quarta-feira, 28 de julho de 2021

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

A vida versus a burocracia estatal

O Estado de S. Paulo

Useiro e vezeiro em alardear sua autoridade, não custaria a Jair Bolsonaro tornar mais célere a distribuição de vacinas

Governos normais, nada mais do que isto, são capazes de transmitir alguma segurança aos cidadãos em momentos de crise, como, por exemplo, no curso de uma pandemia. Como normal não é, o governo de Jair Bolsonaro, ao contrário, demonstra ter uma capacidade de angustiar os brasileiros que parece não conhecer limites.

O país que o presidente da República deveria governar, se tivesse um plano e não fosse avesso ao trabalho, ultrapassou a terrível marca de 550 mil mortes por covid-19. Já é sabido que só o rápido avanço da vacinação haverá de interromper este morticínio, mas, mesmo assim, o Ministério da Saúde não é sequer capaz de garantir aos Estados e municípios, responsáveis pela aplicação das vacinas, o cumprimento dos prazos para envio das doses que recebe dos fabricantes.

Há mais de uma semana, nada menos do que 16 milhões de doses de vacinas, de diferentes laboratórios, estão armazenadas nos galpões do Ministério da Saúde. “Informes técnicos”, documentos disponíveis para consulta no portal da própria pasta na internet, revelam que este é o quantitativo “estocado”. A inacreditável retenção destas vacinas levou ao menos dez capitais – Belém, Campo Grande, Florianópolis, João Pessoa, Maceió, Natal, Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Vitória – a suspender a aplicação da 1.ª dose do imunizante. Goiânia e Cuiabá não chegaram a suspender totalmente a vacinação, mas limitaram a aplicação a menos pessoas. É um absurdo haver tantas vacinas “estocadas” e elas não chegarem rapidamente à população.

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), reconhecido por seu empenho em trazer uma vacina para o Brasil diante do descaso de Brasília, indignou-se publicamente pelo descalabro. Em suas redes sociais, o tucano classificou como “vergonhosa” a falta de desvelo na distribuição das vacinas neste momento delicado, em que a pandemia dá sinais de arrefecimento, mas em patamares de casos e mortes ainda muito elevados.

De fato, ao governo federal, que só passou a defender a vacinação da população quando reveses políticos se tornaram incontornáveis, falta o devido senso de urgência. O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), recorreu à ironia. “O senso de urgência do Ministério da Saúde chega a impressionar”, escreveu Paes em suas redes sociais.

Tanto a crítica do governador paulista como a do prefeito carioca são pertinentes. Esta falha do Ministério, no entanto, deve servir para fazer as administrações estaduais e municipais serem mais cautelosas ao divulgarem seus calendários de vacinação. Não foi o primeiro atraso e, seguramente, não há de ser o último.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, reconheceu o atraso na distribuição dos imunizantes e culpou a burocracia estatal. “Não há estoque de vacinas”, disse Queiroga a um grupo de jornalistas. “Quando as vacinas chegam no aeroporto, elas precisam ser avaliadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Depois, precisam passar pelo controle do INCQS (Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde). Também tem a questão da Receita Federal. Só depois é que o PNI (Programa Nacional de Imunizações) prepara as pautas e essas vacinas são enviadas aos Estados e municípios”, explicou o ministro.

Marcelo Queiroga é o ministro da Saúde – o quarto – de um país que já perdeu mais de meio milhão de seus cidadãos para um vírus contra o qual já existem quatro vacinas disponíveis. Se, nesta condição, o ministro não tem a força necessária para encurtar prazos e vencer os entraves do que chamou de “burocracia estatal”, cabe indagar se ele está à altura da posição, como o momento exige, ou se tem recebido o devido apoio de seu chefe. Useiro e vezeiro em alardear sua autoridade como presidente da República, não custaria a Bolsonaro movimentar as engrenagens da administração pública federal para tornar cada vez mais célere a distribuição de vacinas para a população. Mas, primeiro, ele precisa querer que isto aconteça.

