Malgrado
tenha cometido inúmeros erros, Pazuello foi sabotado por Bolsonaro nas escassas
ocasiões em que tentou acertar
A incompetência do intendente Eduardo Pazuello para exercer o cargo de ministro da Saúde, algo especialmente grave em meio à pandemia de covid-19, já está sobejamente comprovada. Portanto, sua substituição, cogitada no fim de semana, tornou-se há muito tempo um imperativo. Em defesa de Pazuello, contudo, deve-se enfatizar que, assim como jabuti não sobe em árvore, sua presença no Ministério da Saúde, a despeito de seu evidente despreparo, só se materializou porque o presidente Jair Bolsonaro o colocou lá.
Mais:
malgrado tenha cometido inúmeros erros de sua própria lavra, Pazuello foi
sabotado por Bolsonaro nas escassas ocasiões em que tentou acertar – como
quando se dispôs a assinar um protocolo de intenções com o governo paulista
para aquisição de vacinas produzidas pelo Instituto Butantan e foi
desautorizado publicamente, de forma humilhante, pelo presidente. Qualquer um
com amor próprio teria pedido as contas no ato; mas não Pazuello, que se
limitou a admitir que estava no cargo apenas para cumprir ordens.
O intendente é o terceiro ministro da Saúde de Bolsonaro, colocado ali depois que os dois anteriores se recusaram a fazer o triste papel que lhes atribuía o presidente. Bolsonaro é, na prática, o ministro da Saúde.
Nessa
condição, menosprezou a dimensão da pandemia, fez campanha contra a vacinação,
estimulou os brasileiros a se automedicarem com remédios inócuos contra o
coronavírus, ofendeu doentes e mortos, desmoralizou todas as medidas de
isolamento destinadas a conter a covid-19 e ainda desdenhou dos cuidados
mínimos para evitar contaminação, como o uso de máscara e o distanciamento
social.
Logo,
não é possível sequer imaginar que, diante desse comportamento do presidente da
República, o Ministério da Saúde, sob a direção de quem quer que seja, será
capaz de atuar tendo a ciência e o bom senso como norte. Quem tentou, antes de
Pazuello, perdeu o emprego.
A
esta altura, a esperança de uma mudança de direção no governo reside na pressão
eleitoral, a única que move Bolsonaro. A perda acelerada de popularidade do
presidente por conta da condução irresponsável da crise, com seus múltiplos
efeitos trágicos, já fez Bolsonaro pelo menos reduzir sua hostilidade à
vacinação.
De
uma hora para outra – notadamente desde o ressurgimento do petista Lula da
Silva no cenário eleitoral, com um discurso a favor da vacinação –, Bolsonaro
passou a posar de campeão da imunização. Também cedeu à pressão política pela
substituição do ministro Pazuello, hoje completamente desacreditado em todas as
áreas envolvidas na luta contra a pandemia.
No
fim de semana passado, Bolsonaro sondou, para o lugar de Pazuello, a
cardiologista Ludhmila Hajjar, nome que imediatamente ganhou apoio de expoentes
do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Sua nomeação representaria uma
guinada radical na condução do Ministério da Saúde, pois a médica é conhecida
pela defesa da vacinação e das medidas de isolamento social e por sua oposição
firme ao “tratamento precoce” com cloroquina e outros elixires caros aos
bolsonaristas.
A
esperança de mudança durou poucas horas. Assim que se soube que Ludhmila Hajjar
havia se reunido com Bolsonaro para discutir sua eventual nomeação, as redes
sociais bolsonaristas reagiram com especial virulência, atacando a
cardiologista como se fosse uma inimiga do Brasil.
Com
bom senso, a doutora Ludhmila recusou o convite, informando o óbvio: que não
houve “convergência” entre ela e Bolsonaro, pois o presidente não mudou de
ideia sobre a pandemia, ao contrário do que seus marqueteiros pretendem fazer o
País acreditar. E acrescentou que foi ameaçada de morte pelos camisas pardas
que idolatram o presidente – o que dá a dimensão da loucura que o bolsonarismo
inoculou no Brasil.
No
mesmo momento em que Bolsonaro fingia interesse em melhorar o Ministério da
Saúde, bolsonaristas – devidamente aglomerados e sem máscara – se mobilizavam
em diversas capitais em manifestações contrárias às medidas de isolamento
social e, de quebra, a favor de uma intervenção militar. É a esses celerados, e
só a eles, que Bolsonaro dá ouvidos.
