Guardadas as particularidades de suas trajetórias e sobretudo de suas personalidades, a ascensão ao topo da carreira política da primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, e do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem um ponto comum: a marca da indignação coletiva.
A latente insatisfação de camadas sociais alijadas da repartição dos ganhos obtidos pelas nações com o processo de globalização e com a modernização dos métodos de produção, a ojeriza ao sistema político, visto por muitos como uma máquina de produzir corrupção e atraso, e um forte pendor nacionalista exerceram papel fundamental nas escolhas dos eleitores há pouco mais de dois anos.
Theresa May chegou ao número 10 da Downing Street em 13 de julho de 2016, após a renúncia do primeiro-ministro britânico David Cameron, em cujo gabinete ela serviu como ministra do Interior. Cameron encerrou sua carreira política por não ter sido hábil o bastante para antever a confusão que criaria para seu país - e para a Europa - ao convocar um plebiscito sobre a saída do Reino Unido da União Europeia (UE), o Brexit, realizado em 23 de junho daquele ano.
À época, os Conservadores, partido de Cameron e May, perdiam parlamentares para o Partido da Independência do Reino Unido (Ukip, na sigla em inglês), de viés eurocético e ultranacionalista. Acreditando que poderia conter a debandada ao convocar um plebiscito para o qual já imaginava saber o resultado - qual seja, os britânicos jamais escolheriam deixar a UE e isso diminuiria o apelo do Ukip -, David Cameron, e com ele boa parte do mundo, foi tragado pela surpresa. Em seu lugar, Theresa May assumiu com a missão de negociar o Brexit com Bruxelas e, ao mesmo tempo, definir o novo papel do Reino Unido na Europa e no mundo, desafios gigantescos.
A mesma promessa de uma nação mais forte e soberana e de mais empregos para os nacionais, que turbinou a campanha pró-Brexit no Reino Unido, também ajudou a eleger Donald Trump nos Estados Unidos, em novembro de 2016. O presidente americano, tido como o mais obstinado crítico da chamada ordem global, surpreendeu e venceu a eleição prometendo devolver seu país às antigas glórias, o que seria óbvio e esperado, mas à custa de um sistema de concertação entre as nações que, embora reclame mudanças, vem funcionando há mais de 70 anos.
Dois anos após as guinadas que empreenderam, tanto Theresa May como Donald Trump passam pelos momentos mais críticos de seus mandatos.
O acordo negociado por May com a UE há dois anos foi fragorosamente rejeitado pela Câmara dos Comuns na terça-feira passada. Por 432 votos contrários e 202 favoráveis, os deputados impingiram à primeira-ministra a maior derrota de um chefe de governo no Parlamento em um século. Não se sabe exatamente o que irá acontecer. No futuro incerto do país cabem a saída da UE sem acordo, no final de março, a negociação de novo prazo final com Bruxelas ou até a convocação de um novo plebiscito. May é criticada por excluir das negociações os parlamentares que se opõem ao Brexit.
O caso americano, embora tenha impacto mais localizado, não é menos preocupante. Donald Trump trava uma guerra com a Câmara dos Deputados pela liberação de cerca de US$ 6 bilhões para a construção de um muro na fronteira do país com o México. Diante do impasse, o orçamento da União está bloqueado. Nancy Pelosi, presidente da Câmara, que acusa Trump de fazer “chantagem” com o país, chegou a solicitar o adiamento do discurso do Estado da União, previsto para o fim do mês, ou o seu envio por escrito. Ela alega razões de segurança em função do shutdown, paralisação de setores da administração federal em função do bloqueio do orçamento.
Os casos do Reino Unido e dos Estados Unidos deixam como principal lição que os votos dados com o fígado podem aplacar momentaneamente as indignações coletivas, mas a médio e longo prazos podem produzir resultados bastante distintos dos almejados.
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