Bolsonaro
insinuou que aqui seria ‘pior’. País precisará estar preparado para resposta
política e institucional
A
sociedade e as instituições republicanas brasileiras precisam se preparar. Numa
referência aos eventos desta semana nos Estados Unidos, o presidente Jair
Bolsonaro insinuou que aqui ocorrerá o mesmo, caso perca a eleição em 2022: “Se
não tivermos o voto impresso em 22, uma maneira de auditar o voto, vamos ter
problema pior que os Estados Unidos”.
Veladamente,
a declaração deixa claro que ele está disposto a, mais uma vez, imitar seu
mentor americano e incitar atos violentos e antidemocráticos. Por sinal, nem é
preciso que perca. Desde muito antes da invasão do Capitólio pelas hostes
trumpistas, Bolsonaro semeia dúvidas sobre as urnas eletrônicas e, sem
apresentar prova, já denunciou fraudes eleitorais no Brasil até em 2018, quando
ele próprio venceu.
O Brasil tem um sistema eleitoral mais confiável, eficaz e seguro que o americano. Todos os testes e auditorias externas comprovam isso. É indigente o argumento de que é preciso ter um rastro físico de cada voto, já que as seções eleitorais imprimem uma lista que fica à disposição dos fiscais partidários. Na prática, o rastro físico já existe. Tanto que a imposição do voto impresso por um projeto de Bolsonaro foi vetada pela presidente Dilma e declarada inconstitucional pelo Supremo.
Bolsonaro
retomou o mote das fraudes eleitorais ao reverberar as denúncias infundadas
feitas por Trump, todas derrubadas pela Justiça e pela recontagem de votos em
vários estados. Claro que não é a lisura das eleições que está em jogo nas
tentativas contemporâneas de autogolpe. A intenção é manter as bases radicais
mobilizadas à espera de ordens como a que deu Trump para a invasão do Capitólio.
O
projeto de desencadear uma crise institucional vem sendo esboçado há muito
tempo, por atos e declarações descabidas do presidente e de seu clã. Trump incentivou
um movimento de sedição e, ante a possibilidade de ser afastado antes da posse
de Joe Biden, viu-se obrigado a recuar. A resposta política e institucional
americana serve de exemplo. Como nossas instituições não têm a mesma
resiliência, é preciso que o país se resguarde para evitar o “pior” a que
Bolsonaro se referiu.
Houve
acertada repulsa às palavras de Bolsonaro entre ministros do Supremo. “Uma
importante lição da história é que governantes democráticos desejam ordem”,
disse Luís Roberto Barroso, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE). “Por isso mesmo não devem fazer acenos para desordens futuras, violência
e agressão às instituições.” O ministro Edson Fachin foi ainda mais incisivo ao
afirmar que “a violência cometida contra o Congresso americano deve colocar em
alerta a democracia brasileira”.
É
necessário desde já fortalecer a Constituição para evitar o retrocesso da
democracia no país. A Carta já nos garantiu 33 anos consecutivos de democracia,
recorde na República. Não se imagina que as Forças Armadas como instituição
aceitem rasgá-la e retroceder a um passado longínquo. Ao contrário. Todas as
armas que a Carta prevê na defesa do estado democrático de direito devem ser
acionadas.
Dúvidas sobre CoronaVac obscurecem resultado positivo – Opinião | O Globo
Uso
político e ciência praticada por meio de comunicados opacos em nada contribuem
no combate à pandemia
Houve
celebração em torno do resultado das pesquisas do Instituto Butantan com a
CoronaVac, vacina contra a Covid-19 desenvolvida pela chinesa Sinovac. Na teoria,
trata-se de uma vacina barata (R$ 58,20 a dose), que não impõe maiores desafios
logísticos e tende a despertar menos reações adversas. É também a primeira
vacina com condição de ser aplicada rapidamente em escala nacional e de
permitir que o Brasil tire o atraso na corrida da imunização.
