quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Opinião do dia: *Fernando Henrique Cardoso

• RFI – E de extrema direita?

FHC – De extrema direita. Com visão bastante reacionária, em alguns setores. Agora, isso vai prevalecer? Aí depende, depende do jogo da sociedade, depende da resistência do Parlamento, da imprensa, não é tão simples assim. As pessoas quando ganham, não fazem tudo o que querem. Eu fui presidente eu não fiz tudo o que eu queria. Não se consegue, a sociedade existe. Então eu acho que a oposição precisa sempre existir. Na democracia, é necessário que exista oposição. Agora oposição, ao meu ver, o que não pode é ser destrutiva, no sentido de dizer que tudo o que vai ser feito pelo governo é errado porque vem do governo. Eu não sei, o que fizer errado eu sou contra. O que não tiver errado, por que eu vou ficar contra? Eu digo errado no sentido do bem-estar do povo, do crescimento da economia, da manutenção das regras democráticas. Se houver e quando houver atentado quanto a estas questões, eu acho que quem está na condição deve protestar, deve reagir.

*Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, ex-presidente da República. Fundador e presidente honorário do PSDB, está em Paris, onde participou do diálogo com o sociólogo e seu ex-professor, Alain Touraine. O ex-presidente concedeu entrevista exclusiva à RFI logo antes de entrar na sala, lotada, para debater com o colega, com quem mantém um diálogo que já dura cinco décadas. Folha de S. Paulo, 16/1/2019

Clóvis Rossi: 'Brexit' é exemplo de quando o populismo machuca

- Folha de S. Paulo

Não há versão da saída da UE que aumente a prosperidade britânica

A Organização Mundial da Saúde bem que poderia promover uma campanha mundial de anúncios do tipo daqueles que aparecem nos maços de cigarro, para avisar que o populismo nacionalista faz mal à saúde. Faz mal à saúde mental, econômica, financeira, política, psíquica.

Há pelo menos meia dúzia de exemplos que podem ser mencionados, mas fico no mais espetacular do momento, que é a saída do Reino Unido da União Europeia.

O triunfo do “brexit” no plebiscito de 2016 foi atiçado por uma coleção de falsidades sobre as vantagens de deixar a comunidade de países europeus. Mexeram com os instintos nacionalistas.

Sempre achei que o exercício do direito de votar teria um efeito pedagógico. Quanto mais o cidadão vota, mais consciente ele fica e, portanto, faz escolhas mais sensatas. Aí, veio o “brexit” e, em seguida, a eleição de Trump e destruíram minha ingênua convicção.

Dois dos países que praticam o esporte democrático há mais tempo conseguiram cometer absurdos impensáveis.

No caso do Reino Unido, breve repasso aos males que esse ataque populista/nacionalista está provocando: na área política, a rejeição ao plano da primeira-ministra Theresa May para deixar a UE de maneira mais ou menos suave representou “uma monumental humilhação, um chocante repúdio de tudo o que a primeira-ministra trabalhou para alcançar e um completo colapso de sua estratégia”, como escreveu no Financial Times o colunista Robert Shrimsley.

Celso Ming: As direitas nacionalistas e a encalacrada do Brexit

- O Estado de S.Paulo

Não há saídas fáceis para o governo britânico na hora de decidir qual será o destino do Brexit

Depois da rejeição acachapante do acordo do Brexit no Parlamento e depois da rejeição da moção de censura da primeira-ministra Theresa May, o Reino Unido está imerso numa encalacrada. Mas, provavelmente, essa encalacrada funcionará como primeira grande derrota da onda de nacionalismos inconsequentes e de xenofobia que vem se alastrando pela Europa e pelos Estados Unidos.

Tudo começou com um erro de cálculo do então primeiro-ministro David Cameron que, em 2016, convocou um plebiscito para rejeitar de uma vez a separação da União Europeia e varrer do espectro político a guinada à direita que crescia no Reino Unido. Mas Cameron havia subestimado a insatisfação dos eleitores. A decisão de colocar em marcha o Brexit foi aprovada por 52% e não houve remédio senão iniciar a negociação dos termos do divórcio com a União Europeia.

De lá para cá, se houve alguma novidade foi a de que a população tomou consciência de que os custos de uma separação, ainda que amigável, são muito mais altos do que as limitações à soberania e os preços a pagar pela integração econômica, política e social cobrados pela União Europeia.

Os estados nacionais já não conseguem entregar os benefícios do bem-estar social prometidos a seus cidadãos; a indústria migra para onde os custos da mão de obra são mais baixos; e a maior facilidade das comunicações e dos transportes favorece a migração dos povos e mina a zona de conforto das populações locais. Mas isso tem a ver com as grandes mudanças demográficas e tecnológicas que tomaram a economia mundial – e não com a drenagem de renda proporcionada pela globalização.

