Médico sério defende o que Bolsonaro condena e condena o que ele defende. E Queiroga?
A
médica cardiologista Ludhmila
Hajjar é o oposto do general da ativa Eduardo
Pazuello e deixou a demissão dele do Ministério da
Saúde ainda mais humilhante. Ela conhece profundamente a
situação da pandemia e tem noção clara não só do que fazer, mas sobretudo do
que não fazer. E ele? O homem errado, na hora errada, passando vexame. Mas a
grande diferença entre os dois nem é essa. É que ela tem brios.
Ao ser chamada a Brasília pelo presidente Jair Bolsonaro, Hajjar já tinha estratégia, equipe e estava pronta para a guerra – diferentemente do general. “Mas foi só um sonho”, desabafou a doutora, depois do encontro com Bolsonaro. O mais surpreendente é que ela sabia exatamente o que o presidente pensa da pandemia, mas ele nem sabia com quem estava falando. Só aí soube que os dois são como azeite e água.
Bastava fazer uma busca na internet e ouvir umas poucas pessoas para Bolsonaro saber que Hajjar é contra cloroquina, despreza o tal “tratamento precoce”, segue a ciência, defende o isolamento social e as máscaras e é obcecada pelas vacinas – e pela vida. Ou seja: ela defende tudo o que ele condena e condena tudo o que ele defende. Por isso, é mais uma a virar alvo de ataques covardes da tropa bolsonarista.
Isso,
aliás, combina à perfeição com a provocação que uma alta fonte do governo me
fez na semana passada, quando ficou claro que Pazuello não duraria muito na Saúde:
“Quem pôr no lugar? Desafio você a sugerir um médico respeitável, com
credibilidade, que aceite assumir a Saúde numa hora dessas!”
Pura
verdade. Qualquer médico sério pensa como Hajjar. Logo, Bolsonaro ficou entre
um nome do Centrão ou um doutor pronto a seguir a máxima de Pazuello: “um
manda, outro obedece”. Assim, o novo
ministro, Marcelo Queiroga, presidente da Sociedade Brasileira de
Cardiologia, está no foco. Vai ter a altivez de Luiz Mandetta, Nelson Teich e
Ludhmila Hajjar, ou vai replicar Pazuello e jogar a ciência para o alto?
O
País está em polvorosa, caminhando para 300 mil mortos, com governadores e
prefeitos tontos, médicos e enfermeiros no limite, mas o que fez Bolsonaro
mudar o ministro e o discurso não foi nada disso. Foi a entrada do
ex-presidente Lula em
cena. Era preciso um bode expiatório rápido. E um general da ativa é um bode
expiatório e tanto.
Depois
de fritado pelo presidente e três generais de Exército, inclusive o ministro da
Defesa, Pazuello ainda divulgou que, ao contrário das versões palacianas, ele
não estava doente, não tinha pedido demissão e não tinha sido demitido. E,
ontem, disse que 15% dos grupos prioritários estarão vacinados em março e 88%
em abril. Convém guardar esses números, porque uma das marcas do general é
fazer previsões que não se confirmam, nem de datas, nem de doses, nem de
contratos, nem de testes...
E
ele se “esqueceu” de dizer que, se 10 milhões de
brasileiros foram vacinados até agora, é graças ao
governador João Doria
(SP), ao Butantan,
ao laboratório Sinovac e à Coronavac, atacada como “aquela vacina chinesa do
Doria”, quando Bolsonaro bateu no peito, disse que ele é que mandava e cancelou
a compra de 46 milhões de doses que Pazuello anunciara.
Se
dependesse de Bolsonaro, os brasileiros nem estariam se vacinando até agora,
quando estão morrendo sem direito a UTI, dignidade, humanidade. É por isso,
aliás, que a gestão da pandemia no Brasil foi parar na Conselho de Direitos
Humanos da ONU, sofre investigações do STF, do TCU e do Ministério Público e
pode virar alvo do Congresso.
Caso a CPI seja instalada, não há gabinete do ódio, carreatas e fake news que possam apagar todas as monstruosidades de Bolsonaro a favor do vírus, contra a vida. A dúvida é como Queiroga vai lidar com isso. E com a realidade.
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