- Folha de S. Paulo
Lula informa que, consumado o impeachment, "não sairá das ruas", comandando uma campanha por "Diretas Já!". Desde a inauguração do segundo mandato de Dilma, essa será a terceira fase de Lula. Tanto quanto nas duas anteriores, suas finalidades reais ocultam-se sob as motivações proclamadas.
A primeira fase, que se estendeu ao longo do ano passado, foi a da ruptura informal com o governo. Dilma 1 –de fato, o terceiro mandato de Lula– consagrou a "matriz econômica" do PT, destruindo o equilíbrio fiscal e as finanças da Petrobras e da Eletrobras. Dilma 2 tinha que consertar o estrago –ou rumar em linha reta para um "abismo argentino". O giro ortodoxo, expresso pela nomeação de Joaquim Levy, contou com o respaldo de Lula, que não divergia sobre política, mas apenas sobre nomes, preferindo Henrique Meirelles. Contudo, a ruptura nasceu ali: o capo di tutti capi seguia o impulso de se preservar das consequências do estelionato eleitoral e da política de ajuste das contas públicas.
Na saída "pela esquerda", Lula restaurou seu controle sobre a área de influência de sindicatos e "movimentos sociais", extinguindo a chama de uma oposição de esquerda ao lulopetismo. À luz do dia, o capo fustigou a casamata da Fazenda, até a queda de Levy. Na calada da noite, orientou a rebelião da bancada petista contra as medidas do ajuste fiscal. A hipótese do impedimento de Dilma foi inscrita na equação lulista como uma solução positiva da crise –desde que pudesse ser narrada como um "golpe das elites" contra o "governo popular". No fim das contas, um impeachment amparado na justificativa arcana das pedaladas fiscais transferiria para o novo governo o fardo da limpeza das estrebarias econômicas legadas por Dilma 1.
A segunda fase, que chega ao epílogo, é a da ruptura da ruptura. Do ponto de vista de Lula, o impeachment converteu-se de solução positiva em perspectiva assustadora desde que a Lava Jato avançou sobre o cipoal de suas nebulosas relações com as empreiteiras e o BNDES. A brusca correção de rota obedeceu ao impulso de buscar no Planalto um escudo de proteção contra as investigações judiciais. Sem abdicar do ataque aos andrajos da política de ajuste fiscal, o capo reatou com Dilma, tramando sua elevação ao posto de ministro plenipotenciário do governo agonizante.
Nessa fase, a fábula do "golpe" tornou-se a ferramenta vital para a subordinação das correntes de esquerda recalcitrantes à liderança lulista. A operação ilusionista alcançou o sucesso possível, disciplinando o PSOL e o MTST, que aceitaram perfilar-se ao lado do declinante "exército de Stédile". Lula dificilmente triunfará na batalha do impeachment, mas recuperou uma hegemonia ameaçada: a melancólica esquerda brasileira reunificou-se em torno do lobista das empreiteiras.
A terceira fase inicia-se amanhã e ganha tração na hora da posse de Temer. De volta à oposição, liberto da necessidade de encenar um engajamento com a governabilidade, Lula extrairá as implicações da narrativa do "golpe", clamando pela derrubada do "governo ilegítimo". À frente do cortejo das esquerdas, empunhará a bandeira das "Diretas Já!", tomando cuidado para que sua exigência não seja vitoriosa. O capo não deseja, realmente, submeter-se ao tribunal das urnas antes de colher os frutos do desgaste de um governo de "salvação nacional" enredado na dupla teia do desastre econômico e das investigações da Lava Jato.
A razão política de Lula é ditada pelo imperativo categórico do interesse pessoal. Na primeira fase, cortejou veladamente a hipótese de um impeachment carente de fundamento político sólido. Na segunda, combate um impeachment indispensável para preservar a autonomia do sistema de justiça. Na terceira, simulará reivindicar eleições imediatas. A democracia triunfará se o TSE entregar o que, de fato, ele não quer.
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Demétrio Magnoli é sociólogo
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