O Globo
Primeiro, foram empresários da economia
real. Depois, a eles se juntaram banqueiros e economistas do primeiro time. E,
agora, o mercado financeiro também entrou no processo de divórcio com o governo
Bolsonaro e, muito especialmente, com o ministro Paulo Guedes.
As previsões para os números
macroeconômicos já vinham piorando havia semanas: perspectiva de inflação,
juros e dólar em alta, expectativa de PIB cada vez menor para este e o próximo
ano. Mas isso era percepção. “Só” percepção, se dizia, que poderia mudar assim
que o governo e o Congresso se entendessem sobre um Orçamento minimamente
equilibrado para 2022 e, com sorte, sobre algumas reformas (tributária?) e
privatizações.
O presidente do Banco Central, Roberto
Campos Neto, procurou acalmar os mercados justamente com esta tese: tudo isso
passa quando o governo mostrar de onde vem o dinheiro para os diversos gastos.
Mas na semana passada aconteceu algo real
no mercado financeiro, que não acontecia havia mais de ano: nos contratos de
futuros, os títulos do governo foram negociados a juros de quase 11% anuais.
Isso revela enorme desconfiança em relação à capacidade de o governo entregar qualquer coisa que ao menos pareça controle de contas públicas — gastos abaixo do teto — ou reformas.
Ontem o ministro Guedes praticamente
sepultou a reforma do Imposto de Renda — no que foi um raro momento de bom
senso. Ele disse que, se for para piorar o sistema, então é melhor deixar como
está — que é muito ruim.
Sempre pensamos que era impossível
complicar e pesar ainda mais o sistema tributário brasileiro. Pois as últimas
discussões sobre a reforma do IR mostram que estávamos todos errados.
E reparem: há bons projetos de reforma
tributária já longamente discutidos, que até alcançaram um bom nível de apoio.
Mas uma mudança dessas exige um presidente que lidere não apenas sua gente, mas
todo o país, incluindo governadores, prefeitos, empresários e as pessoas, enfim
todo mundo que sofre os efeitos positivos ou negativos do sistema de pagamento
de impostos. E mais um ministro da Economia que também saiba ligar o mundo
econômico ao político.
Não é o caso, nem de um nem de outro.
Tudo somado e subtraído, temos: o ritmo de
recuperação deste ano cai em relação ao previsto no início do ano, quando se
achava que a vacinação permitiria a abertura plena da economia; o crescimento
em 2022 está apontando para menos de 2%, que é o — baixo — nível de expansão
natural do Brasil; desemprego permanecendo elevado; inflação e juros em alta.
O dólar deveria cair, não é mesmo? Se os
juros estão altos, se a renda fixa e os títulos do Tesouro voltaram a ser
atraentes, era de esperar que investidores externos viessem com muitos dólares
para aproveitar esses rendimentos. Ainda mais que os juros continuam a zero lá
no mundo desenvolvido.
Mas o dólar continua alto por aqui, bem
acima dos R$ 5. É outro claro sinal de desconforto. É seguro investir num país
em que o presidente é ameaça às instituições e o governo tem duas políticas
econômicas? Sim, duas: uma, a supostamente liberal do ministro Guedes; e a
outra, do Orçamento paralelo, ou secreto, comandado pelo Centrão.
Assim nos encaminhamos para um ano de
eleições gerais. Bolsonaro está confinado a seu núcleo duro e nada indica que
possa sair dali. Sua popularidade desmancha semana a semana.
Isso abre uma enorme avenida para Lula, que já está jogando em todo o país. Mas também abre espaço para a terceira via, um candidato de centro — que ainda não está em campo. Mas toda aquela gente que está em processo de divórcio com Bolsonaro procura justamente essa terceira via. Seria ridículo ter votado em Bolsonaro para tirar Lula, depois votar em Lula para tirar Bolsonaro.
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