sábado, 9 de janeiro de 2021

Ascânio Seleme - Justiça de um homem só

- O Globo

Nenhuma dúvida. Donald Trump tinha mesmo que ter sido afastado das redes sociais que usou durante todo o seu mandato para organizar a extrema direita em torno de seu projeto pessoal

Nenhuma dúvida. Donald Trump tinha mesmo que ter sido afastado das redes sociais que usou durante todo o seu mandato para organizar a extrema direita em torno de seu projeto pessoal. A turba ignara trumpista nunca se deu conta de que estava seguindo um homem arrogante e ambicioso que jamais pensou nos interesses do seu país. Os terroristas que invadiram o Capitólio na quarta-feira, no ápice da marcha golpista do mais infame presidente que os EUA já tiveram, apenas repetiam com a virulência do líder o discurso falso de que a eleição do adversário democrata havia sido fraudada.

Como Trump, há inúmeros outros líderes globais que abusam dessas plataformas para disseminar medos, mentiras e ameaças, ultrajando seus povos e suas nações. No Brasil, sabemos que Jair Bolsonaro e seu gabinete do ódio manipulam estas ferramentas para mentir e enganar, buscando tão somente confrontação e dividendos políticos. Tanto Trump quanto seu similar nacional, ambos golpistas potenciais, sofreram esporádicas e tardias sanções de Facebook, Twitter, Instagram e outras redes. A certa altura, o manda-chuva Mark Zuckerberg chegou a dizer que não podia se arrogar no direito de definir o que é verdade e que é falso na tormenta antidemocrática que estes canais de comunicação instantânea se transformaram.

Bobagem. Podia pelo menos ter tentado instituir em cada país um sistema de controle formado por membros de entidades civis, como as brasileiras OAB e ABI, e buscar apoio nos grupos de mídia profissionais para estabelecer um sistema eficiente de controle contra mentiras e manipulação no uso das redes. Dinheiro não seria problema para estas gigantes, mas a medida não seria boa para os negócios. Em determinados momentos no passado recente, algumas ações foram tomadas, mas muito mais para dar uma satisfação à opinião pública do que para de fato impedir o mau uso das plataformas. Deixou-se a coisa seguir de maneira solta, com bloqueios aqui e ali, até que se deu a invasão do Congresso americano, seguida de uma comoção mundial.

Aí, Zuckerberg acordou. Do alto de seu poder de dono das mais poderosas plataformas, defenestrou Trump de Face e Insta pelo menos até o fim do seu mandato. O Twitter o tirou do ar por 12 horas, seguido pelo Snapchat, que o suspendeu. Foi atrasado, mas por pouco não foi tarde demais. Imaginem se aquela turba tivesse conseguido empastelar o parlamento do maior país da terra. Suponham que os contrapesos não tivessem funcionado e Trump houvesse vencido a disputa impedindo a certificação da vitória de Joe Biden. A ordem global seria fortemente abalada graças a premissas falsas, ao ódio e a mentiras difundidas sistemática e livremente pelas redes sociais.

Logo depois da eleição de Biden, Trump fez um pronunciamento mentiroso, com as alegações falsas de fraude repletas do seu ódio contumaz. As emissoras de TV que transmitiam a fala ao vivo o tiraram do ar. As redes o mantiveram insuflando suas massas aturdidas. Por que a diferença entre elas? Porque as emissoras são controladas por gente e as redes não têm controle, ou são orientadas por algoritmos que incentivam a desordem, porque dá audiência. Agora, depois do vergonhoso cerco ao Capitólio, no limite de uma disrupção institucional que se espalharia globalmente, se fez a tardia reflexão, ou justiça. Mais grave, foi iniciativa isolada, iniciada por um homem só. Mark Zuckerberg.

O que o planeta precisa é de imediato e efetivo controle das redes para que atentados como o que vimos esta semana não consigam sequer brotar. Se por um lado as redes têm enorme potencial de difundir ideias e transmitir ensinamentos bons e gratuitos, por outro podem servir a golpistas como Trump e suas cópias mundo afora. Não se trata de um bicho de sete cabeças. É preciso cortar o acesso de quem mente, quem inventa, quem manipula informação. Se isso não for feito imediatamente por determinação inequívoca de governos democráticos, pode haver outras tentativas de golpe apoiadas nas redes sociais. E, se não forem novamente nos EUA, é muito possível que Zuckerberg não as veja ou simplesmente as ignore.

GOLPISTAS UNIDOS

Jair Bolsonaro não abandonou Donald Trump nem depois deste ter admitido que chegaram ao fim suas tentativas de golpear as instituições democráticas americanas. No dia seguinte à invasão do Capitólio pela turba trumpista, nossa excelência ainda nos ameaçou: “No Brasil pode ser pior”. Embora seja um crime de responsabilidade, a bravata não passa de uma bobagem rematada que por ora não se deve temer. Por duas razões. A primeira é que os aloprados de Bolsonaro são como aqueles 300 do ano passado, que não chegam a 30 e não valem dez. Segundo, porque aqui há um outro lado da mesma forma agressivo e disposto ao confronto. Ou vocês acham que os militantes da esquerda barulhenta deixariam a coisa correr solta como em Washington? Aqui o risco é outro, o da violência desmedida entre dois lados.

