Antifascismo
de hoje deve ser democrático para que a democracia sirva à sociedade
As
palavras fascismo e antifascismo não
tiveram descanso em 2020: por quase todo o ano, foram tema de diversas notícias
e interpretações. A invasão do
Congresso dos Estados Unidos, por exemplo, abre nova ocasião para
análises sobre o significado dos termos fascismo e antifascismo e sua possível
atualidade no espectro político brasileiro.
Nesse
contexto, deve-se perguntar: se o fenômeno fascista remete aos 20 anos que
caracterizaram a Itália após a 1ª Guerra Mundial, de que modo fascismo e antifascismo
continuariam conceitos presentes e relevantes?
Para Norberto Bobbio,
que viveu o fascismo italiano, esse regime representava uma mistura de
decadentismo, irracionalismo e adoração à violência, alimentando o “culto ao
herói, ao déspota, ao aristocrata de gosto exigente” ("O regime
fascista"). O fascismo era antidemocrático, pois exaltava a hierarquia
contra o princípio da igualdade; o poder vindo de cima contra o poder vindo de
baixo; a autoridade contra a liberdade; a fé cega contra o espírito crítico; o
conformismo de massa contra o princípio de responsabilidade individual.
Bobbio sugere que o fascismo possuía “duas almas”: o fascismo conservador e o fascismo subversivo. Este desejava uma nova ordem, aquele desejava pura e simplesmente a (restauração da) ordem, ambos tendo como elemento comum “o ódio à democracia” ("Fascismo e antifascismo").
Os
fascistas conservadores criticavam a democracia como instrumento de governo,
notadamente diante dos caminhos que o sufrágio universal abria para as
indesejadas lutas sociais. Os fascistas subversivos, por sua vez, combatiam a
democracia em si mesma, julgando-a uma forma de governo degenerada, pois a
política “era o reino da força, e não, como queria a democracia, o do maior
número” ("Fascismo e antifascismo").
Essa
situação exigiu uma luta antifascista que, reunindo grupos de orientações
distintas, tinha duas frentes de atuação: “a frente da defesa das liberdades
tradicionais contra o fascismo conservador, e a frente da defesa do movimento
operário e do socialismo contra o fascismo subversivo” ("Fascismo e
antifascismo").
Diante
do fascismo como “monstro de duas faces, a face antiliberal e a face
antissocialista”, a defesa da democracia orientou “um contínuo trabalho de
mediação, de conciliação, [...] de persuasão recíproca, de concessões de parte
a parte”, que enfim redundou na Constituição republicana de 1947, vigente até
hoje. Foram os ideais democráticos, diz Bobbio, que mantiveram unidos os homens
políticos que tinham conduzido a guerra de liberação ("Origens e
características da Constituição").
Para
Bobbio, “o fascismo morreu e não há celebração que possa fazê-lo reviver”
("A queda do fascismo"). Mas autores como Michelangelo Bovero,
sucessor de Bobbio, sustentam que o engano demagógico próprio do fascismo
histórico se manifesta hoje com a “hiperpersonalização da política”,
que “por vezes revela figuras grotescas de poder carismático”.
Reforçando o poder executivo de que normalmente estão
investidas, elas enfraquecem tanto os vínculos e controles democráticos como a
ordem constitucional, dando vida a uma espécie de “fascismo pós-moderno”
("A democracia e seus desafios à luz do pensamento de Norberto
Bobbio").
A
lição que parece emergir da experiência italiana é que, se o fascismo de então
foi antidemocrático, o antifascismo de hoje deve ser democrático especialmente
para que a democracia sirva à sociedade, não aos vencedores de cada eleição, e
para que ela seja controlada pelas instituições, não pelo líder carismático de
turno. Aos que compartilhem dessa conclusão, o compromisso histórico firmado
entre grupos distintos na luta antifascista italiana serve de norte e exemplo.
Marcelo de Azevedo Granato, Doutor em direito pela USP e pela Università degli Studi di Torino (Itália), é integrante do Instituto Norberto Bobbio e professor da Facamp (Faculdades de Campinas)
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