O bazar de Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

Presidente posa de zeloso com o dinheiro público, mas avaliza fundo eleitoral de R$ 4 bi

O presidente Jair Bolsonaro pode ser ignorante em muitas coisas, mas sabe fazer contas à moda dele. Na aritmética bolsonarista, dois mais dois sempre são mais que quatro, conforme o desejo de sua freguesia no Congresso – de cuja fidelidade o presidente depende para sobreviver no cargo.

Foi com base na matemática do fisiologismo que Bolsonaro calculou em R$ 4 bilhões o valor do fundo eleitoral, que distribui recursos públicos para financiar campanhas. É mais ou menos o dobro do que foi destinado para a eleição municipal de 2020 – e um pouco inferior ao que foi bloqueado e cortado no orçamento da Educação deste ano.

Bolsonaro não chegou a esse valor sozinho, é claro. Teve ajuda dos líderes políticos e de partidos que cobram cada vez mais caro para participar da base aliada e defender seu impopular governo.

Como se sabe, o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2022 encaminhado pelo governo ao Congresso, e aprovado no dia 15 passado, estabelece que o valor do fundo eleitoral seja equivalente a 25% da soma dos orçamentos da Justiça Eleitoral de 2021 e 2022. Técnicos da Câmara calcularam que isso dá em torno de R$ 5,7 bilhões, quase o triplo do fundo eleitoral de 2020.

Os governistas poderiam ter impedido que essa aberração prosperasse, mas escolheram nada fazer. Assim que a aprovação do aumento do fundo eleitoral tornou-se pública, causando justificada indignação, o presidente Bolsonaro, como já se tornou praxe, tratou de tentar se livrar da responsabilidade. Acusou o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos, que presidiu a sessão que votou a LDO, de impedir que o aumento do fundo fosse derrubado. O exame do que aconteceu naquela sessão, contudo, mostra que o deputado Ramos apenas seguiu o regimento, enquanto os governistas colaboravam decisivamente para a aprovação.

Para efeito da encenação dos bolsonaristas e de seus associados, nada disso importa. Bolsonaro prometeu vetar o aumento do fundo: “Seis bilhões para fundo eleitoral? Pelo amor de Deus!”, disse o presidente, com fingida indignação.

Passadas duas semanas, Bolsonaro trocou a indignação pela resignação – esta, tão falsa quanto aquela. Informou a seus aduladores no cercadinho do Alvorada que não vetará os R$ 5,7 bilhões, mas apenas “o excesso do que a lei garante”. Segundo Bolsonaro, “a lei (prevê) quase R$ 4 bilhões” e “o extra de R$ 2 bilhões vai ser vetado”. O presidente disse que não pode “vetar o que está na lei”, porque, se o fizer, estará “incurso em crime de responsabilidade”.

Em entrevista à Rádio Itatiaia, Bolsonaro voltou a falar na tal “lei”, provavelmente referindo-se à Lei 13.487, que instituiu o fundo eleitoral. “Diz na lei que a cada eleição o valor tem que ser corrigido levando-se em conta a inflação. Então, eu tenho que cumprir a lei”, disse o presidente. Não há nada disso na lei.

Supondo-se que houvesse obrigação legal de reajustar o fundo eleitoral pela inflação, contudo, o valor jamais chegaria aos tais R$ 4 bilhões anunciados pelo presidente. Se aplicados os índices inflacionários previstos na LDO encaminhada pelo seu próprio governo, e não o peculiar cálculo do presidente, o fundo teria de ser reajustado para R$ 2,197 bilhões.

Portanto, nem as vírgulas do discurso do presidente são verdadeiras, como já não eram verdadeiras no palavrório de Bolsonaro ao informar em 2019 que também não poderia vetar o aumento do fundo eleitoral naquela ocasião porque, ora vejam, corria o risco de sofrer impeachment por crime de responsabilidade.

É evidente, conforme declarou o deputado Marcelo Ramos, que Bolsonaro faz apenas “jogo de cena”, posando de presidente zeloso com o dinheiro público enquanto avaliza, na prática, a duplicação do fundo eleitoral, para alegria dos congressistas. Não se sabe exatamente que instrumento legal o presidente usará para aprovar o fundo eleitoral de R$ 4 bilhões, mas criatividade é o que não falta entre os oportunistas.