Saída fácil, errada e insensível – Opinião / O Estado de S. Paulo
Mais
uma vez, o governo federal pretende avançar sobre o bolso dos mais pobres
Premido pela necessidade de encontrar espaço no Orçamento de 2021 – que ainda não foi aprovado – para fazer frente ao aumento dos gastos sociais impostos pela emergência sanitária da covid-19, o governo federal pretende mexer no seguro-desemprego. Seria este um lapso de inacreditável insensibilidade se não se tratasse da segunda tentativa do presidente Jair Bolsonaro de avançar sobre o bolso dos mais pobres em pouco mais de um ano. Trata-se, portanto, de clara opção pela saída mais fácil para uma questão complexa, além de errada e insensível.
Hoje,
trabalhadores com carteira assinada que são demitidos sem justa causa têm
direito a receber de três a cinco parcelas do seguro-desemprego com um valor
fixo. Pela proposta em estudo pela equipe econômica, à qual
o Estado teve acesso, o valor das parcelas seria reduzido em 10% a
partir do segundo mês, garantido o piso de um salário mínimo (R$ 1,1 mil). O
governo minimiza o impacto da medida alegando que a maioria dos beneficiários
do seguro-desemprego já recebe um salário mínimo na primeira parcela. Portanto,
eles não seriam atingidos por essa redução progressiva.
O
argumento pode até produzir algum resultado do ponto de vista fiscal, mas é
imoral. Embora não formem a maioria dos beneficiários, há muitos trabalhadores
que fazem jus a um valor maior de seguro-desemprego, contribuíram para isso, e
seriam privados desses recursos justamente no momento em que mais precisam,
quando se veem sem sua fonte de renda de uma hora para outra.
O
desemprego foi recorde no ano passado, 13,5%, registrando a maior taxa média
anual desde o início da série histórica, em 2012. São 13,4 milhões de
brasileiros fora do mercado de trabalho. E nada no horizonte próximo indica que
haverá uma retomada da atividade econômica no País robusta o bastante para
absorver essa mão de obra. A vacinação da população contra a covid-19 é
claudicante. Não há vacinas na quantidade que o País precisa. Não há sequer um
cronograma minimamente confiável de quando haverá. Como falar em recuperação
econômica sem segurança sanitária?
Portanto,
antes que esteja empregada boa parte dos que hoje dependem do seguro-desemprego
para prover sua própria subsistência ou a de suas famílias, muitos outros ainda
engrossarão a lista dos desempregados. Diante de um quadro desses, chega a ser
cruel o governo federal buscar recursos orçamentários para compor as despesas
da União com um programa voltado para os mais vulneráveis.
O
Ministério da Economia reconhece que mudar as regras do seguro-desemprego “não
é confortável”, sobretudo em um momento “delicado” para a criação de empregos.
Mas, segundo os técnicos, é “a única alternativa” para bancar uma nova edição
do programa que permite acordos de redução de jornadas de trabalho e salário,
com vistas a manter empregos. Evidente que essa não é a “única alternativa”. É
só a que requer menos esforço de articulação do governo.
Como
a Nação acompanhou durante a tramitação da PEC Emergencial no Congresso, foi
intensa a pressão de categorias de servidores públicos para manter intocado seu
quinhão do Tesouro. Eliminados apenas alguns dos privilégios dessas
corporações, que parecem tomar o Estado como refém, não faltariam recursos para
o governo bancar as medidas de amparo social nesta quadra dramática da história
nacional. Mas isso demandaria mais coragem e espírito público do presidente da
República.
Não
haveria de vir de Jair Bolsonaro a audácia de mexer nesse vespeiro. Ao longo de
sua carreira parlamentar ficou claro que o presidente perfila antes os
interesses dos servidores que o interesse nacional.
Resta
esperar que, caso o governo, de fato, apresente as mudanças, o Congresso impeça
mais esse absurdo e preserve o seguro-desemprego tal como está. Já em 2019, a
atuação dos parlamentares foi decisiva para barrar a taxação do benefício em
7,5% como meio de financiamento do Programa Verde e Amarelo.
