É
a PEC Emergencial. Tempo perdido em meio à emergência da crise sanitária
No
melhor cenário, a chamada PEC Emergencial mudará muito pouco a gestão das
contas públicas. Costumo dizer que o Brasil é pródigo em criar regras fiscais,
mas nem tanto em cumpri-las. Desta vez, nem mesmo a criação foi promissora.
Eventual ajuste decorrente da proposta de emenda à Constituição só virá em
2025. No caso dos Estados e municípios, as medidas serão facultativas e sua
aplicação, incerta.
O
teto de gastos foi mantido, mas ficou sem sanção para o caso de burla. Rompê-lo
poderia ensejar, a partir de agora, crime de responsabilidade. Os gatilhos –
medidas automáticas de ajuste –, que já estavam previstos na regra do teto,
serão acionados quando as despesas obrigatórias superarem 95% das despesas
primárias (não incluem juros da dívida), ambas sujeitas ao teto. Os gatilhos
impedem reajuste salarial a servidores, criação de despesas, correção do
salário mínimo acima da inflação e contratação de pessoal (a não ser para repor
aposentadorias).
As contas da Instituição Fiscal Independente (IFI), contudo, mostram que os 95% só seriam atingidos em 2025. Em 2020 o indicador ficou em 92,6% e em 2021 a projeção é de 93,4%. Assim, levando em conta que o objetivo era tomar medidas “emergenciais”, o porcentual proposto foi mal calibrado. Algumas áreas poderão acionar gatilhos mais cedo, já que a regra será aplicada por Poder e por órgão, mas sem efeito agregado relevante.
Então,
não haverá reforço do ajuste fiscal. A ideia do Ministério da Economia era
trocar o auxílio emergencial pela aprovação de um programa de consolidação
fiscal. Isso não ocorreu. O auxílio foi viabilizado pela PEC, mas não haverá
contenção adicional do gasto ou geração de novas receitas em horizonte de
quatro anos.
Mais
do que isso, em 2022, ano eleitoral, a porta para reajustes salariais estará aberta.
O teto de gastos precisará ser observado, mas um eventual espaço orçamentário
poderá ser canalizado para beneficiar certas categorias do serviço público.
Essa não é uma tendência nova sob o atual governo. Basta ver que a reforma da
previdência dos militares, em 2019, garantiu reajustes com custo de R$ 7,1
bilhões já em 2021. O restante dos servidores não ganhou o mesmo tratamento.
Durante
a votação da PEC Emergencial na Câmara dos Deputados, o governo firmou acordo
que enfraqueceu os gatilhos. A possibilidade de barrar as chamadas progressões
e promoções dos servidores, no cenário de gatilhos acionados, saiu do texto.
Em live do dia 11 de março, o presidente da República destacou essa
blindagem, citando servidores da área de segurança pública e das Forças
Armadas. A mudança abrange todos, mas essa revelação de preferência é digna de
nota.
Na
parte que trata do auxílio emergencial, constitucionalizou-se a permissão para
financiá-lo por crédito extraordinário. Essa prerrogativa já estava prevista na
Constituição, justificadas a imprevisibilidade e a urgência do gasto. Dado o
ritmo lento da vacinação, as medidas restritivas à circulação e ao comércio
terão de ser mantidas para preservar vidas e evitar o colapso total do sistema
hospitalar. Isso retardará a recuperação da renda e do emprego. O risco é
claro: para editar um provável novo crédito extraordinário, fora do teto, outra
PEC será requerida.
A
PEC Emergencial trata também dos chamados gastos tributários, hoje em torno de
R$ 308 bilhões – ou 4,3% do produto interno bruto (PIB). São as desonerações,
os regimes especiais e as isenções tributárias que o Estado carrega há décadas
sem nenhuma revisão ou avaliação. O texto aprovado obriga o governo a enviar ao
Congresso, em até seis meses, um plano para redução dessas renúncias. No
entanto, foram ressalvados programas que correspondem a 50% do volume total. No
primeiro ano ele teria de diminuir 10% e em até oito anos, a 2% do PIB. Não há
sanção prevista para o caso de o plano não ser aprovado, como alertou a jurista
Élida Graziane.
As
regras criadas para os Estados e municípios contemplam gatilhos iguais aos da
União, mas o critério é distinto. Se a despesa corrente ultrapassar 95% da
receita corrente, as medidas poderão ser tomadas. A escolha será do prefeito ou
do governador. Quem não se ajustar não terá mais aval do Tesouro Nacional em
operações de crédito, a exemplo de empréstimos em bancos ou organismos
multilaterais. No cálculo do Tesouro, 14 Estados já estariam em condição de
acionar os gatilhos (95%). Contudo, pelos dados dos Estados, conforme mostrou a
economista Vilma Pinto, nenhum governo estadual atingiu 95% em 2020.
Em resumo, o auxílio sairá do papel, autorizado pela PEC, mas poderá ser insuficiente. As compensações, em termos de redução de despesas ou aumento de receitas, não vieram. O arcabouço fiscal ficará mais complexo e, no caso da União, dificilmente produzirá efeitos concretos antes de 2025, véspera do ano em que a regra do teto poderá ser alterada, conforme prevê a Constituição. A PEC é um remendo novo em tecido velho. Tempo perdido em meio à emergência da crise sanitária.
*Diretor Executivo da IFI e professor do IDP
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