Maria Cristina Fernandes: O clone que abrilhantou o show de Trump

- Valor Econômico

Subalternidade já causa danos à imagem do Brasil

É preciso acreditar que Fabrício Queiroz vai pagar a conta do hospital com a venda de carros usados para ter enxergado unicamente um elogio na declaração feita esta semana por Donald Trump sobre o presidente Jair Bolsonaro. A íntegra do discurso de 58 minutos do presidente americano na convenção anual de uma centenária federação do agronegócio em Nova Orleans deixa poucas dúvidas sobre suas intenções.

Nos primeiros 35 minutos de seu discurso, Trump dedicou-se a falar do muro que pretende construir na fronteira com o México. Num dos momentos mais aplaudidos, disse que o construção não dificultaria a contratação de migrantes para a agricultura - "Vocês precisam dessa gente". Nos sete minutos seguintes dedicou-se aos feitos na redução de impostos e na desregulamentação do setor.

Foi aos 43 minutos que começou a falar da concorrência no agronegócio mundial. Disse que o país assistia ao declínio da participação americana. "O que estou interessado é na América primeiro", disse, fazendo uso de seu bordão de campanha. O presidente americano citou que a Argentina, pela primeira vez em um quarto de século, abriu-se às exportações americanas de suínos - "Quando eles me pedem algo, digo, ok, mas antes me abram mercado" - e que o Japão passou a comprar as batatas de seu país.

A menção ao Brasil veio aos 47 minutos do discurso: "Temos, pela primeira vez desde 2003, a exportação de carne americana exportada para o Brasil". Deu uma parada e acrescentou o comentário: "Eles têm um novo grande líder. Dizem que ele é o Donald Trump da América do Sul". Nesse momento, com absoluto domínio de palco, perguntou, em tom de ironia, à plateia: "Vocês acreditam nisso?". Arrancou uma das mais prolongadas salva de palmas do show e foi em frente: "E ele está feliz com isso. Se não estivesse eu não gostaria do país, mas eu gosto dele [Bolsonaro]".

Depois da menção ao Brasil, Trump citou a abertura do mercado chinês, também à carne americana, "pela primeira vez em anos". E se disse disposto a reagir ao que chamou de 'roubo' de tecnologia de sementes desenvolvida em seu país. O discurso laudatório aos produtores rurais americanos terminou com uma ovação: "A grande colheita ainda está por vir. A agricultura americana será maior do que nunca".

William Waack: Bolsonaro vai ao mundo

- O Estado de S.Paulo

Visita ao ninho da globalização em Davos coincide com dificuldades de Brexit e Trump

A estreia internacional de Jair Bolsonaro será em Davos, local símbolo das elites “globalistas” e antissoberania nacional que o novo presidente brasileiro foi convencido a combater. Fazem parte dessa elite também os grandes nomes ligados ao volátil mundo dos investidores e sua incessante busca por oportunidades, grupo que o novo presidente brasileiro foi convencido já há bastante tempo a cultivar.

Como a luta contra o “globalismo” (qualquer que seja a definição que se empregue) tem características de guerra cultural – pois estamos falando de valores – o momento da entrada em cena de Bolsonaro em Davos é especial. Ocorre quando os dois maiores “choques” antiglobalistas passam por graves dificuldades. Brexit e Trump estão dando muito conforto a seus críticos e adversários.

No voto do Brexit, os antiglobalistas enxergaram até mesmo a luta heroica de um povo para recuperar sua soberania e dignidade. Mas a cizânia política trazida pelo resultado é de tal ordem que, hoje, o Reino Unido chegou a ponto de não ter Brexit, não ter acordo para Brexit, não saber o que fazer com Brexit nem com o próprio governo conservador. A confusão está dando projeção a um populista de esquerda, Jeremy Corbyn. E pode acabar em novo referendo sobre... Brexit.

Faz dois anos também que Donald Trump assumiu causando um monumental choque político, seguido agora de uma imensa bagunça política em casa. As investigações contra ele prometem levar a pedidos de impeachment na Câmara, cujo controle perdeu para os adversários democratas. Perigo maior são os políticos republicanos que sofreram nas eleições de meio termo em novembro último e não gostaram nem um pouco da renúncia do general Jim Mattis do Pentágono.

Bruno Boghossian: Governos zumbis

- Folha de S. Paulo

Trump e 'brexit' servem de alerta sobre os entraves às plataformas de campanha

O Reino Unido tem uma líder morta-viva, segundo a oposição. Theresa May continua no cargo de primeira-ministra, mas sofreu uma derrota humilhante em sua articulação para tirar o país da União Europeia. “Não há dúvida de que este é um governo zumbi”, disse Jeremy Corbyn, do Partido Trabalhista.

O impasse a que chegaram os britânicos e a paralisia provocada nos EUA pelo conflito sobre a construção do muro na fronteira com o México são exemplos práticos de choques de expectativas políticas.

May se tornou primeira-ministra depois da surpreendente votação a favor do “brexit”. Donald Trump ganhou tração entre os americanos com seu discurso anti-imigração. Os dois tomaram impulso nas urnas e tentaram um salto, mas havia um abismo entre a plataforma eleitoral e as medidas concretas.

Parecia decidido que o Reino Unido daria uma guinada em 2016, quando 51,9% dos eleitores decidiram que o país deveria deixar o bloco europeu. May assumiu o poder para implantar o processo de saída, mas não conseguiu entregar o produto.

