José Aníbal critica ambiguidade do partido na Câmara, Casa que vê numa 'bolha isolada da sociedade
Igor Gielow / Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - O PSDB só terá
viabilidade na disputa presidencial de 2022 se abandonar a ambiguidade no
Parlamento em relação ao Jair Bolsonaro e assumir uma oposição dura ao governo
federal.
A cobrança foi feita por um expoentes da
velha guarda da sigla, o paulista José Aníbal, que acaba de
assumir uma vaga no Senado. "Foi importante voltar neste
momento", diz ele, que já foi deputado por cinco mandatos e senador de
2016 a 2017.
Aníbal, 74, é suplente de José Serra e
assumiu porque o tucano pediu uma licença para tratar a saúde por quatro meses.
Conhecido pelo modo incisivo com que se
coloca nas disputas partidárias, ele não poupa críticas à bancada federal
tucana na Câmara, que votou
majoritariamente em favor na bandeira bolsonarista do voto impresso.
Critica a Casa vizinha de forma geral,
dizendo que ela vive numa "bolha isolada da sociedade", cooptada pelo
Planalto para "evitar o impeachment e garantir a reeleição dos
deputados".
Ligado ao ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso, Aníbal tem um posto-chave no tucanato: é o supervisor do
processo de prévias para escolher o candidato a presidente em
2022, e vê o governador João Doria (SP) como o postulante
mais contundente em sua oposição a Bolsonaro.
Além Aníbal, que assumiu no dia 11, os
paulistas têm lá Mara Gabrilli (PSDB) e Alexandre Giordano (MDB), um empresário
inexperiente que assumiu após a morte de Major Olimpio (PSL), no ano passado.
O sr. volta ao Senado após
quatro anos. Qual a diferença?
Foi importante voltar neste momento, que é
de muita ansiedade e incerteza. Do ponto de vista prático, se agrava uma imagem
adequada ao presidente: ele não consegue associar goiaba com goiabeira. Falta
nexo à ação dele, dizem que é de caso pensado, mas é desastroso para o país.
Pegue a agenda na Câmara. É um despautério.
Se trata do quê? Reforma tributária é uma piada. Reforma política era
distritão, que caiu, e volta das coligações. É um retrocesso.
Passa no Senado?
Acho que não. Do outro lado, a reforma
tributária. O Parlamento se subestima, já havia propostas boas em discussão.
Agora, se reduz a reforma naquilo que o ex-secretário da Receita Everardo
Maciel chamou de território de felinos e hienas. A reforma é
aumentar limite de isenção no IR às custas da classe C. É
inaceitável.
A Câmara se enredou num processo no qual o
foco central é a reeleição de cada deputado. Fundo
partidário, fundo eleitoral, orçamento secreto. É uma ação que os
coloca dentro de uma bolha, isolada das necessidades do país.
Hoje, o foco deveria ser só aumenta a verba do Bolsa Família da forma como ele estava, não com essa proposta inexequível de novo auxílio.
Mas o problema é só a Câmara?
Ali o governo cooptou o centrão por um seguro anti-impeachment e para chegar a
2022. Não faltou proatividade ao Senado também?
Eu começo a ouvir aqui e acolá a questão da
economia pós pandemia, da educação. Tem muito a fazer, o Sistema S está aí.
Vejo um movimento no Senado por uma agenda mais sintonizada. A agenda da Câmara
é deletéria, param tudo por aquela reforma política.
É possível outro caminho. Como podemos ter
a tal terceira via? Ela depende de que haja uma oposição real. Mesmo meu
partido se perdeu em votações.
O seu partido na Câmara
apoiou Bolsonaro no voto impresso.
Havia uma expectativa melhor da bancada. A
maioria votou a favor do voto impresso, e poderia ser pior. O que significa o
voto impresso? É uma forma de abrir caminho para o questionamento do resultado
eleitoral. Precisa haver uma oposição no Parlamento.
Quando o PSDB faz isso e
discute prévias para ter candidatura, não dá uma sinalização errada para o seu
eleitor? O sr. concorda com a crítica de que o movimento foi do deputado Aécio Neves (MG) ou com a
argumentação dele de que os deputados votam de acordo com suas necessidades?
Não. O deputado, o senador, tem espírito
público, uns mais, outro menos. Eu fui líder quatro vezes lá. Você trabalha
para convencê-lo. Esse governo agora não tem diálogo algum com o Parlamento. No
desespero do impeachment, fez o acordo com o centrão, tudo o que o Bolsonaro
disse que não faria.
A sociedade faz sua parte, a avaliação dele
cai todo dia, e no Parlamento nada acontece. A instituição que mais assegura a
democracia no Brasil é o Supremo Tribunal Federal. O Legislativo faz sua parte
de uma forma deletéria. O Senado pode ser um agente fundamental.
Não tem de esperar eleição, é agora. A dita
oposição precisa construir a terceira via já, não com essa agenda, essa
postura. Governo não tem projeto para o país, é só retrocesso, o combustível
do posto Ipiranga [apelido do ministro da Economia, Paulo Guedes] acabou.
Eu vou trabalhar por isso.
O PSDB não pode continuar com ambiguidade. Aquele papo de que somos contra o governo, mas apoiamos bons projetos. Não tem nenhum bom projeto. Ou supera isso ou não constrói terceira via.
O sr. comanda o processo das prévias do PSDB. Como essa
discussão se insere nele?
É verdade. As prévias foram a melhor ideia,
os candidatos estão se mexendo. O que importa é que a gente deixe claro que
somos oposição.
O sr. considera a hipótese de
não ser cabeça de chapa?
Eu sou daqueles que defendem que tenhamos
uma candidatura. Nunca se pode dizer que desta água não beberei, né, você está
num processo de construção de um nome que não seja Lula nem Bolsonaro.
Os candidatos estão posicionados, mas a
atividade parlamentar não reflete isso. Na ausência de uma liderança que
encarne [a terceira via], imagino que isso vá acontecer, mas não está
agora, você vê o que
está colocado: Bolsonaro e Lula.
Hoje o sr. vê Doria e [o governador gaúcho Eduardo] Leite com
condições iguais de disputa?
Os dois estão muito mais ativos no
processo. Eu admito que o Doria
constrói uma marca de conflito e oposição mais contundente
hoje. Mas o Leite também se coloca em oposição. É uma questão de estilo.
Doria sempre sofreu
resistências no partido, como na bancada da Câmara. Se ele for o candidato,
terá dificuldades de unir a sigla?
Não. Eu espero que o pessoal da Câmara
possa se revitalizar. Não se constrói alternativa se você passa para sociedade
a imagem de que pode ser por aqui ou por ali.
Por fim, como o sr. vê a CPI
da Covid? Pretende acompanhá-la ao vivo?
Eu estive lá na quarta passada, mas o
depoente não respondia nada. Eu a vejo preocupada em concluir logo seu
trabalho, pois já provou a ação desastrosa desse governo na pandemia, com
impacto nas mortes.
RAIO-X
O economista José Aníbal nasceu em
Guajará-Mirim (RO) em 1947. Foi deputado federal cinco vezes, duas vezes
secretário de estado em São Paulo (Desenvolvimento e Energia) e senador
(2016-17). Voltou ao Senado no dia 11.ago com a licença de José Serra.
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