AINDA DÁ TEMPO

O presidente Jair Bolsonaro cometeu na quinta-feira mais um crime de responsabilidade, pelo qual pode ser afastado das suas funções, ao ameaçar o Brasil depois da invasão do Capitólio nos EUA. Na semana passada já havia perpetrado outro, ao fazer apologia à tortura.

PREVISIBILIDADE

Pelo menos em um ponto deve-se concordar com o candidato de Bolsonaro para a presidência da Câmara. O deputado Arthur Lira (corrupção, lavagem de dinheiro, bens bloqueados, agressão doméstica) diz que sua eleição seria uma vitória da previsibilidade. Exatamente. Com ele no comando da Casa, teríamos dois anos sem vento. O governo nadaria de braçadas e o presidente poderia seguir cometendo seus rotineiros crimes de responsabilidade sem desassossego. Se com Rodrigo Maia já foi aquela moleza, imagina com o Lira amigo do peito.

VOTO VIRTUAL

Lira protestou contra o possível voto virtual para a eleição da Câmara. Perguntou: “Qual a verdadeira intenção por trás disso?”, sugerindo que Rodrigo Maia e seu candidato Baleia Rossi estariam armando alguma. Pode? Só falta ele pedir o voto impresso. O atraso do atraso se manifestou pela boca do parlamentar bolsonarista.

PONTO POSITIVO

Cláudio Castro, o governador que caiu de paraquedas no Palácio das Laranjeiras, ganhou ponto importante ao indicar o mais votado da lista tríplice do Ministério Público para chefiar a entidade. Ele não se dobrou à pressão do zero das rachadinhas. Coragem é uma das qualidades que se espera dos homens públicos, inclusive para tomar decisões que contrariam pressões poderosas.

PONTO NEGATIVO

Em Belo Horizonte, o prefeito Alexandre Kalil, reeleito no primeiro turno com quase 70% dos votos, voltou a fechar o comércio e todos os serviços não essenciais para conter a transmissão de coronavírus. No Rio, cidade que registra mais mortes no país, que tem 2048 leitos do SUS fechados e as pessoas aguardam na fila por vagas em hospitais públicos, o prefeito Eduardo Paes chegou a mandar reabrir as áreas de lazer na orla (depois voltou atrás) e já elabora plano para a volta presencial das aulas nas escolas municipais. Disse não entender porque shoppings estão abertos e escolas fechadas. Melhor fechar os shoppings, não é, prefeito?

FALTA DE CARÁTER

Bater na imprensa já não causa surpresa a ninguém. No Brasil tem sido assim desde a era petista. Bolsonaro disse esta semana que a imprensa “potencializou” a pandemia de coronavírus, chamando-a de “mídia sem caráter”. Em tom próprio, mais virulento, o capitão apenas repetiu o que se ouve desde a Era dos franklins e dos dirceus.

SERINGAS E AGULHAS

A ideia de Jair Bolsonaro de esperar o preço das seringas e agulhas baixar para só então comprá-las é de uma “inteligência” que acomete a poucos. Valendo-se da regra de mercado, o Brasil só compraria os suprimentos e iniciaria a vacinação quando o mundo inteiro já tivesse sido imunizado. O Ministério da Saúde fez de conta que não ouviu o presidente desmiolado e anunciou que as compras serão feitas diretamente pelo governo federal, sugerindo que vai proibir os estados de tomarem iniciativas isoladas. Como se fosse possível este tipo de intervenção. Daí ficou clara a estratégia. O objetivo era tentar atingir o plano de São Paulo de iniciar a vacinação por conta própria, antes da União, seguindo seu próprio calendário.

NOSSOS PREÇOS

Os preços na Europa, mesmo com 1 Euro valendo mais do que 6 Reais, estão em alguns casos mais em conta do que no Brasil. Exemplo: Quatro pessoas podem jantar num bom restaurante em Lisboa, Madri ou Roma pagando alguma coisa como 100 Euros (R$ 660,00). Isso com entradas e uma boa garrafa de vinho. No Rio, um jantar nestas mesmas condições em restaurantes do mesmo padrão no Leblon ou em Ipanema não sai por menos de R$ 800,00.

JÁ ERA

Quem foi a Portugal fazer um bom negócio imobiliário, foi. Não vai mais. O metro quadrado no Bairro Alto, na Graça, no Chiado ou na Alfama, que já foi barato para os padrões cariocas, hoje vale mais do que o do Leblon, o bairro mais caro do Brasil.

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