Após dois anos de derrotas e embates com o Parlamento, a população se frustrou. Atualmente, 59% dos britânicos dizem que preferem ficar na UE, segundo pesquisa do YouGov.

Matias Spektor: Duas direitas

- Folha de S. Paulo

Diversidade tende a ser disciplinada por uma clivagem fundamental

O campo da direita uniu forças para derrotar o petismo, mas a aliança nunca foi óbvia ou natural. Para acontecer, ela demandou que várias facções se resignassem ao peso eleitoral de Jair Bolsonaro.

Com o governo empossado, a disputa entre esses grupos voltará à superfície. Mas, desta vez, toda a diversidade da direita brasileira tende a ser disciplinada por uma clivagem fundamental.

De um lado, a direita formada na esteira da globalização. Trata-se de um grupo de talho liberal. Em política, seu compromisso maior é com o constitucionalismo, o Estado de Direito e a garantia de liberdades individuais e das minorias.

Na economia, essa turma vê no mercado e na abertura ao mundo os melhores mecanismos para lutar contra os grupos de interesse que inviabilizam o controle do gasto público.

Em relações internacionais, esse grupo advoga por instituições globais com peso suficiente para contrapor a força centrífuga dos nacionalismos. Para esse pessoal, o nacionalismo é usado por grupos que lutam para manter o Brasil arcaico como escudo de proteção de privilégios.

Do outro lado, está a direita conservadora. Hoje democrática, ela prega eleições livres e competitivas e dá provas de que pode ganhá-las com folga. Seu compromisso maior é com os ideais de nação, família tradicional e fé cristã. Ela rejeita o multiculturalismo, a normalização da família não-tradicional e a laicidade —marcas distintivas da direita liberal.

Janio de Freitas: Nós, pré-históricos

- Folha de S. Paulo

O homem das casernas quer o seu contemporâneo de volta à autodefesa

O argumento de que a livre posse de armas de fogo, como diz Jair Bolsonaro, "é para garantir às pessoas o legítimo direito de defesa", dá uma decoração enganosa ao seu teor pré-histórico: o governo militarizado entrega à população a tarefa de defender-se da criminalidade que a aflige. O homem das casernas quer o seu contemporâneo de volta à autodefesa que restava ao homem das cavernas.

De alguns milênios para cá, a defesa dos cidadãos é atribuição das forças do Estado para isso mantidas. E aos governos compete dirigi-las com inteligência e civilidade. Na falta dessas qualidades, o roteiro cênico que o governo militarizado propõe é empolgante. Segue-se um trailer.

É nas ruas, nas lojas, nos espaços e eventos públicos que a criminalidade assola o cidadão. Se deve praticar a autodefesa armada, a vítima precisaria fazê-lo, a bala, no lugar público onde é atacada. Como são incontáveis os ataques diários, havendo inúmeros casos sem registro policial, o que o governo militarizado espera é um tiroteio assombroso produzido pelas autodefesas. Seriam tiros o dia todo, todos os dias, em toda a cidade, qualquer que seja.

Pior do que a massificação das armas é a obtusidade em que se ampara tal "reforma". O problema da criminalidade se manifesta pela já existente posse (ilegal) de armas. Armar suas vítimas para pretensa autodefesa não reduz, antes amplia os crimes de tentativa e de homicídio mesmo, agora praticados pelos antigos e por novos usuários de armas. A posse livre e legal de armas não tem como contribuir para a redução da criminalidade cometida como meio de vida ou melhora de vida. Não há como atribuir a raciocínios inteligentes o armamentismo trazido pelo governo militarizado.

Merval Pereira: O ministro que virou suco

- O Globo

As milícias merecerão atenção especial no projeto de segurança que a equipe de Moro está preparando

“Toda experiência da humanidade mostra, sem nenhuma falha que negue essa evidência, que quanto mais armada a população, menor a violência.” A certeza histórica demonstrada na frase do ministro-chefe do Gabinete Civil Onyx Lorenzoni não bate com a realidade, embora não seja errado dizer que há estudos e estatísticas que apoiam a flexibilização do acesso às armas de fogo.

Como há também muitas outras pesquisas e constatações para o contrário. Mas Lorenzoni conseguiu superar essa empáfia com uma comparação mais excêntrica, a de armas com liquidificadores domésticos. Tentou igualar-se ao General Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, que havia feito outra comparação infeliz, a de armas com os carros, que podem matar também. A comparação do General é menos ruim porque carros podem servir de arma, mas liquidificadores não. O ministro Chefe do Gabinete Civil tentou ser coloquial e virou suco.

Atualmente, há pesquisas que contestam a fala do ministro-chefe da Casa Civil, tanto no Brasil quanto em outros países. Segundo pesquisa do Ipea de 2013, sobre a relação da quantidade de armas de fogo no Brasil com as taxas de homicídios, as maiores quedas nas taxas de homicídio ocorreram nas regiões onde houve mais desarmamento. Um levantamento de 2017 feito pela Stanford Law School demonstra que os estados em que os cidadãos têm maior acesso a armas de fogo nos Estados Unidos têm também maiores índices de roubos e assaltos.