Em se tratando de um fundo eleitoral que nem deveria existir, qualquer centavo é imoral. Mas os tempos não são exatamente virtuosos. No bazar presidencial, está tudo a preço de ocasião.

A retribuição da lealdade

O Estado de S. Paulo

Jair Bolsonaro não tem nenhum pudor de criticar publicamente o vice-presidente

Jair Bolsonaro teve grande sorte na escolha de seu companheiro de chapa nas eleições de 2018. O vice-presidente Hamilton Mourão tem se portado com uma lealdade absolutamente ímpar ao presidente da República desde o início do mandato e, de forma muito especial, desde que as ações e omissões de Jair Bolsonaro trouxeram à baila o tema do impeachment.

Há manifestações em todo o País pedindo que o presidente da República seja responsabilizado por sua conduta durante a pandemia. Há lideranças civis e políticas defendendo a necessidade de remover, pelas vias constitucionais, o presidente da República. Mas não há notícia, nem sequer fumaça, de que o vice-presidente Hamilton Mourão tenha dado o menor sinal de apoio a um eventual processo de impeachment.

Hamilton Mourão não tem relação com nenhuma das várias movimentações pelo impeachment do presidente Bolsonaro. O compromisso do vice-presidente com o presidente da República é um fato notório, sobre o qual não recai a menor suspeita contrária.

O comportamento de Hamilton Mourão é, portanto, fonte de tranquilidade para Jair Bolsonaro. O presidente da República contra o qual foram apresentados mais pedidos de impeachment na história do País tem um vice-presidente que lhe é rigorosamente fiel.

Decorridos dois anos e meio de governo, tão pródigos em gerar suspeitas de crimes de responsabilidade, pode-se afirmar, sem exagero, que Hamilton Mourão é o vice-presidente ideal de Jair Bolsonaro. Por mais desprovida de ambição política que fosse, qualquer outra pessoa teria motivos de sobra, em conformidade com a Constituição e a lei, para incentivar, desde a vice-presidência, um processo de impeachment.

Imagine-se, como mera hipótese, se o vice-presidente da República fosse algum político experiente do Centrão. Jair Bolsonaro teria um patamar, bem mais elevado, de preocupação em relação à sua permanência no cargo.

No entanto, apesar da contundente lealdade de Hamilton Mourão, Jair Bolsonaro não tem nenhum pudor de afastá-lo dos assuntos de governo ou mesmo de criticá-lo publicamente. “O Mourão faz o seu trabalho. Ele tem uma independência muito grande, por vezes atrapalha um pouco a gente, mas o vice é igual cunhado: você casa e tem que aturar o cunhado do teu lado. Você não pode mandar o cunhado ir embora”, disse Jair Bolsonaro no dia 26, em entrevista à Rádio Arapuan, da Paraíba.

Mais do que retratar o comportamento do vice-presidente, a fala de Jair Bolsonaro revela com crueza quem é Jair Bolsonaro. Até hoje, Hamilton Mourão cumpriu rigorosamente todas as tarefas de que o presidente Bolsonaro o encarregou. No entanto, Jair Bolsonaro menciona “uma independência muito grande” do vice-presidente.

Tal comentário revela que Jair Bolsonaro não se sente confortável com nenhum outro comportamento que não seja a completa submissão à sua pessoa. Não por acaso, na mesma entrevista, Jair Bolsonaro referiu-se ao anterior ministro da Saúde desta forma: “O general Pazuello, que fez um trabalho fantástico”. No dia em que Eduardo Pazuello assumiu a pasta, havia 14,8 mil mortos por covid no País. Quando deixou o cargo, o número se aproximava dos 300 mil.

É também peculiar a afirmação de Jair Bolsonaro no sentido de que Hamilton Mourão “por vezes atrapalha um pouco a gente”. O vice-presidente não reclama da condução do governo, não critica medidas e atitudes de Jair Bolsonaro, sempre busca motivos para defender as posições do Palácio do Planalto. Desde a posse no cargo, é conhecido por medir cuidadosamente as palavras nas entrevistas, para evitar qualquer impressão de crítica. Mesmo assim, Jair Bolsonaro considera que o vice-presidente “atrapalha um pouco a gente”.