A sinuca de bico dos juros – Opinião / O Estado de S. Paulo
Inflação
forte e economia fraca dificultam decisão do Banco Central
Jogar sinuca será uma habilidade essencial, nestes dois dias, para os membros do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC). Uma nova decisão sobre os juros deve ser anunciada no começo da noite de quarta-feira. Diante da inflação já incômoda e com tendência de alta, será inevitável um aumento da taxa básica, sustenta boa parte do mercado. Se essa for a saída, a obrigação de conter a inflação será cumprida, mas o Tesouro terá custos maiores para rolar a dívida pública e, além disso, será reduzido o estímulo à recuperação econômica. Se os juros ficarem onde estão, em 2% ao ano, esses efeitos serão evitados, mas o risco inflacionário poderá aumentar e a imagem do BC talvez seja afetada. “Situação difícil ou embaraçosa” é o esclarecimento usado no Dicionário Novo Aurélio, onde também aparece a expressão “sinuca de bico”.
Vacinação
e pandemia são hoje variáveis indispensáveis a qualquer cálculo econômico
ambicioso. Os economistas brasileiros também tiveram de seguir esse caminho,
até porque a política nacional de saúde é um fator de muita insegurança. A
situação dos membros do Copom é ainda mais complicada, porque deles se exige,
agora, habilidade no manejo do taco de bilhar. Além das dificuldades visíveis a
olho nu, na experiência do dia a dia, há os dados numéricos de uma recuperação
ainda fraca e as projeções pouco animadoras.
O
quadro geral é claro. O Brasil encerra mais um trimestre de economia frouxa,
com as famílias apertadas, inflação em alta e desemprego muito acima dos
padrões internacionais. Milhões de famílias esperam a liberação do novo auxílio
emergencial, aprovado pelo Congresso, mas ainda longe do bolso dos
consumidores.
Em
fevereiro, a inflação oficial acumulada em 12 meses, de 5,20%, quase bateu no
limite superior de tolerância (5,25%). A meta para 2021 é de 3,75% e o desvio
aceitável, para cima, é de 1,50 ponto. A soma dos dois números dá o limite de
tolerância, fixado para o fim do ano, mas presente, sempre, como sinalizador.
O
custo da alimentação, uma das principais preocupações das famílias pobres,
subiu 0,27% no mês passado, bem menos que em janeiro, quando a variação foi de
1,02%. Mas o alívio é mais aparente que real. Aquele aumento incidiu sobre
preços já muito altos. Nos 12 meses até fevereiro o custo de alimentação e
bebidas aumentou 15%, mas alguns itens encareceram muito além dessa média.
Exemplos: carnes encareceram 29,51%; hortaliças e verduras, 23,30%; e o grupo
de cereais (como arroz), leguminosas (como feijão) e oleaginosas, 57,83%.
Dificultando
o consumo, a inflação também atrapalha o crescimento econômico. O País mal
começou a se recuperar do tombo de 2020, embora tenha entrado em 2021 com algum
avanço. Essa percepção é corroborada pelo Índice de Atividade Econômica do
Banco Central (IBC-Br). O indicador de janeiro foi 1,04% mais alto que o de
dezembro, mas ficou 0,46% abaixo do nível de um ano antes. Além disso, em 12
meses houve perda acumulada de 4,04% até o primeiro mês deste ano.
Pelo
menos houve uma surpresa positiva. O IBC-Br de janeiro deveria ter subido
apenas 0,50%, pela mediana das estimativas captadas no mercado
pela Agência Estado. Mas isso de nenhum modo altera os problemas já
conhecidos.
Em
janeiro a produção industrial foi 0,40% maior que a de dezembro e 2% superior à
de um ano antes, mas ainda com perda de 4,3% acumulada em 12 meses. O volume de
serviços cresceu 0,60% em relação ao de dezembro, mas ficou 4,7% abaixo do
anotado em janeiro de 2020, e o resultado de 12 meses foi uma contração de
8,3%. Quanto ao comércio varejista, escorregou por três meses consecutivos,
variando -0,10% em novembro, -6,20% em dezembro e -0,20% em janeiro.