Mas
os resultados divulgados não esclarecem dúvidas essenciais sobre a eficácia e a
distribuição. Tais incógnitas contribuem para obscurecer os resultados
positivos. O Butantan divulgou apenas dois números: 78% de eficácia contra
casos leves e moderados, 100% contra os graves. Depois da pressão, deixou
escapar que, dos 12,4 mil profissionais de saúde voluntários dos testes, 218
haviam contraído a Covid-19. O governo paulista informou que só divulgaria os
dados completos depois da análise da Anvisa, para onde encaminhou o pedido de
uso emergencial.
Pode
parecer mero exercício aritmético saber quantos doentes havia no grupo que
tomou a vacina e quantos tomaram placebo. Mas a questão não termina aí. Toda
pesquisa precisa fornecer informações detalhadas sobre eficácia e efeitos
adversos em grupos sob maior risco e diferentes faixas etárias. Outras
pesquisas foram bem mais transparentes nos dados publicados, mesmo que ainda
não tivessem recebido o aval de publicações científicas. Foi o caso da
AstraZeneca, cuja vacina será produzida aqui pela Fiocruz.
É
importante entender os detalhes, pois os números podem enganar à primeira
vista. Uma vacina 78% eficaz pode ser melhor que outra 95% eficaz, desde que,
em virtude do custo e das caraterísticas de distribuição, possa ser aplicada em
escala maior. O importante para controlar a pandemia é o patamar de imunidade
coletiva atingido com a vacinação, resultado não apenas da eficácia, mas do
total de vacinados.
Em
nada ajuda que a CoronaVac tenha se tornado foco do embate entre Jair Bolsonaro
e João Doria. Depois da resistência inicial, o Ministério da Saúde encomendou
46 milhões de doses. Mas isso não encerrou a disputa. Doria quer iniciar a
vacinação dia 25. O governo federal diz que não pode haver diferença no
cronograma do país inteiro, mas ninguém conhece ainda detalhes do plano de
vacinação.
O
uso político da vacina e a divulgação de resultados científicos em comunicados
opacos só prejudicam o combate ao vírus. Não dá para fazer ciência por press
release. Ainda é preciso conhecer bem mais sobre a eficácia e a distribuição da
CoronaVac para saber se ela tem mesmo condição de, como pretende a propaganda
de Doria, ser a vacina do Brasil.
Precisa-se de um ministro da Saúde – Opinião | O Estado de S. Paulo
A
infeliz declaração de Pazuello, que nem de seringas e agulhas entende, mostra a
clara opção por lavar as mãos diante de uma tragédia.
Em vez de se arvorar em consciência crítica da imprensa brasileira, faria melhor o intendente Eduardo Pazuello se trabalhasse como se espera de um ministro da Saúde no curso de uma crise sanitária que já matou mais de 200 mil de seus concidadãos. Informação correta para nortear a atuação do poder público não falta. A bem da verdade, nunca faltou.
O
que anda em falta é coragem ao ministro para atuar de acordo com os dados
científicos à disposição do governo para pôr fim a este descalabro que é a
condução da pandemia no âmbito federal. O ministro Pazuello prefere ignorar os
fatos e adular cegamente o seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro, um convicto
negacionista da tragédia e sabotador das medidas de contenção ao espalhamento
do novo coronavírus. Afinal, como já dissera, “um manda, o outro obedece, é
simples assim”. E não têm faltado cabotinos para obedecer.
E
não deveria ser assim. Ordens ilegais ou imorais não devem ser cumpridas por
quem tem brio, respeito às leis e norte moral bem calibrado. A infeliz declaração
do intendente, que nem de seringas e agulhas entende, mostra a clara opção por
lavar as mãos diante de uma tragédia que, em sua visão, tem múltiplos
responsáveis, nenhum deles no governo federal.
Num
pronunciamento em Brasília no dia 7 passado, no qual manifestou a intenção da
pasta de adquirir 100 milhões de doses da vacina Coronavac, do Instituto
Butantan, para o Programa Nacional de Imunizações (PNI), o ministro da Saúde
responsabilizou os jornalistas pela gravidade da pior emergência sanitária de
que as atuais gerações têm notícia. Um ataque absolutamente despropositado à
imprensa profissional, mas não incoerente. O governo do qual faz parte é useiro
e vezeiro na desqualificação do trabalho dos jornalistas, a começar pelo
presidente Bolsonaro.
