O Globo
Na semana passada uma foto
divulgada pela Ável, escritório de assessoria digital da XP Investimentos, gerou
grande controvérsia na imprensa e nas mídias sociais. Nela aparece um grupo de
aproximadamente cem jovens, em sua maioria homens brancos, posando na cobertura
de um prédio. A foto gerou revolta e levou entidades dos movimentos negro e
feminista a protocolarem uma ação civil pública pela falta de diversidade no
quadro de funcionários.
Num artigo no portal UOL, Márlon Reis, advogado
que representa as entidades na ação, argumenta que esse é um caso exemplar de
discriminação, "que mostra como o processo de recrutamento nas empresas
pode ser cruel".
Apesar da Ável e XP terem sido a bola da
vez, tenho certeza que a composição demográfica de diversas corretoras e bancos
de investimento não são muito diferentes dessa.
Grandes escritórios de advocacia também não
estão muito longe disso e nem a composição de candidatos eleitos pela maioria
dos partidos políticos.
Num contexto que conheço de perto, jovens
homens brancos também são maioria em programas de mestrado de administração e
economia em instituições de elite como o Insper, FGV e PUC-Rio.
Uma resposta que muitas organizações dão para esse tipo de situação é dizer que não há candidatos com outras características no mercado de trabalho. Ou seja, o problema é a falta de oferta de mão de obra qualificada por mulheres e homens pretos.
Mas será que esse é realmente o problema ou
será que existe uma discriminação sistemática na contratação?
Uma pesquisa que saiu recentemente nos EUA,
feita pelos economistas Patrick Kline, Evan Rose e Christopher Walters, das
universidades de Berkeley e Chicago, tenta responder a essa pergunta. Eles
usaram anúncios de emprego de 108 empresas americanas na lista das Fortune 500
e mandaram 83 mil currículos fictícios para esses anúncios.
O estudo buscou influenciar a percepção do
empregador mudando de forma aleatória os nomes dos candidatos. A ideia de
utilizar nomes que são usados tipicamente pela população negra nos EUA como
Lakisha e comparar com nomes que são usados tipicamente pela população branca
como Emily já tinha sido empregada antes por Marianne Bertrand e Sendhil
Mullainathan num trabalho publicado em 2004.
Os economistas Kline, Rose e Walters
encontraram que candidatos com nomes tipicamente usados por indivíduos negros
como Lakisha e Jamal recebem 9% menos ligações de volta quando comparados com
candidatos com nomes tipicamente brancos e curriculum idênticos.
Eles também encontraram diferenças entre
gêneros. No entanto, grande parte da discriminação contra negros e mulheres
está concentrada em um pequeno número de empresas.
Aproximadamente 20% das 108 firmas são
responsáveis por cerca de 46% dos contatos que não são feitos com candidatos
negros.
Que tipo de firmas parecem discriminar
mais?
Os autores encontram que firmas onde o
empregado tem mais interacões sociais discriminam mais contra negros e mulheres
como serviços de carros, vendas e varejo. Além disso, firmas que usam processos
de RH mais centralizados.
O trabalho de Kline, Rose e Walters mostra
que algumas empresas discriminam de forma sistemática na hora de chamarem
candidatos para entrevistas de trabalho e que esse processo viesado é relevante
para explicar, pelo menos em parte, a falta de representatividade em algumas
companhias.
Mas isso não explica completamente a falta
de representatividade na polêmica foto divulgada pela Ável.
Em outro trabalho que está por sair na
American Economic Review, os economistas François Gerard, Lorenzo Lagos, Edson
Severnini e David Card mostram que no Brasil aproximadamente dois terços da
subrepresentação de pardos e pretos em firmas que pagam salários mais altos se
deve às diferenças de habilidades (educação ou formação profissional) entre
brancos e negros.
Assim, parece ser que realmente, muitas
vezes, não há suficientes economistas pretos ou engenheiras mulheres.
A pressão da sociedade civil, das mídias
sociais e dos consumidores é bem-vinda para mudar o comportamento e valores das
empresas. Mas somente essa pressão e ações civis públicas não resolverão o problema.
Precisamos que a promoção da diversidade
comece na escola com programas que incentivem mulheres e negros a se
interessarem por matemática e ciências. E que continue nas universidades para
que as habilidades necessárias em ocupações que pagam salários mais altos sejam
distribuídas de forma mais igualitária.
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