As
projeções econômicas têm piorado. No mercado, o crescimento econômico estimado
para o ano baixou em um mês de 3,43% para 3,23%. A inflação esperada chegou a
4,60%. Em quatro semanas a projeção do déficit primário das contas federais
passou de 2,70% para 2,90% do Produto Interno Bruto (PIB). Tudo isso é parte da
sinuca enfrentada pelo Copom.
O quarto ministro – Opinião / Folha de S. Paulo
Se
Bolsonaro não mudar conduta, de pouco servirá a nova substituição na Saúde
Ainda
no posto de ministro da Saúde, Eduardo Pazuello confirmou nesta segunda (15)
que Jair Bolsonaro buscava um substituto para ocupar a pasta. À noite do mesmo
dia, anunciou-se o nome de Marcelo
Queiroga, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
O
general, de início interino, acabou por ficar no cargo por mais tempo do que
seria recomendável, dada a dificuldade de encontrar quem coubesse no figurino
inglório desenhado pelo presidente.
Volta
agora um profissional da área à pasta que deveria ser a mais importante no país
assolado pela Covid-19. Não se trata, infelizmente, de garantia de uma nova e
menos desastrosa gestão.
Bolsonaro
entabula um quarto ministro na Saúde porque precisa do proverbial bode
expiatório para justificar a guinada inverossímil em curso no tocante às
vacinas que o presidente sempre negligenciou, quando não sabotou.
O
submisso general será assim sacrificado no altar da inconsequência impune a que
se habituou o ocupante do Planalto.
O
presidente pressionado pelo centrão reage diante do detectado recuo de popularidade
decorrente da escalada nas mortes, do colapso hospitalar nacionalizado e do
lento avanço na vacinação.
Tem
em vista empossar alguém com qualificação técnica, como os dois ministros
médicos que defenestrou por não se curvarem a suas ideias fixas, erradas e
cruéis.
Mais
que sintoma da patologia dissociativa imperante no Planalto a respeito da
pandemia, Bolsonaro encarna a própria causa etiológica do mal ali instalado.
Quer
um médico que defenda o inexistente tratamento precoce, faça pouco caso de
medidas eficazes de prevenção (máscaras e distanciamento social), releve o
negacionismo antivacina anterior e priorize a economia antes da saúde pública
—como se uma coisa não estivesse hoje ligada à outra.
Carece,
ainda, de um auxiliar palatável à patrulha de milicianos digitais que o
presidente açula sem pestanejar. Alguém que se disponha a abrir mão da paz de
espírito ao vê-la ameaçada de violência, como já ocorreu com a cardiologista
Ludhmila Hajjar apenas por ser cogitada para o cargo e prescrever a inadiável
correção de conduta.
Queiroga
conta tempo considerável de ligação com o presidente, tendo colaborado com sua
equipe de transição. Na melhor hipótese, poderá aproveitar as relações e a
oportunidade para viabilizar uma administração da pandemia mais racional e
menos conflituosa.
Sem
que Bolsonaro mude para além das aparências fugazes, entretanto, qualquer
ministro estará fadado a escolher entre a pusilanimidade de Pazuello e o
caminho de volta para casa.
Mães atrás das grades – Opinião / Folha de S. Paulo
Não
se cumpre a contento norma para conversão de prisão preventiva em domiciliar
O
número de mulheres presas aumentou exponencialmente no país nas duas últimas
décadas, de 5.600 detentas em 2000 para 37,2 mil em 2019, segundo o
levantamento nacional de informações penitenciárias do Ministério da Justiça
(Infopen). Apesar de uma queda de 2016 (41 mil) para 2018 (36,4 mil), os
números são assustadores.
Nesse
cenário, é particularmente preocupante a situação de mães ou grávidas. Não se
trata de uma parcela irrelevante da população carcerária feminina. De acordo
com mapeamento realizado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) em
abril de 2020, do total de mulheres presas 12,8 mil são mães de crianças até 12
anos.
A
elas a lei, no artigo 318 do Código de Processo Penal, dá o direito de terem a
prisão preventiva convertida em domiciliar. Em 2018, a Segunda Turma do Supremo
Tribunal Federal reforçou que essa deve ser a regra, não a exceção, estendida
para adolescentes e mães de filhos com deficiência.
Não
é o que tem ocorrido de maneira uniforme. Segundo contagem da Defensoria
Pública do Rio de Janeiro, em 553 casos de mulheres que participaram de
audiências de custódia entre janeiro de 2019 e janeiro de 2020 e que preenchiam
os requisitos legais para cumprir prisão domiciliar, 25% delas não
tiveram o direito garantido.
