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O Globo
A
escolha do substituto do general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde é uma
situação típica de Catch-22, expressão muito usada nos países de língua
inglesa, especialmente nos Estados Unidos, oriunda de uma lei militar. Dá nome
a um livro de Joseph Heller, “Ardil-22” na versão brasileira, que se passa no
final da Segunda Guerra Mundial. Segundo o dicionário, caracteriza um problema
cuja solução é negada por uma circunstância inerente ao próprio problema. No
livro, o piloto que pede uma avaliação psicológica para escapar de missões
perigosas de bombardeios estará mostrando sua sensatez e será considerado apto
às mesmas missões perigosas.
É preciso mudar a política sanitária devido à repulsa provocada na população,
fazendo cair a popularidade do presidente Bolsonaro. Mas como mudar a política
sanitária, se o responsável por ela, o próprio presidente, não mudou a maneira
de pensar em relação ao distanciamento social, ao uso da máscara ou à
vacinação?
Se Bolsonaro escolhesse uma médica como Ludhmila Hajjar, estaria admitindo uma
mudança de comportamento. Como não é esse o caso, a indicada pelo Centrão
desistiu, incentivada por uma brutal guerrilha digital bolsonarista. O
presidente Bolsonaro sempre alega que seus seguidores nas redes sociais são
autônomos, não obedecem às suas ordens, o que é meia verdade. Veja-se a atuação
do gabinete do ódio de dentro do Palácio do Planalto.
A solução seria escolher uma pessoa ligada a ele, que pensasse como ele, como o
novo ministro escolhido, Marcelo Queiroga. Mas, para isso, por que demitir o
general Pazuello, que já se humilhou publicamente afirmando, sem que lhe
perguntassem, que “um manda, e o outro obedece”? O Centrão, por sua vez, também
se encontra numa situação de Catch-22.
Indicou a médica rejeitada pelos bolsonaristas, tendo a demonstração clara de
que seu peso político não decide tudo no governo Bolsonaro. Mas como continuar
apoiando um presidente que os leva para o precipício da impopularidade, ainda
mais agora que outro candidato forte se apresenta, o ex-presidente Lula, a quem
já serviram com grandes vantagens? Mas, também, abrir mão das benesses do
governo assim, de graça?
Típica situação de Catch-22 é a do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Edson Fachin, que, vendo que seria derrotado na Segunda Turma no julgamento da
suspeição do então juiz Sergio Moro, resolveu chutar o pau da barraca e anulou
quatro processos contra o ex-presidente Lula, mandando-os para a Justiça
Federal de Brasília.
Como a solução de um problema Catch-22 será sempre negada pelo próprio
problema, num conflito mútuo, Fachin pode perder tudo, não salvar a Lava-Jato,
que parece ter sido sua motivação para ir para tudo ou nada. Salvar a Lava-Jato
anulando as condenações do ex-presidente Lula é uma contradição em termos, pois
ele era um símbolo do sucesso da operação de combate à corrupção.
Claro que anular os processos não significa dá-lo por inocente, mas, para
efeitos políticos, Lula livre dá no mesmo. Fachin só poderá se livrar desse
efeito Catch-22 se o Supremo, mais uma vez, decidir não decidir. O ministro
Nunes Marques, que pediu vista do processo, pode ficar eternamente com ele,
como o próprio presidente da Segunda Turma, ministro Gilmar Mendes, ficou dois
anos até anunciá-lo na reunião da semana passada.
Se fizer isso, é sinal de que tem as costas quentes. Quem lhe esquenta as
costas, o presidente Bolsonaro, também nesse caso se encontra numa situação de
Catch-22. Para se vingar de Moro, seu inimigo mortal e talvez competidor em
2022, tem que aceitar a liberação de Lula, outro forte candidato contra
Bolsonaro. Para se livrar de Lula, precisa que o plenário vote contra Fachin e
que Nunes Marques segure o processo de suspeição até que o prazo para registrar
candidaturas se esgote. Agindo assim, estará fortalecendo Moro. Difícil combinação,
como é difícil, se não impossível, escapar do Catch-22.
Como todo brasileiro, terá que escolher a opção menos ruim para ele. Não foi
assim que chegou à Presidência da República, nos colocando, a nós, brasileiros,
numa situação de Catch-22? Para melhorar o país, só trocando o presidente. Mas
trocar o presidente pode nos levar a uma convulsão social. Melhor deixá-lo
sangrar até 2022. Lembram-se de Lula no mensalão?
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