sábado, 16 de abril de 2016

Propina em obra indicada por Lula

Ex-presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Azevedo disse que pagou propina ao ex-tesoureiro João Vaccari por obra ganha com ajuda do ex-presidente Lula. A empreiteira teria vencido a disputa pela obra, na Venezuela, após pedido de Lula ao ex-presidente Chávez.

Andrade: propina em obra indicada por Lula

• Ex-presidente da empreiteira afirma que teve ajuda do ex-presidente para ganhar disputa na Venezuela

Danielle Nogueira - O Globo

RIO - O ex-presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo, disse ontem que a propina paga pela empresa ao PT estava relacionada até a uma siderúrgica na Venezuela. Segundo ele, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto cobrou 1% do valor correspondente à participação brasileira no projeto, liderado pela Andrade. O investimento total na usina foi de US$ 1,8 bilhão, em valores de 2008, quando a construtora ganhou o contrato.

Azevedo prestou depoimento ontem na 7ª Vara Criminal Federal do Rio, onde corre ação contra a Andrade Gutierrez por acusação de pagamento de propina à Eletronuclear. Embora o tema da audiência fosse o esquema de corrupção envolvendo a estatal, Azevedo deu amplo panorama de como era a prática de pagamento de propina pela empresa e citou não apenas o caso do empreendimento na Venezuela como o da Usina de Belo Monte.

Segundo o executivo, a prática era a cobrança pelo PT de 1% do valor dos contratos ganhos pela Andrade. O pagamento da propina era sempre feito por meio de doações eleitorais. No caso da siderúrgica da Venezuela, o executivo contou que a empreiteiras disputava o empreendimento com empresas italianas e que venceu a disputa após ajuda do ex-presidente Lula.

Em Belo Monte, comissão para PT e PMDB
— Estávamos disputando essa obra com a Itália. A Andrade conversou com o Lula, que pediu diretamente ao Chávez (ex-presidente da Venezuela) para que olhasse para o Brasil. Foi o que aconteceu. Mas não houve pedido do Lula (de propina) — disse Azevedo.

A cobrança de propina foi feita “muito tempo depois” por Vaccari, segundo o executivo, porque haveria financiamento do BNDES. O governo venezuelano também participou como sócio.

Azevedo também deu detalhes sobre como foram as conversas para o pagamento de propina referente à obra da hidrelétrica de Belo Monte. De acordo com ele, a 20 dias do leilão, houve a desistência do grupo concorrente liderado pela Camargo Corrêa e pela Odebrecht. O governo, então, teria ajudado a montar, às pressas, um consórcio de pequenas empresas para concorrer com o grupo liderado pela Andrade. Esse pequeno consórcio acabou ganhando o leilão.

— Quando fizemos a reunião para decidir o valor final do investimento (que seria apresentado na proposta), representantes da Eletrosul e de Furnas (subsidiárias da Eletrobras), que eram nossos sócios, estavam presentes. Isso nos causou desconforto porque o grupo concorrente tinha como sócios Eletreonorte e Chesf, também do grupo Eletrobras. Tudo indicava que esse consórcio miúdo estava sendo patrocinado — disse Azevedo.

O ex-presidente da Andrade Gutierrez disse ter procurado a então ministra-chefe da Casa Civil, Erenice Guerra, para falar do seu estranhamento quanto à sua derrota no leilão e ouviu dela que ficasse tranquilo porque “vamos precisar de vocês”. Dias depois, segundo Azevedo, o ex-ministro Antonio Palocci procurou a Andrade propondo que a empresa formasse uma sociedade com o consórcio vencedor para tocar as obras. E que fosse pago 1% do valor do contrato para o PT e o PMDB. Nas contas de Azevedo, isso daria cerca de R$ 135 milhões, metade para cada partido. O dinheiro foi pago em doações eleitorais para ambos.

Reuniões na casa de Othon, da Eletronuclear
— Meu entendimento hoje é que isso é propina, mas não víamos isso de forma tão clara na época — disse Azevedo.

Quanto ao pagamento de propina à Eletronuclear, o executivo afirmou que soube da denúncia quando estava preso, devido a seu envolvimento em esquema de propina na Petrobras.

Flavio Barra, presidente da AG Energia, braço do grupo Andrade Gutierrez para energia, também prestou depoimento ontem. Ele admitiu ter se encontrado com o ex-presidente da Eletronuclear Othon Luiz Pinheiro da Silva, na casa dele, para tratar de propina. Segundo Barra, foram duas reuniões, onde também teriam sido discutidas repactuações dos contratos da Andrade para construção da usina nuclear de Angra 3.

— Teve duas reuniões na casa dele. Falamos sobre doações. Nós vivíamos pedindo repactuações (dos contratos). Quando assumi os contratos, já tinha R$ 150 milhões de prejuízo. Se continuássemos performando assim teríamos déficit de R$ 250 milhões. Precisávamos que o dr. Othon atuasse para que os aditivos fossem assinados.

Pagamento de propina até dentro de carro
Barra assumiu os contratos, avaliados em R$ 1,5 bilhão, em 2013. Segundo ele, eram feitos pagamentos em espécie a diretores da Eletronuclear, no valor de 1,5% a 2% dos valores dos contratos. Muitos desses contratos teriam sido fechado com empresas do lobista Adir Assad.

— Os contratos tinham o valor elevado. A partir de determinado momento, como a capacidade de trabalho dele (das empresas de Adir Assad) estava no limite, começamos a fazer contratos fictícios.

Um dos pagamentos feitos a Othon da Silva, de R$ 300 mil, foi autorizado pessoalmente por Barra e executado pela Deutschebras, uma empresa de fachada. Segundo o Ministério Público, o expresidente da Eletronuclear teria recebido R$ 4,5 milhões em propina.

Barra disse ainda que não participou de reuniões com Vaccari Neto sobre propina em Angra 3. As reuniões com Vaccari, afirmou, foram feitas para tratar de propina relativa a Belo Monte. O executivo também admitiu ter ordenado a destruição de provas dos pagamentos indevidos.

Gustavo Botelho, ex-diretor-superintendente da Andrade Gutierrez, também prestou depoimento na Justiça Federal. Ele contou que fazia pagamentos a dois funcionários da Eletronuclear, Luiz Messias e José Eduardo Costa Mattos. Com o primeiro, foram três ou quatro encontros, em que teria sido paga a quantia de R$ 50 mil em cada ocasião. Com o segundo, foram dois encontros. Os pagamentos foram feitos em lugares variados, de restaurantes a no interior de carros.

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