Terá o presidente Bolsonaro tamanha limitação cognitiva para não perceber que os problemas enfrentados pelo governo não são causados por Hamilton Mourão? Ou será que, de fato, o vice-presidente atrapalha os planos de Jair Bolsonaro, impedindo sua integral realização? Tanto num sentido como no outro, a frase de Bolsonaro suscita muito receio.

Veto ao fundão

Folha de S. Paulo

Exorbitantes, valores cogitados para verba eleitoral levam a retrocesso político

Não surpreende que Jair Bolsonaro, depois de anunciar a intenção de vetar a possibilidade de aumento do gasto público com as eleições gerais de 2022, tenha recuado a uma posição bem mais complacente.

Na semana passada, o presidente rechaçara o texto aprovado pelo Congresso que permite a elevação do fundo eleitoral para R$ 5,7 bilhões, apontando que seria mais adequado corrigir pela inflação os R$ 2 bilhões destinados ao pleito anterior. Na segunda-feira (26), falou vagamente em aprovar um montante próximo de R$ 4 bilhões.

Ainda não se sabe como uma nova cifra será formalizada na legislação —se é que haverá mesmo nova cifra. Certo é que Bolsonaro não se encontra em condições políticas de desafiar abertamente seus aliados do centrão, o bloco parlamentar que ganhou peso inédito no governo com a chegada de Ciro Nogueira (PP-PI) à Casa Civil.

Impõe-se, de todo modo, um recuo na ofensiva perdulária dos partidos, que afronta eleitores e contribuintes. São fartas as evidências de que os números cogitados constituem uma exorbitância.

Dados reunidos pelo Movimento Transparência Partidária apontam que as legendas teriam financiamento público equivalente a US$ 1,3 bilhão (contanto ainda com o fundo regular de sustentação das siglas), de longe o maior valor entre 25 países pesquisados —num distante segundo lugar está o México, com US$ 307 milhões.

O descalabro não se limita ao gasto injustificável em um Orçamento depauperado, enquanto educação, saúde, assistência e outras prioridades estão sujeitas a severas restrições. Trata-se, também, de um retrocesso para a política.

Partidos devem buscar inserção crescente na sociedade, atraindo filiados e simpatizantes com seu ideário, seus líderes e sua atuação. Convém, nesse sentido, que parcela substancial de seu custeio venha de contribuições privadas.

Existe, claro, o risco de o poder econômico exercer influência desproporcional sobre as legendas e, assim, sobre as decisões de governo. Tal problema pode ser mitigado com tetos nominais para doações, como defende esta Folha.

No Brasil, porém, optou-se de forma precipitada pela proibição de doações empresariais, na esteira dos escândalos de corrupção revelados pela Lava Jato. A escolha não elimina velhas mazelas, como o caixa dois. E cria novas.

Siglas que proliferam no país sem identidade e conteúdo —essa é uma descrição do centrão— vão preferir extrair cada vez mais recursos do Estado a buscar adesões na sociedade para seu sustento. Nesse processo, as burocracias partidárias têm maior incentivo a usar o dinheiro em benefício próprio e sem transparência.

A experiência aponta que é razoável manter alguma fonte pública para o financiamento eleitoral, sem tolher em demasia a via privada. Um debate maduro deve estabelecer limites para ambas.

Borba Gato em chamas

Folha de S. Paulo

Saudável contestação a homenagens históricas precisa usar meios democráticos

No sábado (24), mais uma vez, milhares de moradores da cidade de São Paulo ocuparam a avenida Paulista para protestar contra o governo Jair Bolsonaro. A manifestação mais espalhafatosa e controversa do dia, contudo, ocorreu a quilômetros dali, reuniu pouca gente e não teve relação direta com o repúdio ao presidente.

Em Santo Amaro, bairro da zona sul, um grupo se voltou contra a estátua de Borba Gato —desembarcou de um caminhão, envolveu o monumento de cerca de 13 metros de altura com pneus e ateou fogo.

Um desconhecido movimento autodenominado Revolução Periférica assumiu a autoria do incêndio, controlado pelos bombeiros.