Bernardo Mello Franco: Quando os fatos deixam de importar

- O Globo

Para defender o decreto das armas, o chefe da Casa Civil omitiu estudos e apresentou dados falsos. A prática tem sido comum neste início de governo

Em 1921, o editor C.P. Scott escreveu que “o comentário é livre, mas os fatos são sagrados”. A máxima é republicada todos os dias pelo jornal britânico “The Guardian”. Mesmo assim, parece cada vez mais fora de moda na política do Reino Unido.

Ontem a premiê Theresa May se salvou por pouco de perder o cargo. Seria a segunda chefe de governo a cair por causa do Brexit. O primeiro foi David Cameron, vítima do referendo que ele mesmo convocou.

A votação mostrou o poder das “fake news”. Os defensores do rompimento com a União Europeia falsearam dados e omitiram os custos de deixar o bloco. Os eleitores caíram na armadilha populista e decidiram contra o próprio bolso.

A campanha do Brexit inspirou os estrategistas de Donald Trump e Jair Bolsonaro. Os americanos já convivem há dois anos com um governo que contesta estudos científicos e prega a existência de “fatos alternativos”. Agora, tudo indica que chegou a nossa vez.

Ao defender o decreto das armas, o ministro Onyx Lorenzoni declarou à GloboNews que “toda a experiência da humanidade mostra, sem nenhuma falha que negue essa evidência, que quanto mais armada a população, menor a violência”.

A maioria das pesquisas sérias diz exatamente o contrário. No Brasil, a taxa de homicídios passou a subir mais lentamente depois de 2004, quando o Estatuto do Desarmamento entrou em vigor.

Míriam Leitão: O bom e o péssimo no mesmo governo

O Globo

Há expectativas positivas na economia, com o programa de Paulo Guedes, e fartos temores em outras áreas, como educação, índios e o meio ambiente

Há sinais bons de que a economia brasileira pode avançar com o programa do ministro Paulo Guedes. Um desses é que o custo do seguro contra o risco-país já caiu. Há fatos assustadores, como o desastre ambiental contratado com decisões e palavras que estimulam invasão de terra indígena ou levam à paralisia no Ministério do Meio Ambiente (MMA). Esses não são os únicos pontos de alívio e ou de preocupação, essa polaridade tem havido no governo Bolsonaro.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, explicou sobre sua decisão de suspender todos os convênios do Ministério, que vai dar prioridade às análises dos contratos que “necessitem de medidas imediatas”. Segundo o ministro, “se estiverem em ordem serão prontamente liberados, caso contrário serão encaminhados para auditoria por parte da CGU”. É normal que um novo governo ao chegar avalie tudo o que está acontecendo e mude o que considera ser ruim. O problema é, numa penada, suspender tudo sem avaliar as consequências.

Há inúmeras ONGs, fundações, fundos que não usam dinheiro público, pelo contrário, transferem recursos para o poder público. O Fundo Amazônia, por exemplo, foi formado com dinheiro do governo da Noruega, doado ao país, e é gerido pelo BNDES, que decide onde os recursos devem ser aplicados. Há avaliações frequentes da eficiência das ações.

Há o Programa Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa), que é o maior programa de apoio à conservação das florestas tropicais. “Sem esse recurso, a conservação da biodiversidade, a fiscalização, proteção e diversas frentes de trabalho serão duramente prejudicadas”, me disse um funcionário do MMA. O Arpa foi formado com doações internacionais e de fundações. Não é dinheiro público.

O engenheiro florestal Tasso Azevedo, do Observatório do Clima, disse que dependendo da dimensão dessa suspensão pode ser dramático para as organizações locais de apoio às Unidades de Conservação e lembrou que atinge também as organizações que fornecem dados para dar suporte ao governo.

Carlos Alberto Sardenberg: China e Brasil contra o marxismo

- O Globo

No Brasil, temos uma democracia. Mas há minorias por aqui, à direita e à esquerda, que gostariam de uma ditadura, a sua ditadura

O que existe de comum entre o governo de Xi Jinping e o de Bolsonaro?

O temor e o combate ao marxismo.

Não é brincadeira. Ou melhor, é, mas tem conteúdo.

Comecemos pela China. No ano passado, o Partido Comunista comemorou com grande cerimônia os 200 anos de nascimento de Marx. O ensino do marxismo foi exaltado e reforçado nas escolas.

Também foi exaltado o fantástico crescimento econômico da China, isso vinculado à prática do que chamam por lá de socialismo com características chinesas.

O crescimento é incontestável. Alguns números: em 1978, o PIB chinês era de US$ 150 bilhões; hoje, US$ 12,3 trilhões!

Nesse período, nada menos que 740 milhões de chineses ultrapassaram a linha da pobreza.

E não há nada acontecendo por lá que lembre os sinais da derrocada da União Soviética e dos satélites na Europa.

