sábado, 21 de agosto de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

A população não quer isso

O Estado de S. Paulo

Jair Bolsonaro tem feito um governo desastroso. Não apenas não governa – não enfrenta os problemas que lhe cabe enfrentar, especialmente os muitos desafios decorrentes da pandemia –, como cria continuamente confusões e problemas adicionais. Para agravar, o objetivo desta tática não é apenas desviar a atenção da inépcia de seu governo, mas tentar se manter no poder depois do término de seu mandato. Mostrando que não tem limites, Jair Bolsonaro já ameaçou até mesmo a realização das eleições do ano que vem.

Nesse cenário tenebroso, em que se verifica diariamente uma escalada de ignorância, incivilidade e desrespeito às regras mais básicas do regime democrático, há uma boa notícia. A população deu-se conta de quem é Jair Bolsonaro, não apoia o seu governo e não quer vê-lo por mais quatro anos na Presidência da República.

De forma recorrente, os institutos de pesquisa constatam o crescimento da rejeição a Jair Bolsonaro. Por exemplo, na pesquisa XP/Ipespe mais recente, 54% dos entrevistados disseram considerar o governo ruim ou péssimo. Em relação ao mês anterior, houve aumento de dois pontos porcentuais. O crescimento da rejeição ao governo de Jair Bolsonaro tem sido constante desde outubro de 2020, quando 31% disseram considerar a gestão ruim ou péssima.

Agora, apenas 23% dos entrevistados avaliaram o governo como bom ou ótimo. No mês anterior, 25% fizeram uma avaliação positiva da gestão Bolsonaro. São as piores avaliações desde o início de 2019. A pesquisa também relatou que 63% dos entrevistados desaprovam a maneira como o presidente Jair Bolsonaro administra o País.

Em contraste com o governo federal, a avaliação de governadores e prefeitos melhorou. Por exemplo, 49% dos entrevistados avaliaram as administrações municipais como boas ou ótimas. Apenas 14% classificaram-nas como ruins ou péssimas. Neste quesito, Jair Bolsonaro recebeu 40 pontos porcentuais a mais: 54% de avaliação negativa.

Outro dado relevante, a suscitar esperança: 61% disseram que não votariam em Jair Bolsonaro de jeito nenhum. Nesse quesito, Luiz Inácio Lula da Silva também mereceu destaque. Quase a metade da população (45%) disse que não votaria no líder petista de jeito nenhum.

Há, portanto, espaço para um candidato de centro, honesto e competente. Pode-se dizer que existe verdadeiro anseio de dispor de alguma opção minimamente responsável. O lulopetismo e o bolsonarismo já foram testados e categoricamente reprovados, como mostram as respectivas taxas de rejeição. “Persistir no que já se mostrou errado não será apenas burrice, será covardia”, disseram Horácio Lafer Piva, Pedro Wongtschowski e Pedro Passos, em artigo neste jornal (Nem Bolsonaro nem Lula, 13.8, A2).

Ao longo deste ano, foram abertas algumas frentes de investigação envolvendo o governo de Jair Bolsonaro. O Senado instaurou a CPI da Covid, a respeito das ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia. Há investigação para apurar se o presidente Jair Bolsonaro cometeu crime de prevaricação no caso da compra da vacina Covaxin. O chefe do Executivo federal também foi incluído no inquérito das fakes news do Supremo.

Tudo isso é de extrema relevância. As instituições não podem estar envolvidas, por meio de seus membros ou dirigentes, em práticas criminosas quaisquer que sejam. De toda forma, num regime democrático, é fundamental que a população esteja atenta e não tolere o que é intolerável. Ainda que investigue e puna os malfeitos, a Justiça é incapaz de dar solução às crises políticas. Isso cabe, em primeira instância, aos partidos – na escolha de sua lista de candidatos – e, depois, aos eleitores.

Por isso, a desaprovação popular de Jair Bolsonaro tem especial relevância. Sua pirraça contra as eleições e seus ataques a outros Poderes só o deixam mais isolado – o que é uma promissora notícia para o País. Da mesma forma, parte significativa dos eleitores não quer Luiz Inácio Lula da Silva de volta ao Palácio do Planalto. Não se esqueceram do que fez o lulopetismo quando lá esteve.

A pesquisa XP/Ipespe mostra que o eleitor não é indiferente ao presente e tampouco ao passado. E isso é um passo fundamental para que se construa um novo futuro.