Não é a primeira vez que a estátua inaugurada em 1963 —um homem de botas e chapéu segurando uma espingarda— se vê alvo de ataques e vandalismos.

Tais atos inserem-se num movimento mais amplo que, em diversos países, busca questionar homenagens públicas a figuras historicamente polêmicas.

Embora não seja novo, o debate tornou-se mais acalorado recentemente, na esteira dos protestos antirracistas desencadeados pela morte do americano George Floyd, assassinado por um policial branco no ano passado.

Desde então, cidades nos EUA e no Reino Unido removeram estátuas que celebravam personagens associados à escravidão. O mesmo ocorreu na Bélgica, com monumentos em homenagem ao rei Leopoldo 2º, responsável por atrocidades na África.

Borba Gato, que viveu entre os séculos 17 e 18, foi um daqueles homens que receberiam o epíteto de bandeirantes, conhecidos pela exploração do território luso-brasileiro, pela escravização de indígenas e pelo apresamento de escravos negros fugitivos.

Contestar homenagens a figuras de trajetória condenável, porém, de forma nenhuma justifica a depredação de monumentos e do patrimônio público.

Discussões dessa natureza, que são saudáveis numa sociedade aberta, devem ocorrer pela via democrática, no âmbito dos parlamentos locais —que podem decidir, por exemplo, pelo envio de estátuas a museus ou pela construção de monumentos concorrentes.

Brasil precisa saber aproveitar a retomada

O Globo

São alvissareiras as perspectivas para a economia brasileira, segundo a análise divulgada ontem pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Na comparação com abril, a previsão para o crescimento do PIB neste ano subiu 1,6 ponto percentual, para 5,3%, a segunda maior alta entre os países analisados (embora, para o ano que vem, tenha caído 0,7 ponto, para 1,9%). O relatório do FMI mantém a projeção de alta de 6% no PIB global, com cenário mais promissor nas economias avançadas, onde 40% da população já está plenamente vacinada, que nas emergentes, onde apenas 11% está.

Mesmo com a vacinação patinando, o Brasil tem se beneficiado da alta na demanda por matérias-primas, em particular produtos agrícolas. A expectativa é que as importações globais de alimentos cheguem perto de US$1,9 trilhão neste ano. Caso a previsão se confirme, será um ótimo desempenho, comparado ao US$ 1,6 trilhão de 2019.

Ao mesmo tempo, a inflação associada à liberação da demanda represada durante a pandemia é um fator de preocupação no mundo todo. O índice que acompanha a variação de preços no comércio internacional registrou alta de 34% nos 12 meses terminados em junho. Aqui no Brasil, a inflação ao consumidor alcançou 8,35% no mesmo período, mais de três pontos acima da meta estabelecida para este ano pelo Banco Central. A projeção do mercado é que feche o ano em 6,56% (há um mês, a previsão era de 6,31%). Por isso mesmo, estima-se que os juros subam para 7% até o final do ano.

Embora o FMI acredite que o risco inflacionário arrefeça no longo prazo, há vários fatores de preocupação, como o surgimento de novas variantes do vírus que poderiam consumir US$ 4,5 trilhões do PIB global até 2025. O fundo defende ações multilaterais e o envio de 1 bilhão de doses de vacina a países de baixa renda. Também recomenda que os bancos centrais assegurem que o combate à inflação não se transforme em restrições financeiras que prejudiquem a retomada.

No caso brasileiro, o campo continuará a funcionar como locomotiva da economia. O país é o maior exportador mundial de soja (mais de 50% mais cara do que há um ano) e café (cuja cotação é a mais alta em sete anos, em razão das geadas no Brasil) e o segundo de mamão. É o maior produtor de cana-de-açúcar, o segundo de carne bovina e milho e o terceiro de frango. Não é coincidência que o setor agrícola tenha sido a principal força da economia brasileira nos últimos anos (no primeiro trimestre, o PIB avançou 1%; o agro, 5,2%).

