EDITORIAIS
A população não quer isso
O Estado de S. Paulo
Jair Bolsonaro tem feito um governo
desastroso. Não apenas não governa – não enfrenta os problemas que lhe cabe
enfrentar, especialmente os muitos desafios decorrentes da pandemia –, como
cria continuamente confusões e problemas adicionais. Para agravar, o objetivo
desta tática não é apenas desviar a atenção da inépcia de seu governo, mas
tentar se manter no poder depois do término de seu mandato. Mostrando que não
tem limites, Jair Bolsonaro já ameaçou até mesmo a realização das eleições do
ano que vem.
Nesse cenário tenebroso, em que se verifica
diariamente uma escalada de ignorância, incivilidade e desrespeito às regras
mais básicas do regime democrático, há uma boa notícia. A população deu-se
conta de quem é Jair Bolsonaro, não apoia o seu governo e não quer vê-lo por
mais quatro anos na Presidência da República.
De forma recorrente, os institutos de pesquisa constatam o crescimento da rejeição a Jair Bolsonaro. Por exemplo, na pesquisa XP/Ipespe mais recente, 54% dos entrevistados disseram considerar o governo ruim ou péssimo. Em relação ao mês anterior, houve aumento de dois pontos porcentuais. O crescimento da rejeição ao governo de Jair Bolsonaro tem sido constante desde outubro de 2020, quando 31% disseram considerar a gestão ruim ou péssima.
Agora, apenas 23% dos entrevistados
avaliaram o governo como bom ou ótimo. No mês anterior, 25% fizeram uma
avaliação positiva da gestão Bolsonaro. São as piores avaliações desde o início
de 2019. A pesquisa também relatou que 63% dos entrevistados desaprovam a
maneira como o presidente Jair Bolsonaro administra o País.
Em contraste com o governo federal, a
avaliação de governadores e prefeitos melhorou. Por exemplo, 49% dos
entrevistados avaliaram as administrações municipais como boas ou ótimas.
Apenas 14% classificaram-nas como ruins ou péssimas. Neste quesito, Jair
Bolsonaro recebeu 40 pontos porcentuais a mais: 54% de avaliação negativa.
Outro dado relevante, a suscitar esperança:
61% disseram que não votariam em Jair Bolsonaro de jeito nenhum. Nesse quesito,
Luiz Inácio Lula da Silva também mereceu destaque. Quase a metade da população
(45%) disse que não votaria no líder petista de jeito nenhum.
Há, portanto, espaço para um candidato de
centro, honesto e competente. Pode-se dizer que existe verdadeiro anseio de
dispor de alguma opção minimamente responsável. O lulopetismo e o bolsonarismo
já foram testados e categoricamente reprovados, como mostram as respectivas
taxas de rejeição. “Persistir no que já se mostrou errado não será apenas
burrice, será covardia”, disseram Horácio Lafer Piva, Pedro Wongtschowski e
Pedro Passos, em artigo neste jornal (Nem Bolsonaro nem Lula, 13.8, A2).
Ao longo deste ano, foram abertas algumas
frentes de investigação envolvendo o governo de Jair Bolsonaro. O Senado
instaurou a CPI da Covid, a respeito das ações e omissões do governo federal no
enfrentamento da pandemia. Há investigação para apurar se o presidente Jair
Bolsonaro cometeu crime de prevaricação no caso da compra da vacina Covaxin. O
chefe do Executivo federal também foi incluído no inquérito das fakes news do
Supremo.
Tudo isso é de extrema relevância. As
instituições não podem estar envolvidas, por meio de seus membros ou
dirigentes, em práticas criminosas quaisquer que sejam. De toda forma, num
regime democrático, é fundamental que a população esteja atenta e não tolere o
que é intolerável. Ainda que investigue e puna os malfeitos, a Justiça é
incapaz de dar solução às crises políticas. Isso cabe, em primeira instância,
aos partidos – na escolha de sua lista de candidatos – e, depois, aos eleitores.
