O Relatório de Estabilidade Financeira (REF) divulgado pelo Banco Central (BC) na semana passada lançou luz sobre o enigma da política de crédito dos bancos neste ano, que emitiram claros sinais de cautela ao divulgar os resultados do primeiro semestre. Os balanços mostraram que os bancos não param de empilhar provisões, de reajustar as taxas, de aumentar os spreads e de fechar as torneiras do crédito, apesar da estabilidade da inadimplência.
De acordo com o relatório, a carteira de crédito dos bancos fechou o primeiro semestre com aumento de 1% em 12 meses, o que equivalente a queda de 7,2% em termos reais. No primeiro semestre, período abrangido pelo REF, a queda nominal do saldo da carteira foi de 2,8%. Se o dado de julho já disponível for incorporado, a situação só piora e a queda da carteira acumulada no ano se aprofunda para 3,2%. Além de mais escasso, o custo do crédito fica cada vez mais caro. O spread cobrado pelos bancos nos empréstimos com recursos livres aumentou 10 pontos percentuais para as pessoas físicas no primeiro semestre, passando de 48% para 58,5%; e mais de três pontos para as empresas, de 15% para 18,3%.
Já os dados de inadimplência mostram estabilidade e, mais recentemente, até queda. Pela medida tradicional dos atrasos acima de 90 dias, a inadimplência começou o ano em 3,5%, chegou a 3,7% em maio e recuou para 3,5% em junho, acomodando-se em 3,6% em julho. No caso das pessoas físicas, saiu dos 4,3% em que estacionou nos cinco primeiros meses do ano para 4,1% em julho. Entre as empresas, subiu de 2,7% em janeiro para 3,2% em maio, e recuou para 3% em junho e julho.
No entanto, o relatório aponta que o arrefecimento da inadimplência na virada do semestre é apenas aparente. Diminuiu em consequência da baixa de créditos para prejuízo e, principalmente, por causa das renegociações, o que justificou o reforço das provisões. Segundo o BC, houve significativo aumento das renegociações, que define como operação normal de mercado em relação a prazos, taxas e demais condições, e das reestruturações, em que o banco facilita as condições de pagamento para reduzir ao máximo as perdas. O estoque de operações renegociadas com pessoas físicas, concentradas no consignado e financiamento imobiliário, atingiu R$ 11,3 bilhões em junho, dos quais R$ 2,8 bilhões reestruturados; e R$ 7,1 bilhões com empresas, sendo R$ 1,9 bilhão reestruturado, com novas garantias e adequação ao fluxo de caixa do tomador.
Se o volume de operações renegociadas e reestruturadas fosse levado em conta, a inadimplência aumentaria ao redor de 1 ponto percentual. No caso da inadimplência total, passaria para 4,4% a 4,5%; nas operações com pessoas físicas, atingiria 5,1%; com pequenas e médias empresas, saltaria de 6,4% para 7,8%; e de grandes empresas, de 0,8% para 1,1% a 1,2%. O BC estima que cerca de 30% dos créditos renegociados voltam a ficar inadimplentes.
Outros dois sinais de alerta que justificam a cautela dos bancos são o aumento dos créditos com 15 a 90 dias de atraso, considerado um indicador antecedente da inadimplência, e o aumento das operações classificadas entre E e H, as piores na escala que vai de AA a H. Os créditos com 15 a 90 dias de atraso já representam 4,48% da carteira, com aumento de 1 ponto em um ano e mais de meio ponto em comparação com os 3,9% de dezembro, concentrados no capital de giro no caso de empresas e em cheque especial, crédito pessoal e rotativo entre as pessoas físicas. Já o percentual da carteira classificada entre E e H soma cerca de 6%, bem acima dos 4,5% do fim de 2015.
Além disso, a queda do rendimento real dos trabalhadores e o desemprego aumentou o comprometimento de renda das famílias com suas dívidas, que subiu de 21,6% para 22,7% no ano passado, com destaque para o financiamento imobiliário.
O quadro explica também o reforço das provisões feito pelos bancos. O índice de cobertura é de 1,8 vez o valor inadimplente com mais de 90 dias de atraso. Se forem incluídas as operações renegociadas, porém, o índice cai para 1,44 vez, patamar ainda assim considerado adequado pelo BC, que avalia que os bancos estão capitalizados e preparados para o desafio, embora tenham perdido lucratividade. Mas não há indicações de que a inadimplência chegou a um ponto de refluxo e, se a economia não reagir, pode-se esperar o aumento do calote das famílias e das empresas.
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