Em paralelo, a desvalorização cambial e a inflação têm interferido no valor nominal do PIB, contribuindo para melhorar o perfil da dívida pública, que deverá encerrar o ano perto de 92% do PIB pelo critério do FMI (quase sete pontos abaixo da previsão de abril). O quadro positivo que se vislumbra no final da pandemia oferece ao país uma oportunidade para tratar da saúde fiscal do Estado, de modo a fortalecer a perspectiva de crescimento e afastar o risco inflacionário. Ela precisa ser aproveitada em nome dos quase 21 milhões de desempregados e desalentados, de toda a população que perdeu renda na pandemia. O Brasil não tem mais tempo a perder.

COI dá mau exemplo ao abrandar punições à Rússia após escândalo

O Globo

Muitos podem ter estranhado quando as equipes russas de ginástica artística subiram ao lugar mais alto do pódio nos Jogos de Tóquio e ouviram, em vez do hino nacional, o “Concerto para piano e orquestra nº 1”, de Tchaikovsky, enquanto subia a bandeira insólita do Comitê Olímpico Russo (ROC, na sigla em inglês) em vez da tradicional vermelha, azul e branca. Trata-se de uma punição do Comitê Olímpico Internacional (COI) pelo escândalo de doping que sacudiu o esporte mundial depois dos Jogos de Sochi, na Rússia, em 2014. Os atletas não podem usar o nome, o hino ou a bandeira do país.

Um relatório feito em 2016 pelo advogado Richard McLaren, a pedido da Agência Mundial Antidoping (Wada), revelou que a Rússia mantinha um sofisticado esquema para encobrir resultados positivos de doping de seus atletas. Tudo feito não só sob o beneplácito, mas com participação de altas autoridades russas. O escândalo atingia 29 modalidades esportivas, notadamente o atletismo. A história, já suficientemente escabrosa, ganhou contornos ainda mais inacreditáveis quando, durante as investigações, a Agência Antidoping Russa (Rusada) fraudou o banco de dados encaminhado à Wada.

As fraudes resultaram numa série de punições. Na Olimpíada do Rio, em 2016, 118 atletas russos foram banidos, e o atletismo ficou fora dos Jogos. Participaram apenas 271 atletas, contra os quais não pesavam acusações de envolvimento no esquema. Em 2019, a Wada excluiu a Rússia de competições por quatro anos. A punição foi abrandada pela Corte Arbitral do Esporte, que reduziu o prazo para dois anos. Com isso, a Rússia não pode competir em Tóquio 2020, na Copa do Mundo do Qatar (2022) e nos Jogos de Pequim (2022).

Desde os tempos da antiga União Soviética, quando disputava com os EUA o topo do ranking, a Rússia é uma potência do esporte, conhecida pelos altos incentivos aos atletas. Em 2008, ficou em terceiro no quadro de medalhas. Em 2012 e 2016, em quarto. Em Tóquio, os russos também ocupam por enquanto a quarta posição. A competência esportiva russa é inquestionável, mas não se pode dizer o mesmo dos meios usados para conseguir alguns desses resultados espetaculares.

Ainda que não se deva impedir a participação de atletas que não compactuaram com a fraude, parece branda demais a punição. Afinal, a equipe deixou de ser da Rússia porque não tem o nome do país no uniforme, a bandeira é do ROC e o hino foi trocado por Tchaikovsky? Claro que não. Nada é mais distante do espírito olímpico do que forjar resultados. Mais grave ainda quando isso se torna política de Estado.

Mais justo seria se os atletas “limpos” concorressem sob a bandeira do COI, como ocorre com os refugiados. E que a Rússia não estivesse no quadro de medalhas, mesmo com outro nome. Do modo como foi aplicada a punição, o recado para outros países continua a ser: dopem seus atletas desde que consigam evitar ser pegos. A impressão é que o COI faz piruetas tão elaboradas quanto os ginastas russos para dizer ao mundo que a Rússia não é a Rússia.

Investimento direto no país perde fôlego em junho

Valor Econômico

Os sinais ambíguos do governo e do Congresso na agenda de reformas econômicas e fiscais não ajudam

O s investimentos diretos no país somaram apenas US$ 174 milhões em junho, bem abaixo da estimativa do Banco Central para o mês, de US$ 2,5 bilhões. Embora seja precipitado tirar conclusões definitivas a partir de um único dado de um indicador de alta frequência, esse não deixa de ser mais um sinal preocupante da perda de dinamismo no ingresso de capitais estrangeiros dirigidos à produção.