Por isso, a desaprovação popular de Jair
Bolsonaro tem especial relevância. Sua pirraça contra as eleições e seus
ataques a outros Poderes só o deixam mais isolado – o que é uma promissora
notícia para o País. Da mesma forma, parte significativa dos eleitores não quer
Luiz Inácio Lula da Silva de volta ao Palácio do Planalto. Não se esqueceram do
que fez o lulopetismo quando lá esteve.
A pesquisa XP/Ipespe mostra que o eleitor
não é indiferente ao presente e tampouco ao passado. E isso é um passo fundamental
para que se construa um novo futuro.
A cesta, o mínimo e os ruídos
O Estado de S. Paulo
A cesta básica mais simples e mais barata,
com 39 produtos essenciais, passou a custar quase tanto quanto um salário
mínimo, em julho, na cidade de São Paulo, depois de uma alta de 0,44% no mês e
de 22,18% em 12 meses. O custo chegou a R$ 1.064,79. Uma família com renda de
um mínimo teria uma sobra de R$ 35,21, suficiente para um gasto adicional de
pouco mais de 1 real por dia durante um mês. Que os pobres sejam os mais
prejudicados pela inflação é fato conhecido há muito tempo. Os novos dados
sobre a cesta básica tornam um pouco mais perceptível o drama de quem tenta
sobreviver com o salário de referência. Os dados são
da pesquisa realizada pelo Procon-SP em convênio com o Departamento
Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Mas essa modestíssima cesta é quase uma
ficção, um ideal praticamente inacessível à maior parte das pessoas. Seu valor
é a soma dos preços mais baixos encontrados em 40 supermercados da capital
paulista. É uma peregrinação fora do alcance da maior parte das pessoas. No
máximo, o chamado cidadão comum conseguirá, com alguma sorte e muito empenho,
encontrar os melhores preços em alguns endereços próximos, sem jamais igualar o
padrão da pesquisa Procon-Dieese.
A cesta é formada por alimentos básicos e
produtos de higiene pessoal e de limpeza doméstica. É necessário muito mais que
um salário mínimo para cobrir o custo desses produtos e outras despesas
essenciais, como aluguel, água, esgoto, gás e eletricidade. Esses itens compõem
o custo da habitação, um dos mais pressionados no último ano.
Em julho, chegou a 0,96% a inflação
oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Habitação foi o item com maior aumento, 3,1%, e maior impacto na formação do
conjunto (0,48 ponto, metade do resultado geral). A alta acumulada em 12 meses
atingiu 11,21%, superando a variação geral do IPCA (8,99%). Os combustíveis
domésticos, incluído o gás, encareceram 27,51% – a maior elevação no conjunto
dos custos habitacionais.
Pelo terceiro mês consecutivo, a inflação
para as famílias mais pobres foi puxada pelo custo da habitação, com aumento de
0,74%. O maior impacto veio da alta de 7,88% da tarifa de energia elétrica. Mas
os preços da alimentação, apesar de algum recuo, continuaram infernizando a
população de baixa renda. Para o segmento com menor ganho mensal, a inflação
acumulada em 12 meses, de 10,1%, foi a mais alta desde agosto de 2016 (10,6%),
quando ainda era muito sensível a herança desastrosa deixada pela presidente
Dilma Rousseff.
O País começou a livrar-se dessa herança no
mandato do presidente Michel Temer, quando a economia voltou a crescer, a
inflação foi contida e os juros básicos, depois de um aumento corretivo,
começaram a declinar. Mas essa recuperação foi interrompida em 2019, no começo
do mandato do presidente Jair Bolsonaro.
Naquele ano a economia cresceu menos que em
2018. Em 2020 chegou a pandemia. A expansão econômica estimada para 2021 levará
o País de volta ao patamar de dois anos atrás. Para 2022 as projeções do
Produto Interno Bruto (PIB) apontam crescimento em torno de míseros 2%. As
estimativas de inflação, no entanto, já atingem 7,05% para este ano e 3,90%
para o próximo.
