A questão fiscal tem tudo a ver com essas
demandas sociais. O orçamento público explicita as formas de arrecadação das
receitas através dos tributos e o perfil do gasto público. Isto é central na
democracia. A democracia e o orçamento público nasceram juntos como uma forma
de dar transparência e previsibilidade no financiamento das atividades do
Estado.
Há muito, o Brasil enfrenta uma profunda crise fiscal. O Estado se agigantou e os déficits se acumularam com seus conhecidos impactos. Como não conseguimos produzir uma verdadeira reforma do Estado e de sua organização administrativa, vamos, de soluço em soluço, adotando gambiarras para equacionar o desiquilíbrio das contas do governo. Neste cenário, os investimentos são pífios, a qualidade do gasto e das políticas públicas é comprometida e o retorno para a sociedade que paga impostos cada vez menor.
O atual governo acenava com uma política
liberal de redução da máquina estatal, promoção das reformas administrativa e
tributária e responsabilidade fiscal. Mas o discurso inicial foi abandonado e
restou uma percepção clara de falta de rumos. A reforma tributária
transformou-se num projeto de lei de aumento do Imposto de Renda, que não
resolve nenhum dos problemas essenciais e cria novas distorções.
Sem conseguir promover reformas
estruturantes na tributação e no gasto e pressionado a expandir despesas em ano
eleitoral, propôs ao Congresso Nacional a PEC 23/2021, a PEC dos Precatórios,
que abala ainda mais a credibilidade de nossa política fiscal, promovendo um
verdadeiro calote disfarçado em direitos líquidos e certos de cidadãos
brasileiros. Os precatórios são a materialização de dívidas do Estado com
empresas e pessoas obtidas por decisões judiciais irreversíveis. A PEC dos
Precatórios propõe o pagamento à vista de precatórios de pequeno valor e o
parcelamento em 10 anos dos demais.
Vou contar um caso familiar para
exemplificar o absurdo da proposta. Meu pai tinha uma fazenda com uma pequena
produção de café, em Espera Feliz, na fronteira de Minas Gerais com o Espírito
Santo, na divisa do Parque Nacional do Caparaó. Cuidava com carinho da terra,
prevenia incêndios, protegia a mata e as cachoeiras. Em 1998, o IBAMA resolveu
desapropria-la unilateralmente. Em 2002, foi dada entrada em processo judicial
discutindo o valor da desapropriação e o IBAMA tomou posse do imóvel. Meu pai
faleceu em 2008. O processo percorreu a maratona judicial de 20 anos, inclusive
chicanas jurídicas como o recurso do IBAMA ao STF, sendo que todos sabiam que
não era matéria constitucional. Hoje a fazenda transformou-se num matagal
descuidado e o precatório deve finalmente sair. Quando sair, 23 anos depois da
desapropriação, o direito líquido e certo assegurado pelo poder judiciário será
objeto de um parcelamento em 10 anos. Milhares de brasileiros financiarão o
espaço fiscal para novos gastos de um Estado voraz e perdulário.
Já passa da hora no Brasil de repensarmos as relações entre Estado e sociedade.
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
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