O governo deve deixar claro que a vacinação é, de fato, prioridade
Em
política, mudar de ideia é quase inevitável. As circunstâncias e o acaso são os
curingas da realidade. Mas, de modo geral, a mudança de ideia não é bem aceita
pela opinião publica, sendo vista como um sinal de falta de coerência. Em
política, porém, coerência e conveniência andam muito próximas da necessidade.
São como os três mosqueteiros de Dumas. E, como na história, existe o quarto
mosqueteiro, que é a oportunidade.
Na
análise política, identificar os mosqueteiros é essencial para entender o que
está acontecendo. A coerência é mantida pela conveniência e pela necessidade
diante da conjuntura. Quando as circunstâncias mudam, a coerência é sacrificada
e abre-se a oportunidade para mudanças.
Nenhum
regime totalitário e dogmático do século passado deixou de mudar de ideia ao
longo dos acontecimentos. Ao contrário, mudam com mais facilidade que os
democráticos, pois controlam a expressão política da sociedade. Já na
democracia, as quebras de paradigma são mais penosas porque o processo
decisório é mais abrangente e envolve mais atores.
O
governo Jair Bolsonaro viveu em 2020 um processo de mudança de ideias com
sinais contraditórios. O ex-presidente dos EUA Harry S. Truman teria dito “if you can’t convince them, confuse them”
(“se não pode convencê-los, confunda-os”) ao se referir à forma como a
oposição tratava o seu mandato perante a opinião pública. Bolsonaro exerceu, de
forma muitas vezes rude, o que o americano dizia. Mas não só ele. Lula foi
mestre em tecer narrativas contraditórias às suas atitudes.
Há dois processos em curso confundindo o eleitorado. Um é a mudança de ideia materializada nos entendimentos com setores do centro político, prática que Bolsonaro já rejeitou com veemência. A necessidade prevaleceu sobre a coerência. Nada de novo, apesar do estranhamento. O outro processo está indefinido: a questão da imunização contra a Covid-19. Ao mesmo tempo que Bolsonaro diz que não se vacinará, ele já pôs verbas à disposição para os fármacos. Mas o programa de imunização não está posto, ao passo que países menos organizados avançam na questão. A ambiguidade no tratamento do tema pode penalizar a aprovação do governo.
Confundir
os adversários com narrativas e atitudes contraditórias depende de mestria,
timing e certa simpatia da sociedade. Lula foi popular mesmo negociando com o
FMI, praticando um grande arrocho fiscal e operando no submundo da política com
o mensalão. Beneficiou-se da tolerância da opinião pública e “daszelite”. Mas
não resistiu aos próprios erros. O maior deles foi Dilma Rousseff.
Bolsonaro
avançou na reestruturação do presidencialismo de coalizão e demonstrou que sua
prioridade era a blindagem política. Mas, no tocante à vacinação, suas atitudes
estão obliteradas pela falta de convicção. Ele corre o risco de cometer erros
fatais ante os desafios econômicos e sanitários atuais. A questão da imunização
deve ser abordada de forma a deixar claro para a opinião pública e, sobretudo,
para o mundo econômico que ela é, de fato, prioridade. Sem a vacinação, a
economia vai patinar e a aprovação do governo vai encolher. O caminho para o
seu sucesso será o de mudar de ideia com mais intensidade. Como disse
Churchill, “quem não muda de ideia não muda nada”.
Publicado em VEJA de 13 de janeiro de 2021, edição nº 2720
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