sábado, 21 de agosto de 2021

A força das Marx: Obras mostram como as filhas do autor de ‘O capital’ tinha luz própria

Ruan de Sousa Gabriel / O Globo

 “Não importava quão comprometidos estivessem com a causa, nem Marx nem Jenny queriam ver as filhas condenadas a viver com aqueles tipos de homens que subiam a escada estreita da Dean Street, batendo à porta deles com a barriga vazia, mas com a cabeça cheia de sonhos radicais”, escreve Mary Gabriel em “Amor e capital”. O casal Marx sonhava que suas três filhas — Jenny, Laura e Eleanor — encontrassem maridos cultos e pudessem “constituir suas famílias sem preocupações financeiras ou políticas”. No entanto, as três escolheram tipos como o pai: revolucionários sem muito jeito para ganhar dinheiro.

Em 1872, Jenny se casou com Charles Longuet, herói da Comuna de Paris. Inicialmente, Marx considerou Longuet “bom e digno”, embora preferisse que a filha tivesse escolhido “um inglês e não um francês que, combinado às qualidades nacionais de charme, naturalmente não deixa de ter sua fraqueza e irresponsabilidade”. Segundo Gabriel, a senhora Marx reclamava da indolência, das mentiras e da “baboseira francesa” do genro. “Minha distinta filha merece coisa melhor”, escreveu numa carta.

Jenny e Longuet tiveram seis filhos, dos quais apenas dois chegaram à vida adulta. Em 1880, após anistia aos communards, Jenny acompanhou o marido de volta à França. Em uma carta a Laura, afirmou: “nem a rotina maçante do trabalho fabril é pior do que os intermináveis afazeres domésticos”.

Laura também se casou com um exilado político: Paul Lafargue. Nascido em Cuba e mestiço, Lafargue estudou medicina na França até ser expulso da universidade por pregar o socialismo. Exilou-se após a derrota da Comuna e, em Londres, conheceu Laura. Marx se incomodava com certa afobação de Lafargue perto de Laura, que atribuía ao “temperamento creole” do rapaz, e lhe remeteu uma carta duríssima. “Se na presença dela você for incapaz de amar de maneira condizente com a latitude de Londres, terá de se contentar com amá-la a distância”, escreveu o alemão, que ainda exigiu do rapaz “uma clara explicação de sua situação econômica”. Laura e Lafargue tiveram três filhos, mas nenhum sobreviveu à infância. Os dois dedicaram a vida à luta socialista e cometeram suicídio em 1911. Considerado pouco diligente pelo sogro, Lafargue é autor de “O direito à preguiça”.

Biógrafo de Marx, José Paulo Netto afirma que a relação dele com os genros “oscilou entre o paternalismo e o bom humor”.

— As restrições de Marx a ambos também eram teóricas e políticas e se acentuaram com a idade. Ele os achava pouco cultos e pouco estudiosos, ainda que tivessem protagonismo no movimento socialista francês — explica.

Mudança de testamento

Depois de Longuet e Lafargue, o casal Marx precisou engolir outro francês: Hippolyte Prosper-Olivier Lissagaray.

— Marx não esperava que as filhas encontrassem partidões burgueses, mas quando Eleanor apareceu com o terceiro exilado francês foi a gota d’água — diz Lia Urbini, tradutora de “Eleanor Marx: uma vida”.

Lissagaray era 17 anos mais velho do que Eleanor. Apesar da resistência dos pais, o relacionamento durou até 1880, quando ele voltou à França depois da anistia. Após a morte de Marx, em 1883, Eleanor foi viver com Edward Aveling. Ela foi a única das irmãs a não se casar legalmente. Eleanor apontou Aveling como seu herdeiro e determinou que ele recebesse os royalties das obras de Marx após a morte dela. Dias antes cometer suicídio, ao saber que ele se casara em segredo com uma atriz, mudou seu testamento.

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