Apesar
da resistência de juízes que negam a aplicação da decisão do STF e da lei, a
importância e o impacto do habeas corpus coletivo de 2018 não devem ser
ignorados.
Se
a Justiça libera 3 de cada 4 mães presas, a medida tem surtido efeito, mesmo
que ainda insuficiente. Isso, de modo algum, deve servir de justificativa para
o Judiciário deixar de aplicar o dispositivo legal nos demais casos.
A
essa situação se soma, neste período de pandemia, a recusa de magistrados a
cumprir a resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de transferir para o
regime domiciliar acusados de crimes não violentos e pertencentes a grupos
vulneráveis, incluindo mulheres grávidas e lactantes.
O
CNJ editou norma em janeiro deste ano para dar efetividade à orientação. Entre
as medidas previstas, inclui-se a necessidade de que os estabelecimentos penais
e socioeducativos tenham informação sobre as mulheres que se enquadrem naquelas
condições.
Aos
juízes cabe cumprir o determinado sem o preconceito de gênero que caracteriza
um Poder ainda majoritariamente masculino.
Pandemia acentua déficits do país na frente social – Opinião / Valor Econômico
São
necessárias nove gerações, 225 anos, para uma criança nascida no grupo dos 10%
mais pobres atingir o nível médio de rendimento do país
Depois
da escalada de mortes, um dos balanços mais dolorosos da pandemia do novo
coronavírus é o do estrago que produz na área social. A pandemia prejudica em
várias frentes ao provocar o empobrecimento das pessoas, inviabilizar o
funcionamento normal das escolas, ampliar o desemprego e achatar a renda. Todos
esses problemas ameaçam persistir neste ano no Brasil, que acaba de fechar mais
uma década perdida.
A
queda de 4,1% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado resultou em recuo
de 4,8% do índice per capita. Segundo cálculo do Instituto Brasileiro de
Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), baseado em números do Fundo
Monetário Internacional (FMI), o PIB per capita brasileiro teve queda de 0,6%,
de 2011 a 2020, levando em consideração a Paridade do Poder de Compra (PPC).
Queda igual ocorreu na década de 1980, a primeira conhecida como década
perdida, sob influência da crise da dívida externa, do fim do regime militar e
da aceleração da inflação.
A
nova década perdida começou com o fim de um ciclo de alta das commodities, foi
marcada por decisões erradas na economia no mandato de Dilma Rousseff e uma
persistente recessão entre o fim de 2014 até 2016, que culminou com o
impeachment da ex-presidente. A partir daí houve uma recuperação medíocre,
atropelada pela greve dos caminhoneiros em 2018, pelo desastre de Brumadinho,
pela crise argentina e pela guerra comercial internacional, em 2019. Análise
dos especialistas da FGV Claudio Considera e Juliana Trece lembra que o próprio
Banco Central estima que esses três eventos tiraram 0,67 ponto percentual do
PIB de 2019. Como se tudo isso não bastasse, sobreveio a pandemia que jogou o
país de volta à recessão.
Na
comparação da variação média anual do PIB per capita, o Brasil registrou recuo
de 0,2%, resultado sofrível em comparação com o crescimento médio anual de 2,5%
dos demais emergentes e de 0,4% da média global.
O
desempenho prejudicou o mercado de trabalho, a renda, a educação e a saúde. A
taxa de desemprego atingiu 13,5% em 2020, com o número de desempregados
chegando a 13,9 milhões. No último trimestre de 2020, a população ocupada era
de 86,2 milhões de pessoas, quase 10 milhões abaixo do nível pré-covid de 95
milhões. A renda média do trabalhador ficou em R$ 2.507, com tendência de
queda. Como muitos menos estão empregados, a massa de rendimentos real
habitualmente recebida por todas as pessoas ocupadas somou R$ 210,7 bilhões no
quarto trimestre, número 6,5% inferior ao de igual período de 2019, ou R$ 14,8
bilhões menor.