Mas há protestos de sociedades estudantis, grupos que se formam nas universidades. No ano passado, eram mais de 50 grupos, um deles com mais de 5 mil membros, conforme reportagem do “NY Times”.

São esses jovens que se consideram “marxistas radicais”. Eles acham que o atual regime chinês é coisa de “reformistas radicais”.

Tudo verdade.

*Rubens Figueiredo: O fim do mundo que só eu vi?

- Folha de S. Paulo

Foi sob Dilma que Brasil esteve perto da inviabilidade

Cada um sacode como pode. O ex-ministro da Educação do governo Dilma Rousseff Renato Janine Ribeiro escreveu nesta Folha um artigo ("Qual é a coalizão do governo Bolsonaro", 16/1) no qual afirma que fazia tempo que o Brasil não se encontrava tão perto da entropia, da possibilidade de se inviabilizar, de entrar em colapso "para sempre".

Escreveu também que a direita só ganha com outsiders, colocando no mesmo balaio Jânio Quadros, Collor, Bolsonaro e, pasme, FHC.

O filósofo está muito impaciente. Afinal, Bolsonaro tem 15 dias de governo. Mas o momento no qual o Brasil esteve muito, mas muito mais perto mesmo, de se inviabilizar, de entrar em colapso para sempre, foi exatamente no governo Dilma, ao qual Janine Ribeiro serviu. A sucessão de disparates é inigualável. Para se ter ideia, entre 2007 e 2014, os gastos do governo federal cresceram cerca de 50% acima da inflação!

Naquele período, diminuíram a taxa de investimento e a produtividade. O intervencionismo desenvolvimentista interveio, mas não desenvolveu. Estima-se que, entre 2012 e 2015, as desonerações causaram uma perda de R$ 320 bilhões em receitas. Um técnico do governo declarou que "teria sido melhor ter pegado todo esse dinheiro, colocado em um helicóptero e jogado sobre a favela da Rocinha".

No setor elétrico, a "entropia" chegou ao máximo. Em setembro de 2012, Dilma requisita rede nacional de rádio e TV para anunciar, com a grandiloquência de praxe, a redução das tarifas de energia elétrica: 16,2% para residências e 28% para o setor produtivo.

Vinicius Torres Freire: Bolsonaro, viúvas, viúvos e órfãos

- Folha de S. Paulo

Governo pensa em reduzir futuras pensões, item que logo caiu da reforma de Temer

Previdência é um caso de vida e morte. É preciso lembrar que os benefícios previdenciários incluem também as pensões, pagas a viúvas, viúvos e dependentes.

Os economistas de Jair Bolsonaro se lembraram disso, claro, e, assim como nos governos de Dilma Rousseff e de Michel Temer, também querem mexer no valor das futuras pensões.

Cerca de 24% da despesa com benefícios previdenciários vai para as pensões (a conta aqui é a dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, RGPS, o que não inclui os benefícios assistenciais, para idosos e incapazes muito pobres). São cerca de R$ 120 bilhões por ano, pagos a 7,7 milhões de pessoas.

A reforma não deve mexer com os benefícios já concedidos, mas com os novos pensionistas, cerca de 360 mil a mais por ano, uma despesa adicional de uns R$ 550 milhões, a julgar pelos valores de fins de 2018.

Ainda assim, é um assunto obviamente sensível. Fica ainda mais tenso porque deve levantar também a discussão sobre as pensões militares, quase R$ 21 bilhões por ano, o equivalente a um terço da despesa com pessoal militar (a soma de rendimentos dos ativos, dos aposentados e dos pensionistas).

Pelo que tem vazado do governo, a ideia é replicar a tentativa de mudança proposta por Michel Temer, em 2016. Isto é, a pensão básica seria equivalente a 60% do benefício de quem morreu. Para cada dependente extra, 10% a mais do valor do benefício, até o limite de 100%.

Ribamar Oliveira: Outras medidas impopulares de ajuste

- Valor Econômico

Nova fórmula para o salário mínimo pode não ter reajuste real

Embora a atenção da sociedade esteja voltada para a proposta de reforma da Previdência Social que o governo Jair Bolsonaro irá encaminhar ao Congresso, a equipe econômica prepara outras medidas que também terão grande dificuldade de aprovação. Elas são necessárias para o governo cumprir o teto de gastos da União nos próximos anos. Bolsonaro terá, por exemplo, de propor uma nova fórmula de correção do salário mínimo, que valerá a partir de janeiro de 2020.

Durante a transição, a equipe econômica do ex-presidente Michel Temer sugeriu ao novo governo, em documento, que não fosse concedido aumento real para o salário mínimo durante, pelo menos, os próximos três anos. O mínimo seria reajustado apenas pela inflação do ano anterior, medida pelo INPC. Com isso, o valor real do piso salarial seria mantido constante nos próximos anos. Até 2019, o mínimo foi corrigido pelo INPC e acrescido de um aumento igual ao crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes.

Com a medida, a equipe de Temer estimou ser possível economizar R$ 7,6 bilhões em 2020, R$ 22,3 bilhões em 2021 e R$ 39,1 bilhões em 2022. A economia nos três anos seria, portanto, de R$ 69 bilhões. O salário mínimo é o piso dos benefícios previdenciários e assistenciais.

