Em
1835, o maior intérprete da democracia americana, o jurista francês Alexis de
Tocqueville, publicou o clássico “A Democracia na América”. A escravidão se
concentrava no sul do país. E a valorização do indivíduo e da livre iniciativa
empreendedora tomava conta do norte e do centro-oeste.
Tocqueville afirmou então: “Eu confesso que na América, eu vi mais do que a América; eu vi a imagem da democracia mesmo, com suas inclinações, seu caráter, seus preceitos, e suas paixões, o suficiente para aprender o que devemos temer ou o que devemos esperar de seu progresso”.
Chamou
sua atenção a adoção do voto universal, a construção das instituições, a
burocracia mais leve, a valorização dos direitos individuais, a
descentralização federativa. Embora a democracia americana excluísse as
populações negras e indígenas e as mulheres só tenham conquistado o direito a
voto em 1920, Tocqueville enxergava na sociedade de “homens quase iguais” o
freio contra radicalismos e violências. Estaria antevendo precocemente a
ascensão e queda de Donald Trump?
Dentro
da vasta literatura sobre a crise da democracia representativa e o crescimento
do nacional-populismo autoritário, vemos em Manuel Castels em seu livro
“Ruptura – a crise da democracia liberal” (2017), o mesmo presságio: “Como foi
possível? Como pode ter sido eleito para a Presidência mais poderosa do mundo
um bilionário tosco e vulgar, especulador imobiliário envolvido em negócios
sujos, ignorante da política internacional, depreciativo da conservação do
planeta, nacionalista radical, abertamente sexista, homofóbico e
racista?". E responde: pela soma da ira dos excluídos do mundo
globalizado, da América profunda do interior, da população branca conservadora
que não se via representada pelos múltiplos movimentos identitários, e de uma
campanha radicalizada, repleta de fakenews e manipuladora das redes sociais.
Também
Steven Levistky e Daniel Ziblatt, em “Como as democracias morrem” (2018), processam
análise perturbadora sobre o colapso das democracias tradicionais associando a
eleição de Trump com rupturas democráticas emblemáticas como nos casos de Orban
na Hungria, de Erdogan na Turquia, de Hugo Chávez na Venezuela, de Fujimori no
Peru, e até mesmo de Mussolini na Itália e Hitler na Alemanha. Democracias
corroídas por dentro, com a crescente quebra das regras constitucionais, o
enfraquecimento das instituições e a mobilização de parcela importante da
população em apoio à ruptura. Os autores chamam atenção para as regras não
escritas da política norte-americana: a contenção no uso do poder e o
reconhecimento da legitimidade dos adversários. Princípios jogados na lata do
lixo por Donald Trump.
Ainda
estamos perplexos e assombrados com os últimos acontecimentos nos EUA. Loucura
ou fascismo? Na próxima semana, voltarei ao assunto.
*Marcus
Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
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