terça-feira, 16 de março de 2021

César Mortari Barreira / Marcelo de Azevedo Granato* - Fascismo e antifascismo

- Folha de S. Paulo

Antifascismo de hoje deve ser democrático para que a democracia sirva à sociedade

As palavras fascismo antifascismo não tiveram descanso em 2020: por quase todo o ano, foram tema de diversas notícias e interpretações. A invasão do Congresso dos Estados Unidos, por exemplo, abre nova ocasião para análises sobre o significado dos termos fascismo e antifascismo e sua possível atualidade no espectro político brasileiro.

Nesse contexto, deve-se perguntar: se o fenômeno fascista remete aos 20 anos que caracterizaram a Itália após a 1ª Guerra Mundial, de que modo fascismo e antifascismo continuariam conceitos presentes e relevantes?

Para Norberto Bobbio, que viveu o fascismo italiano, esse regime representava uma mistura de decadentismo, irracionalismo e adoração à violência, alimentando o “culto ao herói, ao déspota, ao aristocrata de gosto exigente” ("O regime fascista"). O fascismo era antidemocrático, pois exaltava a hierarquia contra o princípio da igualdade; o poder vindo de cima contra o poder vindo de baixo; a autoridade contra a liberdade; a fé cega contra o espírito crítico; o conformismo de massa contra o princípio de responsabilidade individual.

Bobbio sugere que o fascismo possuía “duas almas”: o fascismo conservador e o fascismo subversivo. Este desejava uma nova ordem, aquele desejava pura e simplesmente a (restauração da) ordem, ambos tendo como elemento comum “o ódio à democracia” ("Fascismo e antifascismo").

Os fascistas conservadores criticavam a democracia como instrumento de governo, notadamente diante dos caminhos que o sufrágio universal abria para as indesejadas lutas sociais. Os fascistas subversivos, por sua vez, combatiam a democracia em si mesma, julgando-a uma forma de governo degenerada, pois a política “era o reino da força, e não, como queria a democracia, o do maior número” ("Fascismo e antifascismo").

Essa situação exigiu uma luta antifascista que, reunindo grupos de orientações distintas, tinha duas frentes de atuação: “a frente da defesa das liberdades tradicionais contra o fascismo conservador, e a frente da defesa do movimento operário e do socialismo contra o fascismo subversivo” ("Fascismo e antifascismo").

Diante do fascismo como “monstro de duas faces, a face antiliberal e a face antissocialista”, a defesa da democracia orientou “um contínuo trabalho de mediação, de conciliação, [...] de persuasão recíproca, de concessões de parte a parte”, que enfim redundou na Constituição republicana de 1947, vigente até hoje. Foram os ideais democráticos, diz Bobbio, que mantiveram unidos os homens políticos que tinham conduzido a guerra de liberação ("Origens e características da Constituição").

Para Bobbio, “o fascismo morreu e não há celebração que possa fazê-lo reviver” ("A queda do fascismo"). Mas autores como Michelangelo Bovero, sucessor de Bobbio, sustentam que o engano demagógico próprio do fascismo histórico se manifesta hoje com a “hiperpersonalização da política, que por vezes revela figuras grotescas de poder carismático. Reforçando o poder executivo de que normalmente estão investidas, elas enfraquecem tanto os vínculos e controles democráticos como a ordem constitucional, dando vida a uma espécie de “fascismo pós-moderno” ("A democracia e seus desafios à luz do pensamento de Norberto Bobbio").

A lição que parece emergir da experiência italiana é que, se o fascismo de então foi antidemocrático, o antifascismo de hoje deve ser democrático especialmente para que a democracia sirva à sociedade, não aos vencedores de cada eleição, e para que ela seja controlada pelas instituições, não pelo líder carismático de turno. Aos que compartilhem dessa conclusão, o compromisso histórico firmado entre grupos distintos na luta antifascista italiana serve de norte e exemplo.

 *César Mortari Barreira, Doutor em teoria e filosofia do direito (Uerj), é coordenador científico do Instituto Norberto Bobbio

Marcelo de Azevedo Granato, Doutor em direito pela USP e pela Università degli Studi di Torino (Itália), é integrante do Instituto Norberto Bobbio e professor da Facamp (Faculdades de Campinas)

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