Se ele não tiver aumento real, as despesas previdenciárias e assistenciais também serão menores. De acordo com o anexo de riscos fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), válida para 2019, cada R$ 1 de aumento no salário mínimo gera um incremento de R$ 303,9 milhões ao ano nas despesas do governo.

Há um dado curioso na projeção feita pela equipe de Temer e que consta do documento intitulado "Panorama Fiscal Brasileiro": o ganho fiscal de 2020 a 2022 com a ausência de aumento real para o mínimo seria maior do que a economia a ser obtida com a reforma da Previdência Social no mesmo período (ver tabela abaixo).

Ricardo Noblat: O silêncio do capitão

- Blog do Noblat | Veja

Macri falou o que Bolsonaro não pôde

De duas, uma: ou o capitão Jair Bolsonaro está sob freios dos seus auxiliares para que não se manifeste sobre certos temas com a intempestividade que fazia quando era apenas candidato e duvidava da própria vitória, ou sua moderação desde que ocupa o cargo decorre do choque de realidade a que é submetido todo aquele que chega um dia à presidência da República por obra do destino.

O que disse ontem, em Brasília, o presidente argentino Maurício Macri a respeito da ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela poderia ter sido dito com igual propriedade e satisfação por Bolsonaro, seu anfitrião. Afinal, é o que o capitão pensa e disse muitas vezes durante a recente campanha eleitoral. Mas Bolsonaro, de público, limitou-se apenas a ouvir Macri. Teve boas razões para isso.

A fronteira do Brasil com a Venezuela se estende por mais de dois mil quilômetros e é pouco patrulhada. Até abril do ano passado, segundo relatório da Organização Internacional para Migrações (OIM), agência das Nações Unidas, cerca de 50 mil venezuelanos já haviam se refugiado no Brasil para escapar da crise econômica que assola o seu país e que se agravou a partir de 2015.

Assim mesmo, o número de refugiados que aportaram por aqui é bem menor que o recebido por países que sequer fazem fronteira com a Venezuela. Até julho do ano passado, o Peru recebeu 354 mil venezuelanos, o Chile, 105 mil e a Argentina 95 mil. Estima-se que 3 milhões de venezuelanos já migraram. Tudo o que o governo brasileiro não quer é que aumente o fluxo dos evadidos para cá.

Maduro sabe disso, e essa é uma arma que ele sempre terá à mão para retaliar as pressões do Brasil contra seu regime. Se não bastasse, ele dispõe de outra: é venezuelana a energia que ilumina Roraima. O Brasil paga caro por ela, mas não tem como dispensá-la tão cedo. A produção de energia local é insuficiente. Só no ano passado houve 65 blecautes em Roraima contra 34 em 2017.

Embora diga que não reconhece o novo mandato presidencial de Maduro e pregue sua substituição imediata no cargo, o Brasil não rompeu relações diplomáticas com a Venezuela como fizeram a Argentina e o Paraguai. Nem mesmo fechou sua embaixada em Caracas, embora o embaixador tenha deixado o país por exigência de Maduro que o acusou de conspirar para derrubá-lo.

O discurso de Macri contra Maduro lavou a alma do capitão que seria capaz de assiná-lo com todo prazer, mas que por razões de Estado preferiu o silêncio.

*Eugênio Bucci: A comunicação do governo Bolsonaro

– O Estado de S. Paulo

A EBC vai se erigir em casamata na guerra moralista que se avizinha

Qual vai ser o método de comunicação do governo federal? Em meio a atropelos e contraditos, o espalhafato da campanha eleitoral vai rareando e alguns indicadores surgem no horizonte.

As “tuitadas desaforentas” sairão de fininho. O uso destemperado e randômico que o presidente brasileiro faz do Twitter - uma chanchada paródica do que em Donald Trump são latidos ameaçadores - não dará conta da tarefa de fazer governo e governados se entenderem. As manifestações de Bolsonaro no Twitter perdem credibilidade. O presidente tuíta uma sandice e os subordinados o desmentem no dia seguinte. Rotina. Um certo ar de “fez que foi e acabou não fondo” contamina a voz presidencial quando ela dá de falar por si. Não vale o escrito. O governo vai ter de encontrar outros suportes e outras instâncias se quiser conversar com a Nação.

Por onde seguirá? Os indícios estão aí. O principal deles, confirmado há poucos dias, é a decisão palaciana de não mais acabar com a EBC, a estatal responsável pela comunicação do Poder Executivo federal. Durante a campanha, em mais de uma ocasião o candidato Bolsonaro afirmou que fecharia a empresa, que não dá mais do que “traço de audiência”. Dias depois de eleito insistiu na bravata. Agora a cúpula do Planalto deixa claro, em mais uma volta atrás, que a EBC não será extinta coisa nenhuma. O general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ministro-chefe da Secretaria de Governo, declarou oficial e publicamente que a EBC prosseguirá, embora com reformulações.