A cesta, o mínimo e os ruídos

O Estado de S. Paulo

A cesta básica mais simples e mais barata, com 39 produtos essenciais, passou a custar quase tanto quanto um salário mínimo, em julho, na cidade de São Paulo, depois de uma alta de 0,44% no mês e de 22,18% em 12 meses. O custo chegou a R$ 1.064,79. Uma família com renda de um mínimo teria uma sobra de R$ 35,21, suficiente para um gasto adicional de pouco mais de 1 real por dia durante um mês. Que os pobres sejam os mais prejudicados pela inflação é fato conhecido há muito tempo. Os novos dados sobre a cesta básica tornam um pouco mais perceptível o drama de quem tenta sobreviver com o salário de referência. Os dados são da pesquisa realizada pelo Procon-SP em convênio com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Mas essa modestíssima cesta é quase uma ficção, um ideal praticamente inacessível à maior parte das pessoas. Seu valor é a soma dos preços mais baixos encontrados em 40 supermercados da capital paulista. É uma peregrinação fora do alcance da maior parte das pessoas. No máximo, o chamado cidadão comum conseguirá, com alguma sorte e muito empenho, encontrar os melhores preços em alguns endereços próximos, sem jamais igualar o padrão da pesquisa Procon-Dieese.

A cesta é formada por alimentos básicos e produtos de higiene pessoal e de limpeza doméstica. É necessário muito mais que um salário mínimo para cobrir o custo desses produtos e outras despesas essenciais, como aluguel, água, esgoto, gás e eletricidade. Esses itens compõem o custo da habitação, um dos mais pressionados no último ano.

Em julho, chegou a 0,96% a inflação oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Habitação foi o item com maior aumento, 3,1%, e maior impacto na formação do conjunto (0,48 ponto, metade do resultado geral). A alta acumulada em 12 meses atingiu 11,21%, superando a variação geral do IPCA (8,99%). Os combustíveis domésticos, incluído o gás, encareceram 27,51% – a maior elevação no conjunto dos custos habitacionais.

O quadro piora quando se examina a inflação por faixa de renda. Seis faixas são consideradas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Para as três inferiores, a inflação superou 9,50% nos 12 meses até julho. Para a mais baixa, atingiu 10,05%. Para a mais alta, ficou em 7,11%.

Pelo terceiro mês consecutivo, a inflação para as famílias mais pobres foi puxada pelo custo da habitação, com aumento de 0,74%. O maior impacto veio da alta de 7,88% da tarifa de energia elétrica. Mas os preços da alimentação, apesar de algum recuo, continuaram infernizando a população de baixa renda. Para o segmento com menor ganho mensal, a inflação acumulada em 12 meses, de 10,1%, foi a mais alta desde agosto de 2016 (10,6%), quando ainda era muito sensível a herança desastrosa deixada pela presidente Dilma Rousseff.

O País começou a livrar-se dessa herança no mandato do presidente Michel Temer, quando a economia voltou a crescer, a inflação foi contida e os juros básicos, depois de um aumento corretivo, começaram a declinar. Mas essa recuperação foi interrompida em 2019, no começo do mandato do presidente Jair Bolsonaro.

Naquele ano a economia cresceu menos que em 2018. Em 2020 chegou a pandemia. A expansão econômica estimada para 2021 levará o País de volta ao patamar de dois anos atrás. Para 2022 as projeções do Produto Interno Bruto (PIB) apontam crescimento em torno de míseros 2%. As estimativas de inflação, no entanto, já atingem 7,05% para este ano e 3,90% para o próximo.

“É impossível para qualquer banco central do mundo segurar as expectativas de inflação com um fiscal descontrolado”, disse na semana passada o presidente do BC, Roberto Campos Neto. No Brasil, sobram ruídos sobre o futuro das contas públicas – discussões sobre os precatórios, o aumento do Bolsa Família e os incentivos a alguns setores. Tudo isso é fonte de insegurança, de instabilidade cambial e de inflação. Pior para o País, especialmente quando a cesta básica já custa praticamente um salário mínimo.

Crise hídrica e de transparência

O Estado de S. Paulo

O Brasil atravessa a pior crise hídrica em mais de um século de medições meteorológicas no País. A estiagem afeta, principalmente, a Bacia do Rio Paraná, em cuja região hidrográfica estão os Estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná e São Paulo. Grandes usinas hidrelétricas estão concentradas nesta região, como as usinas de Jupiá, Ilha Solteira, Porto Primavera e Itaipu.

Atualmente, o País tem 83% de sua matriz elétrica produzida por fontes renováveis, de acordo com o Ministério de Minas e Energia (MME). A participação das hidrelétricas representa 64% do total destas fontes, seguida de muito longe pelas usinas eólicas (9,3%). Logo, uma crise hídrica da magnitude da que ora afeta o Brasil traz a reboque, é evidente, o risco de racionamento e apagões, a menos que se gere energia a partir de fontes muito mais caras e mais poluentes, como as termoelétricas.

