Crescimento
em 2021 não vai refletir situação material de boa parte da população nos
próximos meses
O Brasil deve
crescer em 2021. Possivelmente a alta do PIB será a maior em mais de dez anos. Entretanto, de
forma incomum, o crescimento do PIB nos próximos meses deve coincidir com
elevações do desemprego e da pobreza – a recordes. O PIB não vai contar boa
parte da história.
Vale
entender melhor como o PIB tem se comportado. A atividade econômica no Brasil,
em 2020, sofreu uma queda menor que a de outros países – em boa parte pelos
efeitos do auxílio emergencial. O País chegou a subir posições na lista
de maiores economias do mundo, para o 8.º lugar – segundo os dados do Fundo Monetário Internacional (FMI).
A
imprensa deu grande ênfase a outro resultado, o de que o Brasil teria na
verdade perdido posições nesse ranking, e inclusive saído do top 10. Isso só
ocorre em uma comparação menos apropriada, que refletisse menos a variação do
PIB e mais a forte queda do real, que diminuiria o valor do nosso PIB em outras
moedas.
A
comparação mais comum, porém, levando em conta o poder de compra das moedas,
teria o Brasil ganhando posições – como nas estimativas do FMI em que
supera França e Reino Unido.
Afinal, em um dia em que o dólar sobe
muito os brasileiros não ficam necessariamente mais pobres.
Se o Brasil ganhou posições na comparação internacional do PIB em 2020, e em 2021 deve crescer bem mais do que na média da última década, qual é então o problema?
O
problema é que o crescimento da economia nos próximos meses não deve alcançar
tanto os trabalhadores informais, os desempregados, os fora da força de
trabalho. O agravamento da pandemia afetará o emprego informal e também o
formal. E o orçamento do auxílio emergencial será um sexto do que foi em
2020.
Mesmo
quando a curva de mortes voltar a níveis menores, muitos ainda estarão afetados
pela crise. São trabalhadores de ocupações que demorarão para registrar a
normalidade de 2019, ou de empresas que já não existem mais. Ainda que se
beneficiem pelo auxílio emergencial reduzido, o novo valor só será pago por
alguns meses. Depois, voltaremos ao Bolsa Família,
que na ausência de reformas é uma rede incapaz de segurar a alta da pobreza
extrema que vai ocorrer.
A
divergência entre a situação mostrada por indicadores da atividade econômica
como o PIB e indicadores do mercado de trabalho e renda já ocorre há alguns
meses. Com a redução do auxílio emergencial ao fim de 2020, e a sua suspensão
na virada do ano, milhões de famílias tiveram uma queda significativa de renda.
A situação da pandemia manteve o mercado de trabalho difícil. Mas tudo que
indicava que o PIB vinha crescendo.
O
Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), divulgado ontem e
considerado uma prévia do PIB, sugere que em janeiro deste ano a economia já
estava em patamar próximo do de janeiro de 2020. Mas pelo menos alguns milhões
não recuperaram seus empregos, e a pobreza está em alta (o que melhorará um
pouco, é verdade, com o novo auxílio, ainda que reduzido).
Veja
o leitor que o mero retorno da economia ao nível pré-pandemia, por ocorrer
depois de uma queda, significa uma variação positiva: crescimento. Essa espécie
de “efeito sanfona” do PIB também acontecerá em outros países, que apresentarão
crescimento forte sem que haja melhora das condições de vida em relação a
2019.
Em
especial, PIB crescendo com pobreza crescendo significa aumento da
desigualdade. A sociedade deve querer então outras bússolas para este ano que
não o PIB. Ele certamente vale a torcida, mas por condições atípicas não vai
refletir a evolução da situação material de boa parte da população nos próximos
meses.
Para
onde devemos olhar então? A taxa de desemprego é agora outro indicador problemático,
porque muitos que deixaram de trabalhar não estão necessariamente procurando
ativamente uma vaga – porque não querem se contaminar pelo vírus. Eles não são
computados na taxa de desemprego. Pelos dados do Google,
a procura por vagas até subiu após o fim do auxílio emergencial, mas a piora da
covid e as medidas restritivas devem continuar mantendo parte dos sem emprego
em casa.
Assim,
a taxa de desemprego tradicional, mesmo aumentando, ainda não vai absorver todo
o drama. A imprensa deve passar a divulgar mais estimativas da taxa que
contemplem essa população que queria trabalhar, mas não está na busca
(desemprego oculto, sombra). Idealmente, o IBGE poderia já fazer essa projeção ao divulgar os
resultados da Pnad.
Devemos
dar ênfase também às estimativas de taxas de pobreza e de pobreza extrema, que
não foram preocupantes em 2020 por conta do amplo auxílio emergencial – que,
sabemos, acabou naquele formato. O complicador aqui é outro: essas não são
projetadas mensalmente pelo governo. Vale ficar de olho, portanto, no trabalho
da academia – como o da FGV Social.
Com
a bússola errada será mais difícil chegarmos ao lugar certo.
*Doutor em economia
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