A EBC é um aparelhão. Faz a produção diária do horário do Poder Executivo no programa radiofônico A Voz do Brasil, controla canais de TV, como a TV Brasil e a NBR (dedicada à transmitir atos oficiais do governo federal), além de várias emissoras de rádio, e mantém a Agência Brasil na internet. É uma potência considerável, com aproximadamente 2 mil funcionários - e com orçamento e infraestrutura comparáveis aos de grandes empresas de comunicação comercial no Brasil. Não era crível que as fileiras do bolsonarismo, tão obcecadas por apetrechos e tecnologias de televisão, internet e rádio, fossem simplesmente jogar pela janela um equipamento desse porte. Deu a lógica.

*Dina Lida Kinoshita: Carta aberta à ministra Damares Alves

A ciência tem início na Antiguidade quando o homem se torna sedentário. Sem ela, os antigos egípcios não teriam condições de construir as pirâmides nem mumificar os mortos. A China não teria construído a Grande Muralha nem descoberto mais tarde a pólvora e a bússola. Sumérios e babilônios já observavam os corpos celestes há milênios.

O grego Arquimedes descobriu o Princípio da Alavanca, Pitágoras e outros gregos deram fundamento à Geometria e à Lógica. Ainda tiveram grandes avanços na Medicina e na Geografia. Além disso os filósofos atomistas podem ser considerados precursores da Química na medida em que preconizavam que as substâncias eram constituídas de átomos de diferentes tipos, de acordo com as propriedades de cada uma delas.

Os romanos aprenderam com os gregos e sua grande contribuição foi o registro histórico e preservação das descobertas, dando início à História da Ciência. Durante um longo período de trevas na Europa, os mouros deram outra contribuição importante ao fundamentar a Álgebra e, talvez de maior fôlego, a recuperação dos conhecimentos gregos. Tudo isso dá ensejo ao Renascimento, a despeito da Igreja Católica e da Inquisição.

O grande debate na época, dizia respeito ao conflito entre as ideias geocêntricas de Ptolomeu e as novas ideias sobre o movimento dos corpos celestes ou o sistema heliocêntrico. Giordano Bruno foi queimado na fogueira da Santa Igreja, Nicolau Copérnico determinou que sua obra astronômica sobre o heliocentrismo só fosse divulgada após a sua morte e Galileu Galilei, apesar de abjurar suas descobertas, ao sair das masmorras da Inquisição, declarou: “Eppur se muove”. Galileu é considerado o fundador do método científico.

Ilha à deriva: Editorial | Folha de S. Paulo

Rejeição do Parlamento ao plano de May evidencia dificuldade da premiê de conduzir 'brexit'

Afora a escala da derrota (432 votos contrários e 202 a favor), que se tornou a maior de um governo na história britânica, a rejeição do Parlamento ao acordo para pôr em prática o “brexit” —a retirada do Reino Unido da União Europeia— era uma consequência bastante previsível de um processo mal conduzido desde o seu princípio.

Em que pese a diligência para fazer valer a vontade popular pelo desligamento do bloco, expressa em plebiscito em 2016, não há como dissimular o fracasso da primeira-ministra, Theresa May.

Sua missão precípua, iniciada há dois anos e meio, consistia em chegar a um consenso sobre como o país deixaria a UE. O prazo original encerra-se em 29 de março, e a contundente negativa dos parlamentares à proposta por ela apresentada traz ainda mais incerteza, dado o pouco tempo restante.

May, ao menos, ganhou alguma sobrevida ao superar, por margem estreita, uma moção de desconfiança posta em votação pela Câmara dos Comuns nesta quarta (16).

A permanência no cargo, entretanto, deve-se menos a suas eventuais qualidades e mais à resistência dos correligionários do Partido Conservador à hipótese de cederem o poder aos rivais trabalhistas, que flertam com a ideia de convocar uma nova consulta pública —o que decerto agravaria o cenário de polarização política do país.

Surgem a favor da primeira-ministra, também, sinais de que os principais países-membros da UE, como Alemanha e França, estariam propensos a estender a data-limite da separação, talvez até para 2020. Ainda que venha a dispor de tal concessão, a líder britânica precisará se afastar da hesitação que até aqui permeou seu governo.

Choque de realidade: Editorial | O Estado de S. Paulo

Guardadas as particularidades de suas trajetórias e sobretudo de suas personalidades, a ascensão ao topo da carreira política da primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, e do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem um ponto comum: a marca da indignação coletiva.

A latente insatisfação de camadas sociais alijadas da repartição dos ganhos obtidos pelas nações com o processo de globalização e com a modernização dos métodos de produção, a ojeriza ao sistema político, visto por muitos como uma máquina de produzir corrupção e atraso, e um forte pendor nacionalista exerceram papel fundamental nas escolhas dos eleitores há pouco mais de dois anos.

Theresa May chegou ao número 10 da Downing Street em 13 de julho de 2016, após a renúncia do primeiro-ministro britânico David Cameron, em cujo gabinete ela serviu como ministra do Interior. Cameron encerrou sua carreira política por não ter sido hábil o bastante para antever a confusão que criaria para seu país - e para a Europa - ao convocar um plebiscito sobre a saída do Reino Unido da União Europeia (UE), o Brexit, realizado em 23 de junho daquele ano.

