios sociais e não por benesses a empreiteiros e campanhas eleitorais de marketing milionário. 

Como se a ínfima proporção estatística do Bolsa Família e outros programas pudesse fazer frente aos gastos exorbitantes que ajudam a compor a Bolsa Amém, de compra de apoio e créditos subsidiados. E quem preferia não seguir para o trauma do impedimento acabou tendo de ceder para não ser cúmplice da impunidade, diante do desprezo à responsabilidade como valor e das descaradas manobras de obstrução da Justiça, incluindo até termo de posse antecipado para o caso de necessidade e edição extra do Diário Oficial, em meio a um crescendo de ataques às instituições e de provocação às pessoas de bem.

O ideal para evitarmos que as coisas chegassem a esse ponto seria termos parlamentarismo. A Constituição de 88 até caminhara nesse sentido, mas acabou dando nesta coisa híbrida e estéril onde atolamos, porque interesses de presidenciáveis na ocasião impediram que ela confirmasse o que seu arcabouço se preparara para acolher. Só que não é hora de querer essa saída como casuísmo, só para se livrar da crise imediata. Tem de ser amadurecido, numa discussão equilibrada e sempre recusada. E agora, José?

Debate amadurecido anda em falta. Ainda outro dia, o ex-ministro do STF Ayres Brito se queixava de que o debate está infantilizado e maniqueísta, na base do herói ou vilão e é necessário um chamamento ao entendimento. Vamos precisar muito disso na reconstrução do país. Por exemplo, deve-se criticar os excessos e qualquer atitude ilegal nas investigações mas quem tem de dar a última palavra sobre isso é o Supremo, não uma campanha sistemática de desqualificação das instituições dirigida à opinião pública nacional e estrangeira. Equilíbrio e sensatez são fundamentais para sairmos dessa insanidade geral.

Para o bem do país é preciso unir o Brasil acima dos partidos e das torcidas inflamadas, assumindo responsabilidade pelas decisões a tomar e passando confiança à nação, sem o pensamento mágico infantil de se apresentar como Salvador da Pátria ou pintar o adversário como o inimigo público número 1. Há tarefas muito duras pela frente, quando só no estado de São Paulo mantém-se há mais de um ano a média diária de 13.000 demissões e 20 fábricas fechando. Como assinalam Cesar Benjamin e outros, o ciclo de distributivismo sem reforma que marcou os governos do PT foi superficial e já terminou. E agora, José?

Essas reformas necessárias têm de ser discutidas a sério — e não apenas na economia ou na legislação trabalhista. Estamos vivendo uma profunda crise na democracia representativa, que leva o eleitor a não se sentir representado por quem elege. Seja porque as campanhas marqueteiras mentem e enganam, seja porque o sistema partidário trai o voto, tem partido demais, deputado demais, qualidade de menos, ética de menos. Democracia é meta, não pode ser tática eleitoreira. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Procuro a citação exata que me dança na memoria. Você marcha, José, para onde? Abro a antologia a esmo e encontro outro poema, “Pneumotórax”, de Manuel Bandeira. Talvez seja a resposta para estes dias tristes:

A vida inteira que podia ter sido e não foi. (…) A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

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Ana Maria Machado é escritora