Revista Veja
Os radicais fazem barulho, mas mandam pouco no cotidiano público
Em um momento em que a tensão institucional
permeia o cenário político, é importante saber até onde a instabilidade poderá
nos levar. Para tal, é relevante entender as forças institucionais que atuam no
país e as suas motivações.
O primeiro ponto que gostaria de abordar é
o fato de o Brasil de hoje ser um país com múltiplos polos de poder. O que se
revela, por exemplo, na dificuldade de se chegar a consensos em torno de
matérias polêmicas, como uma ampla reforma tributária ou mesmo a reforma
política.
O segundo ponto que devemos considerar é
que a multipolaridade de atores atua de forma a conter excessos. Não somos um
país onde poucas oligarquias controlam os destinos da nação. Existem vários
atores com poder político atuando na disputa por recursos, influências e
políticas públicas.
O terceiro ponto é que a prevalência que o
Poder Executivo tinha sobre os demais poderes foi abalada pela Constituição de
1988, ainda que tenha demorado algumas décadas para isso se revelar por
inteiro.
Considerando os três pontos mencionados,
conclui-se que temos uma realidade multipolar de atores e de tendências que
impede que apenas uma força prevaleça — de forma isolada — sobre as demais.
Dois extremos de nossa política — Lula e Bolsonaro — só conseguiram alguma governabilidade a partir do momento em que fizeram alianças com forças políticas de outros campos ideológicos.
“A maior ameaça à democracia está na
desigualdade. E é sobre ela que devemos concentrar os nossos esforços”
Lula, que empreendeu uma caminhada ao
centro ainda na campanha eleitoral de 2002, consolidou-a com as ações permeadas
pelo escândalo do mensalão, em 2005. Bolsonaro, que anunciou o fim do toma lá
dá cá, rendeu-se às coalizões em 2020 para assegurar alguma proteção política
no final de sua gestão e a possibilidade de reeleição em 2022.
Na prática, os radicais, de lado a lado,
servem para compor um cenário em que fazem muito barulho, mas mandam pouco no
resultado final das políticas públicas. Lula teve em Henrique Meirelles uma
âncora de previsibilidade, assim como Bolsonaro tem em Roberto Campos Neto.
Quem ameaça a previsibilidade desequilibra
as relações multipolares dos detentores de poder. Nesse sentido, vale dizer que
os principais atores e segmentos políticos do país querem previsibilidade e
estabilidade institucional. Inclusive aqueles que são lembrados como potenciais
ameaças às regras institucionais.
Respondendo à pergunta embutida no início
desta coluna, vemos franjas radicais que podem causar ruído, mas com pouca
capacidade de romper a institucionalização. Pois ainda que estejamos em
processo de aperfeiçoamento de nossas instituições — e há desequilíbrios graves
—, existe um desejo da maioria dos detentores de poder político no Brasil de
que as transformações ocorram by the book. Ou seja, seguindo a letra
constitucional.
O que fica claro nos dias de hoje é que a
ameaça real reside na fome e no abandono de milhões de brasileiros que vivem à
margem da economia, longe do alcance dos serviços públicos essenciais e que
sofrem com a inflação nos alimentos e o desemprego. São oito anos sem
crescimento econômico relevante. E o que vem por aí parece não poder demolir as
taxas de desemprego. Enfim, a maior ameaça à nossa democracia está na
desigualdade. E é sobre ela que devemos concentrar os nossos esforços.
Publicado em VEJA de 25 de agosto de 2021, edição nº 2752
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