Dúvidas preocupantes sobre o impacto da decisão do presidente Jair Bolsonaro de assinar, terça-feira, o decreto que flexibiliza as exigências para a posse de armas de fogo no país marcaram a repercussão da medida. Em um país marcado pela violência, como se vê pelos incidentes dos últimos dias no Estado do Ceará, especialistas temem que aumente o número de homicídios.
Bolsonaro justificou as mudanças nas exigências para a venda de armas alegando que atendia o desejo da maioria da população. "Como o povo soberanamente decidiu por ocasião do referendo de 2005, para lhes garantir esse legítimo direito à defesa, eu, como presidente, vou usar essa arma", disse o presidente, referindo-se à caneta que usou para assinar o decreto. Pesquisas recentes, como a do Datafolha, apuraram, no entanto, que 61% dos brasileiros são contra a posse de armas.
O texto assinado pelo presidente na terça-feira altera o decreto 5.123 de 2004, que regulamenta a legislação sobre o registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição. Uma das principais mudanças promovidas pelo decreto versa sobre a comprovação de efetiva necessidade para a aquisição de armamentos.
Com o novo texto, as autoridades passam a presumir que as informações prestadas pelo cidadão para declarar essa necessidade são verdadeiras. Antes, a Polícia Federal fazia uma checagem das informações, algo que Bolsonaro criticou como sendo "subjetivo".
Ele disse que, como a PF terá dificuldades de absorver a demanda, a instituição poderá abrir convênios com as polícias Militar e Civil para conceder as licenças de posse. Essa autorização poderá ser objeto de uma medida provisória, assim como as regras sobre o recadastramento de armas irregulares. A decisão do presidente de permitir que as polícias Militar e Civil ganhem esse poder é outro fator de preocupação, já que dá espaço para que agentes corruptos obtenham informações dos proprietários de armas.
Hoje, o cadastramento cabe somente à Polícia Federal. No futuro, uma pessoa comprará, por exemplo, uma pistola e a registrará na Polícia Militar do Rio de Janeiro, para citar um Estado onde existem muitos indícios de envolvimento de policiais em milícias. Como seria possível garantir que um agente corrupto, conhecendo o nome e o endereço do dono da arma, não 'venderá' essa informação a um miliciano?
Ao divulgar o decreto sobre armas, Bolsonaro afirmou que os ministros da Justiça, Sergio Moro, e da Defesa, Fernando de Azevedo e Silva, supervisionaram a redação final. O decreto, porém, não seguiu boa parte das sugestões de Moro, como foi amplamente noticiado pela imprensa. Ao menos sete itens sugeridos pelo ministro da Justiça foram ignorados no texto final. Um deles refere-se à quantidade de armas que uma pessoa pode comprar. Pelo texto de Moro, seria "até o limite máximo de duas armas por interessado". Esse trecho acabou sendo retirada do texto.
Bolsonaro ressalvou que deputados da "bancada da bala" - que ele chamou de "bancada da legítima defesa" - vão articular outras mudanças na lei que dependam de aprovação do Congresso.
Pelo decreto, o cidadão poderá comprar até quatro armas e, se tiver várias propriedades rurais, esse número pode ser ampliado. Em residências onde haja crianças, adolescentes ou deficientes mentais, o cidadão vai ter que comprovar que tem cofre ou lugar seguro para armazenar a arma e a munição. "Sabemos do risco que existe em se ter uma arma de fogo em casa, que não seja guardada em local seguro", disse Bolsonaro.
Já o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, disse que o governo estuda eventual dedução de imposto para a aquisição de armas e munição e estímulos fiscais para atrair fabricantes. Ele afirmou que, para tornar o mercado competitivo, há estudos no governo para a concessão de incentivos a fim de receber no Brasil novas fábricas.
Esses investimentos são certamente pouco relevantes para a economia como um todo. Mas fabricantes de armas já manifestaram interesse em investir no mercado brasileiro por causa da intenção de Bolsonaro de flexibilizar as regras de posse. Em 26 de outubro, o Valor publicou reportagem do correspondente em Belo Horizonte, Marcos de Moura e Souza, em que representantes no país de duas multinacionais de armamentos e de uma novata de capital nacional, a DFA, afirmam que viram oportunidades para novas fábricas, entre elas a Caracal, estatal dos Emirados Árabes Unidos.
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