É espantoso que, diante de um quadro que inspira extrema preocupação, o governo federal aja com pouca ou nenhuma transparência ao lidar com a crise. O MME não divulga um indicador que determine quando é o momento de adotar o racionamento de energia no País. Na realidade, a pasta confirmou ao Estado que nem sequer há este indicador, mas, sim, “uma análise multifatorial que leva em consideração a perspectiva de consumo e de chuvas para os próximos meses”. O que é isto não se sabe.

Famílias e empresas ficam às escuras, sem trocadilho, privadas que estão de informações claras sobre a probabilidade de terem de enfrentar uma falta de eletricidade no futuro próximo. Até a posse do presidente Jair Bolsonaro, as análises do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), coordenado pelo MME, eram publicadas mensalmente. A partir de janeiro de 2019, no entanto, os dados simplesmente deixaram de ser divulgados.

“O mundo busca parametrizações para a tomada de decisão. Utilizamos termômetro para monitorar febre, e a partir de 37,5 graus é recomendado o uso de analgésico. Utilizamos o Value at Risk (VaR) para dizer quando um portfólio financeiro deve ou não ser desfeito no setor financeiro”, disse ao Estado Alexandre Street, professor do Departamento de Engenharia Elétrica do CTC da PUC-Rio. “Por que não temos um índice de monitoramento da situação de abastecimento energético?”, questiona o professor. Na visão do especialista, não faltam metodologias para adoção de um indicador mais transparente para a sociedade, e sim “boa vontade e um pouco de organização institucional”.

O ministro Bento Albuquerque afirma que o governo federal “não trabalha com a hipótese de racionamento de energia” no País, mas a situação é muito menos confortável do que sua fala quer fazer parecer. A PSR, maior consultoria do setor energético em atividade no Brasil, estima entre 10% e 40% o risco de haver racionamento de energia entre os meses de setembro e novembro deste ano, a depender da demanda. Não é um risco desprezível.

Em meio a tantas intempéries de ordem moral, sanitária, política, social e econômica em sua campanha pela reeleição, é provável que Bolsonaro tenha desenvolvido alergia à simples menção das palavras “apagão” e “racionamento”. Porém, por mais poderoso que julgue ser, a vontade do presidente não tem o condão de fazer um problema simplesmente desaparecer. É seu dever enfrentar a crise e agir com absoluta transparência. A servir-lhe de exemplo, há a experiência do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso durante a crise energética de 2001. Aquela crise não foi trivial, como bem lembram os brasileiros que sofreram seus efeitos, mas em momento algum faltou comunicação com a sociedade.

Governo e sociedade devem agir em coordenação para mitigar os efeitos desta crise hídrica sem precedentes, cada um em suas esferas de responsabilidade. Sem conhecer plenamente a extensão da crise e os riscos envolvidos, a sociedade pouco pode fazer. Uma comunicação transparente deve prevalecer sobre os interesses eleiçoeiros de Bolsonaro. Os problemas da Nação são muito mais importantes do que os problemas de Bolsonaro.

Preço do desgoverno

Folha de S. Paulo

Deterioraram-se rapidamente, nos últimos dias, as expectativas para a evolução da economia no que resta do atual governo. Se neste ano está em curso uma recuperação precária e desigual de perdas provocadas pela pandemia, para 2022 surgem mais projeções de um desempenho abaixo do medíocre.

Sinais da piora dos humores se notam nos indicadores do mercado financeiro, de resposta sempre mais rápida. A cotação do dólar, que chegou a cair abaixo dos R$ 5 em junho, acumula alta de 8,5% desde então, segundo as médias diárias apuradas pelo Banco Central.

O índice da Bolsa de Valores, que passava dos 130 mil pontos há menos de dois meses, fechou em 118 mil nesta sexta-feira (20).

É espantoso que dois dos principais motivos para a onda de pessimismo sejam os mesmos que levaram ao colapso econômico de meados da década passada —a escalada da inflação e o descrédito na gestão das contas do governo.

Com a persistente aceleração dos preços ao consumidor, que tiveram variação de 8,99% em 12 meses, calcula-se que o BC será obrigado a prosseguir na elevação dos juros e a manter uma política monetária apertada no próximo ano, com uma taxa básica já projetada em 7,5% anuais, patamar que não se observa desde 2017.