“Os
meios de comunicação, os senhores e as senhoras (referindo-se aos jornalistas presentes no pronunciamento),
comuniquem os fatos. Me mostrem quando um brasileiro delegou aos redatores a
interpretação dos fatos. Eu não vi. Nós não queremos a interpretação dos
senhores, a tendência ideológica ou a bandeira. Quero assistir à notícia e ver
o fato que aconteceu. Deixem a interpretação para o povo brasileiro, para cada
um de nós”, disse o ministro da Saúde.
Seja
como oficial do Exército, seja como ministro de Estado, é inacreditável que o
intendente mostre tamanho distanciamento da Constituição. A liberdade de
imprensa é plenamente assegurada pela Lei Maior do País, assim como o direito
da sociedade de ser informada. Esta obtusa visão do ministro, segundo a qual os
fatos não podem ser interpretados pela imprensa profissional, coaduna-se com
uma percepção de mundo totalitária, em que não há espaço para contestação às
versões que agradam aos poderosos de turno. Não há de ser por outro motivo que
o intendente não se dispõe a conceder entrevistas, esquiva-se como pode das
perguntas dos jornalistas e até mesmo dos fotógrafos. “Eu não posso levantar um
dedo que já apontam uma máquina fotográfica para mim”, disse. Ele pode voltar
ao conforto de sua privacidade no momento que quiser. Basta pedir demissão.
O
fato é que a calamitosa gestão do intendente no Ministério da Saúde não apenas
não ajuda o País a sair da crise, como a aprofunda ao minar esforços dos entes
federativos. Mas há quem se preocupe com tal comportamento. Ao deferir uma
medida cautelar pedida pela Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, o
ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, determinou que o
ministro da Saúde não requisite seringas e agulhas adquiridas pelo governo
paulista para sua campanha de vacinação contra a covid-19. “A incúria do
governo federal”, disse Lewandowski, “não pode penalizar a diligência da
administração do Estado de São Paulo, a qual vem se preparando, de longa data,
com o devido zelo para enfrentar a atual crise sanitária.” Cabe lembrar ainda
que o Ministério da Saúde também só se dignou a esboçar um plano nacional de
vacinação sob ordens da Suprema Corte.
O
País não precisa de mais um intendente. Precisa de um ministro da Saúde.
O consumidor e a inflação do atacado – Opinião | O Estado de S. Paulo
Aperto
do consumidor pode ter dificultado o repasse de aumentos do atacado ao varejo.
A tóxica mistura de inflação e desemprego foi em 2020 uma das maiores ameaças ao bem-estar das famílias, principalmente das mais pobres. O desemprego ainda será muito alto em 2021, mas os preços ao consumidor deverão subir 3,32%, menos que no ano anterior, segundo projeção do mercado. Mas isso dependerá da confiança na gestão das contas públicas, das oscilações do dólar e do repasse da inflação do atacado ao comprador final. Por enquanto, os preços por atacado permanecem como um rochedo mal acomodado no alto de um morro. Esses preços aumentaram 31,63% em 2020, segundo o Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), calculado mensalmente pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Os
preços ao consumidor subiram muito menos, segundo o mesmo indicador. No ano
recém-terminado a alta ficou em 4,81%, uma taxa desconfortável, mas equivalente
a apenas 15,21% do aumento geral no atacado. O repasse foi muito menor que o
observado em anos anteriores, como se uma barreira tivesse contido a avalanche
e garantido alguma proteção às famílias.
O
próprio comércio varejista pode ter imposto alguma resistência ao repasse de
preços. Outro fator pode ter sido o comportamento cauteloso das famílias. Depois
da grande contração econômica de março-abril, os consumidores voltaram às
compras. O volume de vendas acumulado de janeiro a outubro foi 0,9% maior que o
de um ano antes, mas o entusiasmo do consumidor, no início do último trimestre,
já era bem menor que no início da retomada.
O
auxílio emergencial foi reduzido de R$ 600 para R$ 300 a partir de setembro.