O
auxílio emergencial funcionou como amortecedor. Mas ele acabou neste ano e como
o desemprego segue elevado, a situação da população mais necessitada ficou
difícil. Segundo cálculos do Ibre/FGV, a pobreza extrema atingiu entre 10% e
15% da população, em janeiro, e a pobreza, entre 30% e 35% - bem acima dos 9,6%
e 25%, respectivamente, de 2019.
Na
educação, se 90% dos alunos de escolas particulares conseguiram interagir com
os professores no ano passado, inclusive com recursos virtuais, segundo a
pesquisa “Juventudes e a pandemia do coronavírus”, apenas 30% dos estudantes da
rede pública foram bem-sucedidos.
A
precariedade do ensino vai acentuar as falhas de desempenho dos estudantes que
ficaram entre os 21 piores no mais recente exame internacional Pisa, aplicado
em 2018, pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
em jovens de 15 anos de 79 países.
O
conjunto emperra ainda mais a mobilidade social, que, desde os tempos
coloniais, nunca foi fácil no país. Estudo da OCDE de 2018 colocou o Brasil
como segundo pior entre 30 estudados em mobilidade social, medida pelo número
de gerações necessárias para uma criança nascida no grupo dos 10% mais pobres
atingir o nível médio de rendimento do país. No caso do Brasil, seriam
necessárias nove gerações, 225 anos. O mesmo número foi atribuído à África do
Sul. Somente tinha uma mobilidade pior a Colômbia, onde o período de ascensão
levaria 11 gerações, ou 275 anos. Na dianteira está a Dinamarca, onde a
ascensão social leva duas gerações, ou 50 anos. Na média dos países da OCDE,
são necessárias 4,5 gerações para que esta evolução ocorra.
A
mobilidade social deveria ser promovida não só porque beneficia as pessoas,
reduz conflitos e favorece a coesão social, qualidades das quais o país está
necessitado, como também é um firme alicerce para o crescimento econômico.
Pazuello jamais deveria ter assumido o cargo – Opinião / O Globo
A saída do general Eduardo Pazuello do Ministério da Saúde — ele será sucedido pelo cardiologista Marcelo Queiroga — acontece com dez meses de atraso. Sem experiência ou conhecimento na área da Saúde, jamais deveria ter assumido cargo de tamanha importância em plena pandemia. Só assumiu, em maio passado, por dizer amém às barbaridades mais estapafúrdias do chefe, ao contrário dos médicos que o antecederam, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. Pazuello foi escolhido para que o presidente Jair Boslonaro passasse a controlar a agenda do ministério, antes sujeita a critérios mais técnicos que políticos.
Em
nome dessa agenda, um de seus primeiros atos foi alterar o protocolo para uso
da cloroquina, droga comprovadamente ineficaz contra a Covid-19 que passou a
ser recomendada em todas as fases de tratamento. Ao mesmo tempo que dava início
à produção em massa de cloroquina nos laboratórios do Exército, o governo
desdenhava as vacinas e desprezou diversas oportunidades de garantir doses aos
brasileiros.
A
missão de Pazuello ficou clara no episódio da compra de vacinas do Instituto
Butantan, de São Paulo. Num raro momento em que ousou discordar do presidente,
Pazuello assinou um protocolo para comprar 46 milhões de doses da CoronaVac.
Bolsonaro o desautorizou dizendo que não compraria a “vacina do Doria”. “Um
manda, o outro obedece”, disse então um conformado Pazuello. A frase define sua
gestão. A escassez de vacinas levaria Bolsonaro a voltar atrás. Hoje a
CoronaVac responde por 75% dos vacinados no Brasil.
Sob
Pazuello, o Programa Nacional de Imunização, outrora modelo para o mundo,
tornou-se motivo de desespero. Em quase dois meses de campanha, o país vacinou
menos de 5% da população. Para março, ele prometera 46 milhões de doses. Depois
de um festival de hesitação, o número baixou para 25 milhões. Sem honrar os
cronogramas que ele próprio apresentava, prefeitos e governadores se
mobilizaram para comprar vacinas por conta própria.