“É impossível para qualquer banco central
do mundo segurar as expectativas de inflação com um fiscal descontrolado”,
disse na semana passada o presidente do BC, Roberto Campos Neto. No Brasil,
sobram ruídos sobre o futuro das contas públicas – discussões sobre os
precatórios, o aumento do Bolsa Família e os incentivos a alguns setores. Tudo
isso é fonte de insegurança, de instabilidade cambial e de inflação. Pior para
o País, especialmente quando a cesta básica já custa praticamente um salário
mínimo.
Crise hídrica e de transparência
O Estado de S. Paulo
O Brasil atravessa a pior crise hídrica em
mais de um século de medições meteorológicas no País. A estiagem afeta,
principalmente, a Bacia do Rio Paraná, em cuja região hidrográfica estão os
Estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná e São Paulo. Grandes
usinas hidrelétricas estão concentradas nesta região, como as usinas de Jupiá,
Ilha Solteira, Porto Primavera e Itaipu.
Atualmente, o País tem 83% de sua matriz
elétrica produzida por fontes renováveis, de acordo com o Ministério de Minas e
Energia (MME). A participação das hidrelétricas representa 64% do total destas
fontes, seguida de muito longe pelas usinas eólicas (9,3%). Logo, uma crise
hídrica da magnitude da que ora afeta o Brasil traz a reboque, é evidente, o
risco de racionamento e apagões, a menos que se gere energia a partir de fontes
muito mais caras e mais poluentes, como as termoelétricas.
É espantoso que, diante de um quadro que
inspira extrema preocupação, o governo federal aja com pouca ou nenhuma
transparência ao lidar com a crise. O MME não divulga um indicador que
determine quando é o momento de adotar o racionamento de energia no País. Na
realidade, a pasta confirmou ao Estado que nem sequer há este
indicador, mas, sim, “uma análise multifatorial que leva em consideração a
perspectiva de consumo e de chuvas para os próximos meses”. O que é isto não se
sabe.
Famílias e empresas ficam às escuras, sem
trocadilho, privadas que estão de informações claras sobre a probabilidade de
terem de enfrentar uma falta de eletricidade no futuro próximo. Até a posse do
presidente Jair Bolsonaro, as análises do Comitê de Monitoramento do Setor
Elétrico (CMSE), coordenado pelo MME, eram publicadas mensalmente. A partir de
janeiro de 2019, no entanto, os dados simplesmente deixaram de ser divulgados.
“O mundo busca parametrizações para a
tomada de decisão. Utilizamos termômetro para monitorar febre, e a partir de
37,5 graus é recomendado o uso de analgésico. Utilizamos o Value at Risk (VaR)
para dizer quando um portfólio financeiro deve ou não ser desfeito no setor
financeiro”, disse ao Estado Alexandre Street, professor do
Departamento de Engenharia Elétrica do CTC da PUC-Rio. “Por que não temos um
índice de monitoramento da situação de abastecimento energético?”, questiona o
professor. Na visão do especialista, não faltam metodologias para adoção de um
indicador mais transparente para a sociedade, e sim “boa vontade e um pouco de
organização institucional”.
O ministro Bento Albuquerque afirma que o
governo federal “não trabalha com a hipótese de racionamento de energia” no
País, mas a situação é muito menos confortável do que sua fala quer fazer
parecer. A PSR, maior consultoria do setor energético em atividade no Brasil,
estima entre 10% e 40% o risco de haver racionamento de energia entre os meses
de setembro e novembro deste ano, a depender da demanda. Não é um risco
desprezível.