Dezenas de milhões de famílias tiveram de se ajustar. Falta o balanço dos três
meses finais de 2020, mas o aperto dessa gente também deve ter desestimulado o
repasse dos aumentos. Além disso, a alta dos preços da alimentação – 12,69% até
dezembro, de acordo com o IGP-M – deve ter limitado a já modesta lista de
compras das pessoas mais pobres. A comida tem peso muito grande na cesta de
consumo desse grupo.
Alguma
barreira ao repasse de aumentos quase sempre existiu, mas nem sempre eficiente
como no ano passado. Em 2018 a alta dos preços no varejo, de 4,12%,
correspondeu a 43,69% da inflação geral das matérias-primas e dos bens
intermediários (9,43%). Em 2019 a inflação enfrentada pelas famílias, de 3,79%,
equivaleu a 41,74% da alta acumulada nos estágios da produção (9,08%).
Um
fenômeno especialmente notável ocorreu em 2017, primeiro ano depois da recessão
de 2015-2016. Naquele início de retomada, houve inflação de 3,14% no varejo e
recuo de 2,55% nos preços por atacado.
A
enorme distância entre as taxas de inflação no início e no fim da cadeia –
31,63% e 4,81% – também faz de 2020 um período muito especial. Repasses foram
evitados, mas o ano terminou com grande acúmulo de aumentos no atacado. Esse
acúmulo é visível também no Índice de Preços ao Produtor (IPP) calculado pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A
taxa mensal diminuiu de 3,41% em outubro para 1,3% no mês seguinte. No ano, o indicador
geral aumentou 18,92%. Nesse período, os preços das indústrias extrativas
subiram 47,23%. No caso das indústrias de transformação a alta foi de 17,59%.
Os números acumulados até dezembro devem ter continuado muito altos.
O
desemprego deve permanecer elevado. Sem o auxílio emergencial, muitos milhões
de famílias serão forçadas a consumir com muita cautela. Isso poderá dificultar
o repasse da inflação do atacado. A pobreza permanecerá como barreira aos
aumentos, mas o risco persistirá.
Pela
projeção do mercado, o IGP-M deverá aumentar 4,58%. Será um enorme recuo,
depois da taxa de 23,14% em 2020. Esse recuo dependerá, obviamente, de uma
evolução bem mais favorável dos preços por atacado. Essa evolução estará
ligada, em boa parte, à produção de alimentos, sujeita às condições do tempo,
às cotações das commodities e à evolução do dólar. Em boa parte, o câmbio
refletirá, como no ano passado, as ações, as palavras e a diplomacia do
presidente Jair Bolsonaro, as variáveis mais inseguras da economia brasileira.
A solução não veio de Brasília – Opinião | O Estado de S. Paulo
Que
bom que existem o Supremo Tribunal Federal, governadores e prefeitos.
Em abril do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a competência compartilhada da União, Estados e municípios em relação à saúde pública. A decisão do Supremo simplesmente repetiu o que está expresso na Constituição. No entanto, Jair Bolsonaro aproveitou-a para tentar transferir responsabilidades. Segundo o presidente da República, a crise social e econômica decorrente da pandemia de covid-19 era provocada pelas ações dos governadores e prefeitos.
A
mensagem presidencial era simples. Jair Bolsonaro queria fazer de forma
diferente, mas o STF não deixou. Dessa forma, a população não devia cobrar o
governo federal pelo atual estado das coisas. Os governadores e prefeitos é que
deveriam ser responsabilizados.
Esse
discurso, que talvez funcionasse na cabeça do presidente, nunca se mostrou fiel
aos fatos. Desde o início da pandemia, era evidente que os governadores e
prefeitos estavam atuando para enfrentá-la, mesmo que isso significasse tomar
medidas impopulares. O negacionismo – atitude que tanto apetece a populistas –
nunca foi solução real para os desafios públicos.
