No momento em que a profunda crise política em que o País está mergulhado evidencia a urgência de uma ampla reforma do sistema político-partidário, deputados e senadores, de acordo com o que apurou oEstado, começam a articular uma antirreforma: a volta do financiamento empresarial das campanhas eleitorais. Conscientes da péssima repercussão que essa iniciativa terá entre os brasileiros, seus articuladores se dispõem a amenizá-la com uma concessão inócua: as doações das empresas só poderão ser feitas aos partidos, não a candidatos.
Essa reação era esperada por vários motivos, entre os quais as enormes dificuldades que os partidos e seus candidatos estão encontrando para obter doações de pessoas físicas na atual campanha municipal. Os quase R$ 740 milhões que o Fundo Partidário está distribuindo aos partidos este ano parecem insuficientes para uma campanha que envolve 16.562 candidatos a 5.568 prefeituras e 463.338 concorrentes a 57.956 cadeiras de vereador. É de imaginar, portanto, o quanto os políticos estejam apavorados com a perspectiva que se anuncia para 2018, quando serão eleitos o presidente da República, governadores, dois terços dos senadores, deputados federais e estaduais.
Tanto para o atual pleito quanto para os futuros, a condição básica do acesso dos candidatos aos eleitores está garantida pelo horário eleitoral “gratuito”, mas para os candidatos, pois esse horário é pago pelo Estado com dinheiro público. Isso está longe de ser suficiente para políticos habituados a campanhas milionárias financiadas pelas doações empresariais agora proibidas.
O banimento das doações empresariais, contudo, atende ao princípio democrático de que na eleição de seus representantes um cidadão tem o direito à igualdade de condições com todos os outros: “Um cidadão, um voto”. Pessoas jurídicas não votam. Não podem, portanto, influenciar direta e pesadamente uma eleição por meio de doações eleitorais. Doações que são, na verdade, um investimento cujo retorno será oportunamente cobrado dos eleitos, um procedimento que corrompe o aparelho estatal mediante o toma lá dá cá que tem alimentado mensalões e petrolões.
Nada, porém, convence os políticos a largar o osso. Todos sabem que a conjuntura política não é propícia ao retorno puro e simples das doações empresariais, por isso as articulações em curso incluem concessões como a exigência de que as doações de pessoas jurídicas sejam feitas exclusivamente aos partidos, não mais a candidatos. Ora, o que garante a eliminação da promiscuidade nas relações de governantes eleitos com empresas doadoras a seu partido e aliados? O que impedirá que um candidato receba uma doação feita por intermédio do partido, em vez de diretamente? Essa concessão com a qual se tenta embalar a ideia do retorno à farra das doações empresariais é cínica e inócua.
A declaração do líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), indica que as articulações envolvem o comando das bancadas partidárias: “O Congresso, após a experiência desta eleição, vai ter que decidir sobre isso. Não dá para tirar o financiamento empresarial sem colocar algo no lugar”. É uma lógica que, se serve para alguma coisa, é apenas para justificar um retrocesso. A carência de recursos para as campanhas eleitorais é um problema que os políticos precisam superar por meio da conquista do apoio, inclusive material, dos eleitores a suas ideias e propostas. Se, como revelou levantamento feito peloEstado com base em informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a duas semanas do pleito municipal quase 30% dos candidatos a prefeito não receberam ainda um centavo de doação, a culpa é principalmente da crescente perda de confiança nos políticos. Estes, portanto, que tratem de recuperar a confiança perdida.
Em vez de conspirar para impor aos brasileiros o restabelecimento da influência direta das grandes empreiteiras nas eleições, com suas tenebrosas consequências para a administração pública e para o País, os congressistas responsáveis devem propor medidas saneadoras do sistema político. É preciso, para citar apenas um exemplo, acabar com as legendas de aluguel que fazem parte da lista dos 35 partidos representados no Congresso, mediante a aprovação de cláusulas de barreira.
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