• Em discurso em NY, presidente infla número de refugiados no Brasil ao contar haitianos e gera polêmica
Henrique Gomes Batista - O Globo
-NOVA YORK- O presidente Michel Temer usará o discurso que fará hoje na abertura da 71ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York, para tentar afastar de vez as críticas sobre a legalidade do processo de impeachment. De acordo com pessoas que tiveram acesso ao último rascunho da fala do peemedebista, ele dirá que a destituição de Dilma Rousseff é uma prova de vigor democrático. Ele dirá que isso foi a prova de que a lei se aplica a todos, e que isso é uma lição do Brasil ao mundo.
Havia dúvidas, porém, sobre qual o tom deveria ser adotado no discurso de hoje, mas, até a noite de ontem, o entendimento era que Temer deveria se mostrar firme, como um estadista, debatendo tanto as questões internas do Brasil como os assuntos globais. Alguns de seus auxiliares ainda defendiam que o presidente não deveria tratar das questões políticas brasileiras, mas o peemedebista quer usar o palco mundial para divulgar os argumentos da legitimidade de seu mandato. Uma fonte ouvida pelo GLOBO disse que o texto ainda poderia passar por algumas revisões.
Temer dirá que o Brasil passou por um processo “longo e complexo”, mas que sempre foi respeitada a Constituição. O presidente deve ressaltar que o episódio mostrou a força e a independência do Judiciário brasileiro e que o país vive um processo de renovação política. Temer ainda tendia a dizer que o grande objetivo agora é econômico: crescer para gerar empregos, dentro da responsabilidade fiscal.
No campo internacional, Temer vai criticar fortemente o protecionismo econômico e alertará para os riscos nucleares, do ultranacionalismo e abordará a crise dos refugiados. E não deve poupar nem mesmo o palanque que estará usando: defenderá uma modernização da ONU, lembrando que os conflitos mundiais atuais são muito mais complexos, mas que as instituições multilaterais do mundo não se renovam na mesma velocidade.
Temer inflou número de refugiados
Apesar do simbolismo, a fala de hoje não será a primeira de Temer na ONU. Ontem, o presidente gerou polêmica em seu discurso sobre refugiados. Em um encontro de alto nível sobre refugiados e migrantes, realizado ontem pela ONU, o presidente afirmou que o Brasil já recebeu 95 mil refugiados de 79 países, incluindo 85 mil haitianos. Mas, segundo dados oficiais, o Brasil recebeu apenas 8.800 refugiados — os haitianos, que fugiram do terremoto que devastou o país, têm visto humanitário.
O presidente disse que o Congresso está em vias de aprovar uma nova lei para refugiados que facilitará a imigração, e que objetivo do país é "garantir direitos, e não criminalizar" as migrações.
— Estamos modernizando nossas práticas migratórias. No centro de nossas políticas, está o reconhecimento inescapável da dignidade de todos os migrantes.
Historicamente, o governo e organismos internacionais não classificam os haitianos como refugiados. De acordo com o Acnur, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, os refugiados são pessoas que se deslocam por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas. A mesma definição consta no site do Ministério da Justiça. E, segundo resolução do Conselho Nacional de Imigração, “os haitianos receberam visto de permanência como estrangeiro, ou seja, não são refugiados. A última versão da resolução limitou a 1.200 vistos por ano para haitianos.”
A polêmica dos números levou alguns interlocutores do governo brasileiro a acreditar que Temer inflou os dados para passar a imagem de que o Brasil está fazendo muito e que, assim, não precisa aceitar a proposta americana, de que o país abrigasse mais 3 mil sírios. Após a polêmica, Temer desistiu de participar da reunião sobre o tema que acontecerá hoje na ONU, a pedido do governo americano.
Para ministro, números corretos
O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, negou nesta segunda-feira que o presidente Michel Temer tenha tentado inflar os números de refugiados que o Brasil já recebeu.
— Obviamente que não (houve uma tentativa de inflar os números). Isso é algo correto, os haitianos estão recebendo o tratamento jurídico e social exatamente idêntico dos outros refugiados, não é porque são da América Latina que eles não podem ter o mesmo tratamento. Além desta questão, o presidente colocou muito bem, quem acompanhou, ele citou exatamente o número de haitianos — disse o ministro em entrevista coletiva após o discurso do presidente Temer. — Somente (gera confusão) talvez para vocês; para quem entende do assunto, não.
O ministro disse que o Brasil, que já recebeu até o momento 2.300 sírios, poderá receber mais 2.700 até o final de 2017 — totalizando cinco mil refugiados daquele país. Ele disse que o Brasil não vai, a princípio, se comprometer com uma nova meta.
— Não há nenhum problema em aumentarmos o número de refugiados. O que é preciso é a necessidade, dentro desse compartilhamento, é que as instituições auxiliem, como o Banco Mundial. Porque não basta só receber os refugiados, o importante é a conclusão — afirmou o ministro Moraes. (Colaborou Gabriela Valente)
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