Agora,
escancara-se uma vez mais a completa ausência de fundamento do discurso do
presidente Bolsonaro. Na verdade, o que se tem é precisamente o oposto do que
Jair Bolsonaro alardeia desde o ano passado. Que bom que existe o Supremo para
reconhecer a competência compartilhada em relação à saúde pública. Que bom que
existem governadores e prefeitos com competência para tomar decisões autônomas,
sem seguir a cartilha ditada por Brasília.
A
título de exemplo, mencionam-se dois recentes episódios. Em primeiro lugar,
está a eficácia da Coronavac, vacina contra a covid-19 desenvolvida pela
farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan.
O
presidente Bolsonaro pode vir a São Paulo, em plena pandemia, reinaugurar a
Torre do Relógio da Ceagesp e proferir suas diatribes contra a administração
estadual paulista. O fato, no entanto, é que, não fosse a gestão do governador
João Doria, o País não teria hoje uma vacina com 78% de eficácia contra casos
leves de covid-19 e 100% de eficácia na prevenção de casos graves, moderados ou
que precisam de internação hospitalar.
Ainda
bem que existe Federação e nem tudo depende de Brasília. Imagine se todos os
governadores estivessem repetindo o discurso do Palácio do Planalto, de que a
covid-19 é uma gripezinha com a qual a população não deve se preocupar e,
principalmente, que não exige nenhuma atuação especial do poder público.
Simplesmente não haveria vacina do Instituto Butantan, precisamente a vacina
que agora o Ministério da Saúde deseja avidamente comprar.
O
segundo episódio refere-se a Belo Horizonte, mas também a muitas outras
cidades, de todas as regiões do País, que poderiam ser citadas por terem
adotado a mesma atitude. Pela terceira vez ao longo da pandemia, o prefeito
Alexandre Kalil (PSD-MG) decretou o fechamento do comércio não essencial, a
partir do dia 11 de janeiro, em razão do aumento dos casos de covid-19 na
capital mineira.
É
fácil proclamar valentia em discurso oficial em cadeia de rádio e televisão.
Difícil mesmo é, por exemplo, um prefeito tomar decisões impopulares, que
afetam também as finanças municipais, visando à saúde da população. Desde o
primeiro semestre do ano passado, prefeitos e governadores de todo o País têm,
de forma responsável, limitado as atividades de suas cidades e Estados.
Isso
não significa, obviamente, que não tenha havido erros no enfrentamento da
pandemia por parte dos Estados e municípios. Mas certamente medidas restritivas
não são jogadas políticas em busca de votos ou aplausos. Poucas coisas causam
tanto desgaste político quanto restringir atividades públicas.
Além
de todas as dificuldades envolvendo essas medidas restritivas, governadores e
prefeitos tiveram – e ainda têm – de aguentar um presidente da República
fazendo troça dessas medidas, ou seja, aumentando o custo político delas.
Mais
Brasil e menos Brasília. Ainda bem que há Federação, pois da Brasília de
Bolsonaro não há esperança de solução alguma.
Vacina para ontem – Opinião | Folha de S. Paulo
Após
200 mil mortos, Anvisa tem teste de fogo com licença para a Coronavac
O
pedido de licença emergencial para a vacina Coronavac representa um teste de
fogo para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Qualquer
delonga manchará gravemente a reputação técnica da Anvisa enquanto durar a
administração de Jair Bolsonaro —cuja irresponsabilidade contribuiu para que o
país alcançasse na quinta-feira (7) a marca tenebrosa de 200
mil mortos pela Covid-19.
Por
mais que a cautela mande tomar com um grão de sal a divulgação de resultados
científicos em entrevista coletiva, sem o crivo de especialistas não
envolvidos, não há como deixar de regozijar-se com uma vacina capaz de impedir
o desenvolvimento preocupante da doença em
78% dos inoculados.
O
Instituto Butantan e o governo paulista merecem cumprimentos por tornar o produto
disponível em apenas oito meses de trabalho. Seu próximo passo deve ser a
publicação de dados detalhados para escrutínio de cientistas.
Não
se desconhece que o governador João Doria (PSDB) recorre à façanha do Butantan
para projetar-se na cena nacional. Seria estranho se não o fizesse, embora se
exijam cuidados no trato de questão tão crucial para a saúde pública.