Os investimentos diretos são um capital de qualidade superior. Primeiro, porque é um fluxo mais estável, menos sujeito a fuga do país em períodos de turbulências internacionais. Por isso, é mais adequado para financiar o déficit em conta corrente e mesmo para suprir a conta financeira. Nesse aspecto, um eventual enfraquecimento do fluxo de investimentos diretos em tese deixa o país mais vulnerável a crises externas.

Em segundo lugar, os investimentos diretos são muito importantes para a transferência de tecnologias estrangeiras e para a integração do Brasil nas cadeias produtivas globais. Uma eventual queda prolongada no ingresso desses capitais, portanto, pode comprometer a expansão da capacidade produtiva e o desenvolvimento da nossa economia.

Por ora, há pouca preocupação quanto ao financiamento externo da economia, apesar de a média mensal de ingresso de investimentos diretos ter ficado em apenas US$ 1,698 bilhão no segundo trimestre. Mesmo na hipótese pouco provável de que vá continuar nesse ritmo até o fim do ano, não faria diferença para suprir o balanço de pagamentos. A projeção para o ano é um superávit em conta corrente de US$ 3 bilhões. Além disso, os fluxos de capitais de curto prazo estão fortes. No primeiro semestre, estrangeiros investiram US$ 21,584 bilhões em ações e em renda fixa no país.

Ainda assim, o quadro pode mudar mais adiante. O superavit em conta corrente é sustentado, em boa medida, pelo bom resultado na balança comercial, que por sua vez está sendo favorecida pelo “boom” das commodities. Não se sabe quanto tempo a bonança vai durar. As despesas com serviços, como turismo, estão sendo reprimidas pela pandemia e pelo nível ainda reduzido de atividade econômica, que também deprime as remessas de lucros e dividendos.

À medida em que a economia se recupera, é natural que as contas correntes retornem para o negativo. A pesquisa Focus de expectativas do mercado do Banco Central projeta um déficit em conta corrente de US$ 14,3 bilhões em 2022 e de US$ 21 bilhões em 2023. Mas, hoje, é muito difícil prever aonde esse resultado negativo poderá chegar. São muitos os fatores em jogo: o ritmo de recuperação da economia, o comportamento da taxa de câmbio e a evolução dos preços das exportações. Antes da pandemia, o déficit superava 3% do Produto Interno Bruto (PIB).

No fluxo acumulado em 12 meses, os investimentos diretos encostaram exatamente nesse nível, em 3,02% do PIB. A projeção do Banco Central é que vá crescer a US$ 60 bilhões até o fim do ano. Os ingressos registrados em julho, até o dia 23, somam US$ 4,087 bilhões, e dão alguma esperança de que esse prognóstico se concretize. Mas o mercado vem revendo para baixo a sua estimativa de investimentos diretos para 2021, que caiu a US$ 53,5 bilhões.

Antes da pandemia, o Brasil recebia cerca de US$ 70 bilhões em investimentos diretos por ano. Outros países emergentes também sofreram retração importante nesses fluxos. Mas a China e outras economias asiáticas já apresentaram recuperação ainda em 2020, devido à sua estratégia bem sucedida de combate à covid. O Brasil se encontra no bloco de retardatários, mas, com a vacinação, pode ser que recupere uma boa parte dos capitais perdidos no ano passado.

Nas estatísticas, chamam a atenção, em especial, os baixos ingressos de capitais na forma de participação de capitais. Neles, estão os novos investidores que apostam no Brasil, seja na compra de empresas já em operação ou na criação de novos empreendimentos. De 2010 a 2019, ingressaram em média US$ 55 bilhões em participação de capital. Com a pandemia, esse volume caiu a US$ 32 bilhões. No primeiro semestre, ficou em US$ 16 bilhões.

A dúvida é se o investidor estrangeiro que olha o longo prazo terá apetite para risco num ambiente de incerteza. Os sinais ambíguos do governo e do Congresso Nacional na agenda de reformas econômicas e fiscais não ajudam. Parte dos projetos pode ser adiada, diante do clima de incerteza política.

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