À época, os Conservadores, partido de Cameron e May, perdiam parlamentares para o Partido da Independência do Reino Unido (Ukip, na sigla em inglês), de viés eurocético e ultranacionalista. Acreditando que poderia conter a debandada ao convocar um plebiscito para o qual já imaginava saber o resultado - qual seja, os britânicos jamais escolheriam deixar a UE e isso diminuiria o apelo do Ukip -, David Cameron, e com ele boa parte do mundo, foi tragado pela surpresa. Em seu lugar, Theresa May assumiu com a missão de negociar o Brexit com Bruxelas e, ao mesmo tempo, definir o novo papel do Reino Unido na Europa e no mundo, desafios gigantescos.

O real custo do Brexit começa a aparecer para os britânicos: Editorial | O Globo

Theresa May sobrevive à moção de desconfiança e precisaria trabalhar por um novo referendo

A prevista derrota no Parlamento da proposta de acordo tecida por Theresa May junto à UE é mais um passo para esclarecer a todos os britânicos que o projeto de separação do Reino Unido da União Europeia não passa de uma intenção de cunho ultranacionalista, xenófobo, cujo custo de execução é muito alto. O projeto não se sustenta no momento histórico, de globalização e integração. Tem o mesmo conteúdo ideológico do trumpismo, causa de sérias fricções nos Estados Unidos e no mundo. E o Brasil de Bolsonaro começa a ver de perto o que isso significa.

A premier sobreviveu ontem a um voto de desconfiança proposto pelo Partido Trabalhista, de oposição, porém May e os políticos britânicos precisam tomar graves decisões.

Ainda não há maioria para tal, mas a convocação de novo referendo é a alternativa indicada para tirar a Grã-Bretanha do beco sem saída. Ou melhor, cuja única saída parece ser o desligamento do bloco, em 29 de março, sem qualquer acordo, o que irá transformar a fronteira com a UE em caos: bloqueio de pessoas e mercadorias, além de problemas nas operações financeiras com o continente, de consequências inimagináveis. O próprio BC britânico prevê uma recessão igual à ocorrida no estouro da crise financeira-imobiliária americana, a partir de 2008/9.

Facilitação da posse de armas acirra temor sobre violência: Editorial | Valor Econômico

Dúvidas preocupantes sobre o impacto da decisão do presidente Jair Bolsonaro de assinar, terça-feira, o decreto que flexibiliza as exigências para a posse de armas de fogo no país marcaram a repercussão da medida. Em um país marcado pela violência, como se vê pelos incidentes dos últimos dias no Estado do Ceará, especialistas temem que aumente o número de homicídios.

Bolsonaro justificou as mudanças nas exigências para a venda de armas alegando que atendia o desejo da maioria da população. "Como o povo soberanamente decidiu por ocasião do referendo de 2005, para lhes garantir esse legítimo direito à defesa, eu, como presidente, vou usar essa arma", disse o presidente, referindo-se à caneta que usou para assinar o decreto. Pesquisas recentes, como a do Datafolha, apuraram, no entanto, que 61% dos brasileiros são contra a posse de armas.

O texto assinado pelo presidente na terça-feira altera o decreto 5.123 de 2004, que regulamenta a legislação sobre o registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição. Uma das principais mudanças promovidas pelo decreto versa sobre a comprovação de efetiva necessidade para a aquisição de armamentos.

Com o novo texto, as autoridades passam a presumir que as informações prestadas pelo cidadão para declarar essa necessidade são verdadeiras. Antes, a Polícia Federal fazia uma checagem das informações, algo que Bolsonaro criticou como sendo "subjetivo".

Frevo do Galo - Coral Edgar Moraes

Fernando Pessoa: Contudo

Contudo, contudo,
Também houve gládios e flâmulas de cores
Na Primavera do que sonhei de mim.
Também a esperança
Orvalhou os campos da minha visão involuntária,
Também tive quem também me sorrisse.
Hoje estou como se esse tivesse sido outro.
Quem fui não me lembra senão como uma história apensa.
Quem serei não me interessa, como o futuro do mundo.

Caí pela escada abaixo subitamente,
E até o som de cair era a gargalhada da queda.
Cada degrau era a testemunha importuna e dura
Do ridículo que fiz de mim.

Pobre do que perdeu o lugar oferecido por não ter casaco limpo com que aparecesse,
Mas pobre também do que, sendo rico e nobre,
Perdeu o lugar do amor por não ter casaco bom dentro do desejo.
Sou imparcial como a neve.
Nunca preferi o pobre ao rico,
Como, em mim, nunca preferi nada a nada.

Vi sempre o mundo independentemente de mim.
Por trás disso estavam as minhas sensações vivíssimas,
Mas isso era outro mundo.
Contudo a minha mágoa nunca me fez ver negro o que era cor de laranja.
Acima de tudo o mundo externo!
Eu que me agüente comigo e com os comigos de mim.