O
país tem uma conta de capital aberta, mas uma conta de comércio fechada. É uma
receita pronta para o crescimento empobrecedor
É
significativa a alta dos preços das mercadorias desde o início da pandemia. A
causa principal é a forte desvalorização do real. Os preços dos serviços, que
embutem basicamente o custo da mão de obra, nem de perto sobem na mesma
proporção. A razão é o enorme desemprego provocado pela pandemia.
Não
obstante o alto desemprego, são frequentes as demandas para que o Banco Central
comece a “normalizar”, ou seja, a aumentar a taxa de juros para combater a alta
de preços. Será que devia mesmo?
O
que se observa é um aumento dos preços das mercadorias em relação aos dos serviços.
Essa mudança de preços relativos pode gerar um surto de inflação ou não, ainda
não sabemos. A indexação impulsiona, mas o desemprego segura. Por isso, não é
claro que essa mudança deva ser combatida com um aumento preventivo da taxa de
juros, que não diferencia mercadorias de serviços. Juros mais altos reduzem
igualmente a demanda por mercadorias e por serviços, agravando o desemprego.
Há
outros instrumentos à mão. O mais interessante seria uma redução de impostos
sobre as mercadorias importadas e de outras barreiras (antidumping e
sanitárias, por exemplo) que impedem que as importações possam fazer baixar os
preços no mercado interno. Deixem entrar o aço da Argentina, as bananas do
Equador, a carne do Paraguai, o café robusta da África.
Essa redução das barreiras à importação uniria o útil ao agradável. Pois contribuiria para o tão necessário aumento da produtividade, além de reduzir as pressões inflacionárias.
Aumentos
da produtividade dependem de empresas que usem tecnologia de última geração com
insumos modernos, que explorem economias de escala, que se especializem em
linhas de produção para as quais são mais qualificadas, e que atuem num
ambiente de concorrência. Essas características somente se obtêm com
participação nas cadeias internacionais de valor. Uma vez perguntaram a Carlos
Ghosn porque os Renaults produzidos no Brasil não eram tão bons quanto os da
França. Resposta dele: deixem-me importar partes e peças da Europa que eu faço
Renaults tão bons quanto os de lá.
Desde
a Segunda Grande Guerra, doze países conseguiram sair da renda média para se
tornarem países ricos. Coreia do Sul, Hong Kong, Israel, Cingapura e Taiwan
chegaram lá com exportações industriais. Espanha, Grécia, Irlanda e Portugal,
com exportações de serviços. Austrália, Nova Zelândia e Noruega, com
exportações de recursos naturais. As características dos produtos variam de
acordo com as respectivas vantagens comparativas, o fator comum é a integração
à economia mundial. O Brasil é grande e diversificado o suficiente para não ter
que escolher entre setores de atividade, como foi o caso desses países. À
semelhança dos EUA, pode tê-los todos - agricultura, mineração, indústria e
serviços -, desde que integrados ao comércio internacional.
Esses
doze países têm mercados internos menores do que o do Brasil. Mas países
maiores que o Brasil são também grandes exportadores: Estados Unidos, China,
Alemanha, Japão, França e Reino Unido. Já o Brasil, que em 2018 tinha a oitava
maior economia do mundo, era apenas o 25º maior exportador. O PIB do Brasil
representava 3% do PIB mundial, mas suas exportações apenas 1,1% das
exportações mundiais. Um gigantinho em termos de PIB, o Brasil é um anão em
termos de exportações.
O
que se constata nas exportações se repete nas importações. Em 2018, a parcela
das importações no PIB brasileiro foi de apenas 11,6%, o menor valor entre os
164 países considerados pelo Banco Mundial.
Trata-se
de uma situação paradoxal, porque em 2018 o Brasil foi também o sexto destino
mais preferido para o investimento direto estrangeiro no mundo. O país tem uma
conta de capital aberta, mas uma conta de comércio fechada. É uma receita
pronta para o crescimento empobrecedor. As multinacionais e seus empregados
prosperam ao explorar o mercado interno protegido, mas o resto do país
empobrece ao ter seus recursos aplicados na substituição ineficiente de
importações em lugar de se dedicarem à expansão das exportações.
O
momento para a abertura é este. A balança comercial é positiva. Jamais tivemos
uma taxa de câmbio tão desvalorizada. A indústria tem dificuldade de aumentar a
produção não por falta de demanda, mas pela dificuldade de conseguir peças e
componentes.
O
Ministro da Economia parece ter sucumbido aos lobbies empresariais, declarando
que só pensará na abertura comercial depois da reforma tributária. O argumento
é falacioso, pois impostos altos e distorcidos aplicam-se igualmente aos
produtos nacionais e aos importados.
Senti
isso pessoalmente no mês passado. Face ao agravamento da pandemia, resolvi
comprar máscaras com maior nível de proteção. Li no New York Times que a KN95
era equivalente à N95. Não a encontrando para venda em lojas brasileiras,
encomendei cem unidades a varejista americano. Face à pressa, fiz porte aéreo,
o que aliás me poupou de pagar o Adicional ao Frete para Renovação da Marinha
Mercante.
Entre
o preço da mercadoria e o frete aéreo, as cem máscaras custaram R$ 1.064, 51.
Qual não foi minha surpresa quando o entregador me disse que ainda devia R$
1.205,62 de impostos. Como assim, um produto essencial sem similar nacional,
devia haver isenção. Qual nada, apesar de estar prevista, como a importação foi
via aérea a alfândega carioca simplesmente ignorou a isenção e lascou 60% de
imposto de importação. Se eu quisesse reclamar, teria que devolver o produto.
Em cima dos 60%, mais ICMS e Fundo de Combate à Pobreza. Havia também o
desembaraço aduaneiro, isto é, o custo de verificar meu CPF, de calcular os impostos
e mais a tarifa aeroportuária de armazenagem. Tudo junto, 113% sobre o preço do
produto mais frete.
Moral
da história: por uma máscara que me custaria 79 centavos de dólar em Nova York
tive que pagar o equivalente a 4 dólares e 20 centavos no Rio de Janeiro - 5,3
vezes o preço americano. Agruras brasileiras. Mas também uma singela indicação
do enorme impacto que um alívio dos encargos sobre as importações poderia ter
para reduzir a inflação.
A
esperança está no presidente do Banco Central. Por que não levanta ele a
bandeira da abertura da economia dentro do governo? Teria assim um poderoso
instrumento adicional à Selic para combater a inflação. Seria uma bela adição à
Agenda BC#!
*Edmar Bacha é economista.
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