Sua
administração apoiou de modo decidido o teste clínico com 12.476 profissionais
de saúde em oito estados que atestou a eficácia do imunizante da Sinovac, do
qual já se encontram em São Paulo 10,9 milhões de doses.
Deplorável
tem sido a conduta de seu adversário político, o presidente Jair Bolsonaro, que
só há poucos dias se curvou ao imperativo da vacinação. Seu errático ministro
da Saúde, general Eduardo Pazuello, correu à TV para tentar desfazer a imagem
de incompetência que angariou em quase oito meses de omissão diante do
negacionismo sanitário do chefe.
A
dupla inepta agora se atabalhoa na busca
desesperada para importar da Índia 2 milhões de doses da vacina
AstraZeneca/Oxford, para a qual a Anvisa recebeu pedido de autorização nesta
sexta (8). Na falta do produto, Pazuello finalmente anunciou contrato para sua
pasta adquirir
100 milhões de doses da Coronavac —aquela que o presidente jurou
jamais comprar.
Importa
verificar se, nos próximos dias, a Anvisa cederá aos interesses políticos do
presidente, atrasando a vacina do Butantan sob pretextos burocráticos.
Nem
ela nem o Ministério da Saúde cometerão a indecência, espera-se, de impedir o
governo paulista de exercer o direito —já confirmado pelo Supremo Tribunal
Federal— de deslanchar seu próprio programa de imunização.
A pior inflação – Opinião | Folha de S. Paulo
Alta
dos preços em 2020 prejudicou os mais pobres; há novos riscos neste ano
Toda
inflação elevada é ruim, mas alguns processos de carestia se mostram mais
danosos que outros quando prejudicam desproporcionalmente os mais pobres. Foi o
que ocorreu no Brasil no ano passado com a disparada de preços de alimentos que
pesam mais na cesta das famílias de baixa renda.
Os
diferentes índices apurados pela Fundação Getulio Vargas mostram essa dinâmica.
A medição que captura a variação para famílias com renda até 33 salários
mínimos (R$ 34.485 mensais até dezembro) subiu 5,13% em 2020, ao passo que a
leitura com corte de renda de 2,5 mínimos (R$ 2.612,50) mostrou alta de 6,3%.
O
principal motivo para a diferença é o peso dos alimentos na cesta de consumo
—19,8% no primeiro grupo e 24,3% no segundo. Num ano em que foram justamente os
preços desses produtos os que mais subiram, há uma penalização maior para a
baixa renda.
O
encarecimento da comida, de 15,4% no corte de renda mais baixa, seguiu uma
combinação de fatores. Nos itens que acompanham mais de perto a variação da
taxa de câmbio, caso dos grãos e parte da cadeia de proteínas, a forte
desvalorização do real teve consequências mais palpáveis.
Como
vários desses preços também tiveram elevação em dólares, resultado do aumento
da demanda internacional, sobretudo chinesa, o impacto foi duplo. A situação
não é comum, já que movimentos altistas nas matérias-primas que o Brasil
exporta, como soja e carne, em geral tendem a estar associados à valorização da
moeda nacional, o que não ocorreu desta vez.
Em
parte, a culpa é do governo, que alimentou desconfianças na gestão econômica e
favoreceu a saída de divisas do país, pressionando a cotação da moeda. Houve
ainda perdas de safra, casos do arroz e do feijão, cujos preços subiram 73% e
57%, respectivamente.
A
tendência agora parece ser de certa acomodação nos itens da cesta de
alimentação. Mas a perda para os pobres poderá vir de outras origens neste ano,
como aumentos em tarifas de transporte e energia, represadas na pandemia.
Nem
mesmo a estabilidade da inflação de serviços é um grande conforto, pois também
significa menos renda nas atividades de menor especialização, num contexto de
desemprego elevado.
O perfil inflacionário do ano passado, portanto, foi particularmente cruel para os pobres, drama que só foi minimizado pelo auxílio emergencial, que agora se encerra com impacto negativo na renda. Sem vacinação acelerada, o custo social poderá ser ainda mais elevado.
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