Em meio a tantas intempéries de ordem
moral, sanitária, política, social e econômica em sua campanha pela reeleição,
é provável que Bolsonaro tenha desenvolvido alergia à simples menção das
palavras “apagão” e “racionamento”. Porém, por mais poderoso que julgue ser, a
vontade do presidente não tem o condão de fazer um problema simplesmente
desaparecer. É seu dever enfrentar a crise e agir com absoluta transparência. A
servir-lhe de exemplo, há a experiência do ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso durante a crise energética de 2001. Aquela crise não foi trivial, como
bem lembram os brasileiros que sofreram seus efeitos, mas em momento algum
faltou comunicação com a sociedade.
Governo e sociedade devem agir em
coordenação para mitigar os efeitos desta crise hídrica sem precedentes, cada
um em suas esferas de responsabilidade. Sem conhecer plenamente a extensão da
crise e os riscos envolvidos, a sociedade pouco pode fazer. Uma comunicação
transparente deve prevalecer sobre os interesses eleiçoeiros de Bolsonaro. Os
problemas da Nação são muito mais importantes do que os problemas de Bolsonaro.
Preço do desgoverno
Folha de S. Paulo
Deterioraram-se rapidamente, nos últimos
dias, as expectativas para a evolução da economia no que resta do atual
governo. Se neste ano está em curso uma recuperação precária e desigual de
perdas provocadas pela pandemia, para 2022 surgem mais projeções de um
desempenho abaixo do medíocre.
Sinais da piora dos humores se notam nos
indicadores do mercado financeiro, de resposta sempre mais rápida. A cotação do
dólar, que chegou a cair abaixo dos R$ 5 em junho, acumula alta de 8,5% desde
então, segundo as médias diárias apuradas pelo Banco Central.
O índice da Bolsa de Valores, que passava
dos 130 mil pontos há menos de dois meses, fechou em 118 mil nesta sexta-feira
(20).
É espantoso que dois dos principais motivos
para a onda de pessimismo sejam os mesmos que levaram ao colapso econômico de
meados da década passada —a escalada da inflação e o descrédito na gestão das
contas do governo.
Com a persistente aceleração dos preços ao
consumidor, que tiveram variação de 8,99% em 12 meses, calcula-se que o BC será
obrigado a prosseguir na elevação dos juros e a manter uma política monetária
apertada no próximo ano, com uma taxa básica já projetada em 7,5% anuais,
patamar que não se observa desde 2017.
Já o temor de uma nova crise orçamentária
foi acentuado pelos movimentos desatinados do governo em busca da reeleição de
Jair Bolsonaro, em especial com a proposta indecorosa de jogar para
administrações futuras o pagamento de dívidas determinadas por sentenças
judiciais.
A gestão da política econômica, a cargo do
ministro Paulo Guedes, já dera fartas mostras de inoperância gerencial e
desarticulação política, deixando que se aviltasse a agenda de reformas e
privatizações. Agora coloca em risco a credibilidade de seu compromisso mais
básico com o reequilíbrio fiscal.
Se há algo de tristemente original neste
momento de sinistrose é um presidente da República a tumultuar o ambiente
político e institucional, misturando seus pendores golpistas a sua aversão pelo
trabalho de governar o país.
As mentiras, as bravatas, os conflitos
estéreis e, sobretudo, a desídia de Bolsonaro já deixaram um trágico legado de
mortes desnecessárias na pandemia, mas suas consequências nas políticas
públicas —notadamente em educação e ambiente— ainda se farão sentir por muitos
anos.
Na economia, o preço do desgoverno se paga
de imediato, na forma de desemprego, informalidade, pobreza e inflação.
Vacina para o mundo
Folha de S. Paulo
Países ricos, sentados em estoques de
centenas de milhões de doses de vacinas contra a Covid-19, fizeram ouvidos
moucos à assertiva da Organização Mundial da Saúde sobre o fracasso moral da
distribuição de imunizantes pelo mundo.
Nações como EUA, Israel, Uruguai, Hungria e
Alemanha decidiram usar as vacinas de que dispõem para imunizar crianças e
adolescentes ou para aplicar uma dose de reforço em quem já tem o esquema
vacinal completo —enquanto expressiva parcela dos adultos do mundo ainda não
está imunizada.