Já o temor de uma nova crise orçamentária foi acentuado pelos movimentos desatinados do governo em busca da reeleição de Jair Bolsonaro, em especial com a proposta indecorosa de jogar para administrações futuras o pagamento de dívidas determinadas por sentenças judiciais.

A gestão da política econômica, a cargo do ministro Paulo Guedes, já dera fartas mostras de inoperância gerencial e desarticulação política, deixando que se aviltasse a agenda de reformas e privatizações. Agora coloca em risco a credibilidade de seu compromisso mais básico com o reequilíbrio fiscal.

Se há algo de tristemente original neste momento de sinistrose é um presidente da República a tumultuar o ambiente político e institucional, misturando seus pendores golpistas a sua aversão pelo trabalho de governar o país.

As mentiras, as bravatas, os conflitos estéreis e, sobretudo, a desídia de Bolsonaro já deixaram um trágico legado de mortes desnecessárias na pandemia, mas suas consequências nas políticas públicas —notadamente em educação e ambiente— ainda se farão sentir por muitos anos.

Na economia, o preço do desgoverno se paga de imediato, na forma de desemprego, informalidade, pobreza e inflação.

Vacina para o mundo

Folha de S. Paulo

Países ricos, sentados em estoques de centenas de milhões de doses de vacinas contra a Covid-19, fizeram ouvidos moucos à assertiva da Organização Mundial da Saúde sobre o fracasso moral da distribuição de imunizantes pelo mundo.

Nações como EUA, Israel, Uruguai, Hungria e Alemanha decidiram usar as vacinas de que dispõem para imunizar crianças e adolescentes ou para aplicar uma dose de reforço em quem já tem o esquema vacinal completo —enquanto expressiva parcela dos adultos do mundo ainda não está imunizada.

Existem, claro, argumentos em favor dessas escolhas. Os mais jovens, ao frequentar a escola e outros ambientes, contribuem para a disseminação do coronavírus; aqueles com comorbidades, ademais, podem desenvolver casos mais graves de Covid-19.

Entretanto, como se sabe, a vacinação é ato coletivo —e, em se tratando de pandemia, global. Não se elimina a doença apenas aumentando a proteção individual; é necessário que a cobertura alcance um percentual da população suficiente para que o patógeno enfrente dificuldade para infectar novas vítimas e vá se tornando raro.

Espalhando-se rapidamente pelo planeta, o Sars-CoV-2 demonstrou que não respeita fronteiras. Dispondo de condições para proliferar em parte dos países, continuará a se desdobrar em novas variantes, como as cepas já batizadas de alfa a delta —e outras que podem vir a escapar aos imunizantes.

Países ricos doaram até agora pouco mais de 100 milhões de doses ao consórcio Covax Facility, que pretende tornar mais equânime a distribuição no mundo, e prometem que o número ultrapassará 600 milhões até o final de 2022.

Outras transferências foram feitas diretamente a nações pobres, mas as cifras permanecem demasiado distantes das 11 bilhões de doses que a OMS estima serem necessárias para imunizar 70% da população mundial —e proteger, de fato, ricos e pobres da Covid-19.

Senado deveria marcar sabatina de André Mendonça

O Globo

O senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, marcou para terça-feira a sabatina do procurador-geral da República, Augusto Aras, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro a mais um mandato de dois anos. Mas decidiu segurar a do ex-ministro da Justiça e ex-advogado-geral da União André Mendonça, indicado à vaga aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello. Depois que Bolsonaro enviou ontem ao Senado o pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, Alcolumbre afirmou a senadores que não pautará a sabatina de Mendonça se não houver distensão.

A decisão carece de sentido. Mendonça foi indicado ao Supremo em 12 de julho, nove dias antes de Aras. Se Alcolumbre considera que Aras deverá enfrentar menos resistência entre os senadores ou acha que precisa enviar um recado a Bolsonaro, isso não lhe dá o direito de postergar a sabatina de um e acelerar a do outro. Ele tem o dever institucional de marcar ambas, e os senadores têm a obrigação de examinar os candidatos com rigor para avaliar se estão à altura dos cargos.

A sabatina não deveria ser mera formalidade com aprovação automática, como tem sido (desde o governo de Floriano Peixoto, jamais o Senado vetou uma indicação presidencial ao Supremo). É uma oportunidade para os senadores, como representantes legítimos da população, avaliarem se o candidato tem — além de mais de 35 anos, reputação ilibada e notório saber jurídico, como exige a Constituição — o conhecimento, a experiência jurídica e o prestígio necessários ao cargo.

