Mudar
o rumo do governo seria admitir que Bolsonaro foi diretamente responsável por
dezenas de milhares de mortes
Os protestos
pró-Bolsonaro que tomaram o Brasil neste domingo foram marcados
por muito fanatismo, muitos pedidos de golpe militar e muita teoria da
conspiração.
O
sentimento de revolta que movia os participantes, contudo, é em parte
compreensível. Voltar a fechar grande parte da economia —o que significa falir
negócios, destruir empregos, desamparar famílias, aumentar o estresse
doméstico— é desesperador. Só uma situação muito crítica justifica esse tipo de
medida drástica.
Se
ainda não está claro para alguém, a situação está crítica. O estado de São
Paulo, por exemplo, triplicou os leitos de UTI disponíveis, e mesmo assim os
internados logo excederão a capacidade do sistema.
Outros estados vivem situação similar. Dos pacientes de Covid-19 que são internados em UTI, mais da metade sucumbe. O único jeito de impedir essa tragédia de aumentar ainda mais é reduzir as aglomerações e, paralelamente, acelerar o tanto quanto possível nossa única porta de saída: a vacinação em massa.
Para
os manifestantes, as medidas de
isolamento de governadores são um plano para se capitalizar
politicamente e contrariar o presidente. Se fosse, seria o plano mais estúpido
da história. Não há nada mais impopular do que impor medidas duras sobre a
população. Quem tenta se capitalizar politicamente é quem vê a tragédia
chegando e nada faz, exceto, pela terceira vez na pandemia, mudar seu ministro
da Saúde.
Neste
momento, não sabemos o que esperar do sucessor de Pazuello, o presidente
da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Marcelo Queiroga.
Antes, especulou-se sobre a médica Ludhmila Hajjar, profissional competente e
ética. Durante a pandemia, ela defendeu as medidas de isolamento, foi contra a
promoção de cloroquina, foi favorável ao uso de máscara e combateu a
politização da doença. Ela trabalha com base na ciência. Ou seja, é
diametralmente oposta a tudo que o governo federal fez e faz.
Mudar
o rumo do governo seria admitir que o presidente foi diretamente responsável
—não por ignorância, e sim por má-fé— por dezenas de milhares de mortes.
Bolsonaro não mudará; não vai em momento nenhum assumir a responsabilidade do
cargo ou algo que o valha. Continuará igualmente inepto e mal-intencionado.
Precisará, portanto, de um novo Pazuello. O que está em jogo não é uma medida
ou outra; é a própria essência do bolsonarismo, um movimento de fanatização das
massas para permitir que Bolsonaro continue no poder e siga agindo contra a
população impunemente. No momento em que ele abandonar o discurso vitimista e
for julgado por seus resultados, o projeto implode.
A
única possibilidade de mudança virá caso Bolsonaro aceite entregar o ministério
ao centrão. Zelar pela saúde pública é impossível; jogar o ministério mais rico
de todos nas mãos dos interesses fisiológicos do Congresso, aí sim, pode
acontecer. E quem negará que já seria um avanço? O Brasil atual só nos permite
sonhar baixo.
*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.
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