Existem, claro, argumentos em favor dessas
escolhas. Os mais jovens, ao frequentar a escola e outros ambientes, contribuem
para a disseminação do coronavírus; aqueles com comorbidades, ademais, podem
desenvolver casos mais graves de Covid-19.
Entretanto, como se sabe, a vacinação é ato
coletivo —e, em se tratando de pandemia, global. Não se elimina a doença apenas
aumentando a proteção individual; é necessário que a cobertura alcance um
percentual da população suficiente para que o patógeno enfrente dificuldade
para infectar novas vítimas e vá se tornando raro.
Espalhando-se rapidamente pelo planeta, o
Sars-CoV-2 demonstrou que não respeita fronteiras. Dispondo de condições para
proliferar em parte dos países, continuará a se desdobrar em novas variantes,
como as cepas já batizadas de alfa a delta —e outras que podem vir a escapar
aos imunizantes.
Países ricos doaram até agora pouco mais de
100 milhões de doses ao consórcio Covax Facility, que pretende tornar mais
equânime a distribuição no mundo, e prometem que o número ultrapassará 600
milhões até o final de 2022.
Outras transferências foram feitas diretamente a nações pobres, mas as cifras permanecem demasiado distantes das 11 bilhões de doses que a OMS estima serem necessárias para imunizar 70% da população mundial —e proteger, de fato, ricos e pobres da Covid-19.
Senado deveria marcar sabatina de André
Mendonça
O Globo
O senador Davi Alcolumbre (DEM-AP),
presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, marcou para
terça-feira a sabatina do procurador-geral da República, Augusto Aras, indicado
pelo presidente Jair Bolsonaro a mais um mandato de dois anos. Mas decidiu
segurar a do ex-ministro da Justiça e ex-advogado-geral da União André
Mendonça, indicado à vaga aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) com a
aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello. Depois que Bolsonaro enviou
ontem ao Senado o pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes,
Alcolumbre afirmou a senadores que não pautará a sabatina de Mendonça se não
houver distensão.
A decisão carece de sentido. Mendonça foi
indicado ao Supremo em 12 de julho, nove dias antes de Aras. Se Alcolumbre
considera que Aras deverá enfrentar menos resistência entre os senadores ou
acha que precisa enviar um recado a Bolsonaro, isso não lhe dá o direito de postergar
a sabatina de um e acelerar a do outro. Ele tem o dever institucional de marcar
ambas, e os senadores têm a obrigação de examinar os candidatos com rigor para
avaliar se estão à altura dos cargos.
A sabatina não deveria ser mera formalidade
com aprovação automática, como tem sido (desde o governo de Floriano Peixoto,
jamais o Senado vetou uma indicação presidencial ao Supremo). É uma
oportunidade para os senadores, como representantes legítimos da população,
avaliarem se o candidato tem — além de mais de 35 anos, reputação ilibada e
notório saber jurídico, como exige a Constituição — o conhecimento, a
experiência jurídica e o prestígio necessários ao cargo.
Bolsonaro tem o mandato para (e o dever de)
indicar quem quiser ao Supremo. Nada mais natural que, dadas as suas
inclinações, escolha um conservador religioso como Mendonça. Os senadores, em
contrapartida, têm a obrigação de proceder à sabatina com seriedade, avaliando
o candidato não pelas preferências políticas ou religiosas, mas sobretudo pela competência
jurídica. Se fizerem isso com zelo, poderão chegar à conclusão de que Mendonça
tem até mais razão para estar no STF do que Aras para comandar a PGR,
transformada nos últimos dois anos em caixa de repique do bolsonarismo.
Se Bolsonaro está em pé de guerra com o
Supremo a ponto de querer o impeachment de ministros que o incomodam, isso em
nada tira a legitimidade da indicação de Mendonça. Ela é, ao contrário, o
caminho institucional correto para a visão conservadora estar mais representada
na Corte.