Bolsonaro tem o mandato para (e o dever de) indicar quem quiser ao Supremo. Nada mais natural que, dadas as suas inclinações, escolha um conservador religioso como Mendonça. Os senadores, em contrapartida, têm a obrigação de proceder à sabatina com seriedade, avaliando o candidato não pelas preferências políticas ou religiosas, mas sobretudo pela competência jurídica. Se fizerem isso com zelo, poderão chegar à conclusão de que Mendonça tem até mais razão para estar no STF do que Aras para comandar a PGR, transformada nos últimos dois anos em caixa de repique do bolsonarismo.

Se Bolsonaro está em pé de guerra com o Supremo a ponto de querer o impeachment de ministros que o incomodam, isso em nada tira a legitimidade da indicação de Mendonça. Ela é, ao contrário, o caminho institucional correto para a visão conservadora estar mais representada na Corte.

Alcolumbre repete o erro cometido nos Estados Unidos pelo republicano Mitch McConnell, que se recusou a marcar a sabatina de Merrick Garland, indicado por Barack Obama à Suprema Corte, mas se apressou em sabatinar Amy Coney Barrett, indicada por Donald Trump, para garantir uma longeva maioria conservadora no tribunal. O custo da manobra para a democracia americana foi enorme.

O exemplo americano mostra que Alcolumbre não deveria usar sua atribuição temporária no comando da CCJ para atingir objetivos políticos. Ao agir assim, viola não apenas seu dever, mas também a regra implícita da democracia que preconiza convívio harmônico entre os Poderes. Num momento em que Bolsonaro não cessa de fazer acenos golpistas, ele põe em risco a credibilidade do Senado e só contribui para agravar a tensão institucional.

Milton Ribeiro constrange o país com visão excludente do ensino

O Globo

Não estivesse o país chocado já por tantos pronunciamentos estapafúrdios em todas as áreas, as declarações feitas na semana passada pelo ministro da Educação, pastor Milton Ribeiro, no programa “Sem censura”, da TV Brasil, teriam feito tremer os alicerces das escolas. Ao defender turmas exclusivas para educação especial, Ribeiro disse que crianças com deficiência “atrapalhavam entre aspas” os demais alunos em sala de aula. As declarações provocaram duras críticas de entidades que reúnem deficientes e defendem o ensino inclusivo.

Na quinta-feira, após uma visita a Recife, Ribeiro tentou se explicar. Acabou piorando a situação, ao dizer que se referia a crianças “com um grau de deficiência que é impossível a convivência”. No mesmo dia, o Ministério da Educação divulgou nota para tentar remendar o absurdo: “O ministro da Educação, Milton Ribeiro, já manifestou publicamente seu pedido de desculpas às pessoas que se sentiram ofendidas”. Como de praxe, Ribeiro alegou que frases foram tiradas de contexto. Balela. O material está gravado.

Por trás das declarações desastradas, está a defesa da equivocada Política Nacional de Educação Especial (PNEE), lançada em outubro do ano passado sem discussão com a sociedade, sob protestos de entidades do setor. Com o pretexto de ampliar vagas para alunos com deficiência na rede pública, o Ministério da Educação passou a estimular a criação de turmas especiais. É o contrário do que vinha sendo recomendado pela política de inclusão conquistada a duras penas e adotada com sucesso há algumas décadas no país.

De tão absurda, a nova política não parou de pé. Em 1º de dezembro de 2020, o ministro Dias Toffoli, do STF, concedeu liminar suspendendo os efeitos da PNEE. No fim do ano, em julgamento virtual, o plenário do Supremo referendou a decisão. Os ministros entenderam que tanto a Constituição quanto acordos internacionais exigem a educação inclusiva, em que crianças com deficiência possam conviver com os demais alunos no mesmo espaço.

Por mais que agora peça desculpas e tente desdizer o que disse claramente na TV oficial, Ribeiro não consegue disfarçar seu preconceito. Quarto ministro a ocupar o cargo no governo Bolsonaro e mais um a perpetrar o desastre na educação nacional, tem se empenhado mais na defesa da ideologia bolsonarista que na melhoria dos vergonhosos índices educacionais do país.

Em sua passagem pelo MEC, notabiliza-se por aparelhar o ministério, pelo esvaziamento de órgãos como o Inep, pela intromissão descabida nas provas do Enem (cogitou ter acesso antecipado às questões para que elas não desagradassem ao chefe) e pela inaceitável omissão durante a pandemia, quando o ministério foi mero espectador do caos no ensino. A pasta deixou de gastar recursos que poderiam preparar as escolas para a tardia volta às aulas.

Agora foi além. Como pode um ministro da Educação proferir tamanha barbaridade, ter visão tão excludente, limitada e mesquinha do ensino?

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