A
marca da gestão Pazuello foi ter tornado o Brasil epicentro global da pandemia,
com quase 280 mil mortos. Em virtude do hábitat propício às novas variantes,
nos tornamos um risco para o planeta. Seu legado mais tenebroso foi a tragédia
em Manaus, onde pacientes morreram sem oxigênio. A responsabilidade de Pazuello
pela situação no Amazonas está sob investigação. Há evidências de que foi
alertado para a falta iminente de oxigênio, mas demorou a agir. Ele nega. É
fato que a força-tarefa do SUS em Manaus fazia relatos diários da escassez. Só
Pazuello não sabia. No curso das investigações, não soube dizer nem a data em
que foi informado da baixa dos estoques: disse que foi 8 de janeiro, depois 10,
11, 18…
Na
semana passada, enquanto o sistema de saúde entrava em coma por todo o país,
Pazuello disse que não havia colapso. A gestão das vacinas segue catastrófica.
No Rio, a campanha foi interrompida pela segunda vez. As trapalhadas vinham
incomodando os militares. Por Pazuello ser general da ativa, passou a
contaminar a imagem das Forças Armadas com seu desgaste. Enfrentava resistência
de governadores, prefeitos e secretários de Saúde.
Pelo
conjunto da obra, a saída de Pazuello era inevitável. Devemos torcer para
Queiroga promover uma mudança completa no ministério, mesmo sabendo que o
ministro de fato — Bolsonaro — permanece. O país não aguenta mais tanta
incompetência.
Maior
disposição em tomar vacina é boa notícia. Só faltam as doses – Opinião / O
Globo
O medo legítimo de contrair Covid-19 parece ter vencido o medo infundado da vacina, que chegou a ser patrocinado por ninguém menos que o presidente da República, Jair Bolsonaro. Uma pesquisa da empresa Ipsos e do Fórum Econômico Mundial feita no mês passado em 15 países revelou que os brasileiros são os mais ávidos pela vacinação, como mostrou reportagem do “Jornal Nacional”. Segundo o levantamento, no Brasil 89% se disseram dispostos a vacinar-se, ante 87% no Reino Unido, 85% na Itália e 82% na Espanha e na China.
Boa
notícia também é que o interesse pela vacina cresceu — em dezembro do ano
passado, quando a empresa fez sondagem semelhante, o percentual de brasileiros
que se diziam dispostos a estender o braço à agulha caíra a apenas 65%.
Evidentemente, de lá para cá o cenário mudou. As aglomerações de fim de ano e a
circulação de novas variantes mais contagiosas do Sars-CoV-2 fizeram explodir o
numero de casos de Covid-19 em todas as regiões do país e levaram o sistema de
saúde ao colapso. O Brasil vive hoje o pior momento em pouco mais de um ano de
pandemia. Ao mesmo tempo, o sucesso da vacinação noutros países pode ter
contribuído para a maior disposição do brasileiro em vacinar-se.
Registre-se
que ela aumentou mesmo na falta de uma campanha consistente de apoio à
imunização por parte do governo federal. As que existem são iniciativas da
sociedade, como a do consórcio de veículos de imprensa ou as de governos
estaduais.
De
nada adianta a disposição do cidadão, porém, se não há vacinas disponíveis para
todos. Faz amanhã dois meses que o país começou a campanha. Não atingimos ainda
5% de imunizados, um vexame. Não é que não tenhamos capacidade para ir além. Na
campanha contra a gripe, chegamos a vacinar um milhão de pessoas por dia. O que
falta são estoques, pela absoluta incapacidade do governo de se planejar, como
fizeram outros países. Cidades têm interrompido a vacinação devido à escassez
de doses.
Uma
projeção do painel MonitoraCovid, da Fiocruz, mostrou que, mantido o
malemolente ritmo atual, só conseguiremos vacinar todos os brasileiros em 995
dias, ou mais de dois anos e meio. Seria catastrófico, considerando o
agravamento da doença, a quantidade de variantes em circulação e a escalada do
número de mortes, que já beira 280 mil. Para imunizar a população até o fim
deste ano, seria preciso triplicar os números atuais.
Claro que a situação pode mudar — ontem, ainda ministro da Saúde, Eduardo Pazuello anunciou a compra de 100 milhões de doses da Pfizer/BioNTech e 38 milhões da Janssen. Há sinais de que o governo despertou, ainda que tarde, para a importância de assegurar vacinas a todos — o maior deles é a troca do próprio Pazuello, responsável por não termos antecipado a tempo o número necessário de doses. Mesmo assim, a solução para melhorar os índices de vacinação ainda parece distante e será sem dúvida o principal desafio de seu sucessor.
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