Alcolumbre repete o erro cometido nos
Estados Unidos pelo republicano Mitch McConnell, que se recusou a marcar a
sabatina de Merrick Garland, indicado por Barack Obama à Suprema Corte, mas se
apressou em sabatinar Amy Coney Barrett, indicada por Donald Trump, para
garantir uma longeva maioria conservadora no tribunal. O custo da manobra para
a democracia americana foi enorme.
O exemplo americano mostra que Alcolumbre
não deveria usar sua atribuição temporária no comando da CCJ para atingir
objetivos políticos. Ao agir assim, viola não apenas seu dever, mas também a
regra implícita da democracia que preconiza convívio harmônico entre os
Poderes. Num momento em que Bolsonaro não cessa de fazer acenos golpistas, ele
põe em risco a credibilidade do Senado e só contribui para agravar a tensão
institucional.
Milton Ribeiro constrange o país com visão
excludente do ensino
O Globo
Não estivesse o país chocado já por tantos
pronunciamentos estapafúrdios em todas as áreas, as declarações feitas na
semana passada pelo ministro da Educação, pastor Milton Ribeiro, no programa
“Sem censura”, da TV Brasil, teriam feito tremer os alicerces das escolas. Ao
defender turmas exclusivas para educação especial, Ribeiro disse que crianças
com deficiência “atrapalhavam entre aspas” os demais alunos em sala de aula. As
declarações provocaram duras críticas de entidades que reúnem deficientes e
defendem o ensino inclusivo.
Na quinta-feira, após uma visita a Recife,
Ribeiro tentou se explicar. Acabou piorando a situação, ao dizer que se referia
a crianças “com um grau de deficiência que é impossível a convivência”. No
mesmo dia, o Ministério da Educação divulgou nota para tentar remendar o
absurdo: “O ministro da Educação, Milton Ribeiro, já manifestou publicamente
seu pedido de desculpas às pessoas que se sentiram ofendidas”. Como de praxe,
Ribeiro alegou que frases foram tiradas de contexto. Balela. O material está
gravado.
Por trás das declarações desastradas, está
a defesa da equivocada Política Nacional de Educação Especial (PNEE), lançada
em outubro do ano passado sem discussão com a sociedade, sob protestos de
entidades do setor. Com o pretexto de ampliar vagas para alunos com deficiência
na rede pública, o Ministério da Educação passou a estimular a criação de
turmas especiais. É o contrário do que vinha sendo recomendado pela política de
inclusão conquistada a duras penas e adotada com sucesso há algumas décadas no
país.
De tão absurda, a nova política não parou
de pé. Em 1º de dezembro de 2020, o ministro Dias Toffoli, do STF, concedeu
liminar suspendendo os efeitos da PNEE. No fim do ano, em julgamento virtual, o
plenário do Supremo referendou a decisão. Os ministros entenderam que tanto a Constituição
quanto acordos internacionais exigem a educação inclusiva, em que crianças com
deficiência possam conviver com os demais alunos no mesmo espaço.
Por mais que agora peça desculpas e tente
desdizer o que disse claramente na TV oficial, Ribeiro não consegue disfarçar
seu preconceito. Quarto ministro a ocupar o cargo no governo Bolsonaro e mais
um a perpetrar o desastre na educação nacional, tem se empenhado mais na defesa
da ideologia bolsonarista que na melhoria dos vergonhosos índices educacionais do
país.
Em sua passagem pelo MEC, notabiliza-se por
aparelhar o ministério, pelo esvaziamento de órgãos como o Inep, pela
intromissão descabida nas provas do Enem (cogitou ter acesso antecipado às
questões para que elas não desagradassem ao chefe) e pela inaceitável omissão
durante a pandemia, quando o ministério foi mero espectador do caos no ensino.
A pasta deixou de gastar recursos que poderiam preparar as escolas para a
tardia volta às aulas.
Agora foi além. Como pode um ministro da Educação proferir tamanha barbaridade, ter visão tão excludente, limitada e mesquinha do ensino?
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