O Globo
Pouco importa que Paulo Guedes encontre
justificativas para qualquer disparate que saia da cabeça de Jair Bolsonaro. Ou
que regateie quanto aceita perder de aparato de seu ministério não para gerar
empregos no país, mas para empregar Onyx Lorenzoni.
Esses sinais externos de esvaziamento são
apenas isso, sintomas. O cerne do momento vivido pelo ministro da Economia —
não de hoje, mas há tempos — é que a sua política, aquela reformista, liberal,
privatizante, vendida na campanha e até hoje enunciada em entrevistas cada vez
mais desprovidas de capacidade de convencer mesmo os dispostos a acreditar,
morreu na bacia das almas do pragmatismo político.
Bolsonaro nem tenta mais disfarçar: disse
que a Casa Civil é o ministério mais importante do governo. E ele está sendo
dado numa bandeja de prata ao partido que é o expoente mais poderoso do antes
excomungado Centrão.
Para isso, Bolsonaro não hesitou em
despachar o general Ramos e em arrancar mais um naco do poder e da imagem
pública do seu antes “Posto Ipiranga”.
Guedes deve saber, em algum recôndito de sua consciência ainda não capturado pelo bolsonarismo que a tudo corrompe, que seu papel hoje no arranjo para manter o presidente vivo é acessório, quando não francamente indesejável.
Bolsonaro precisará dar um cavalo de pau na
política fiscal para pagar um Bolsa Família que pretende rebatizar e com que
espera recuperar a corrosão de intenções de voto que sofre em praticamente todo
o Brasil, mas sobretudo nas camadas mais pobres e na Região Nordeste, a mais
dependente dos programas de transferência de renda, perenes ou emergenciais.
Nessa hora, o papel de Guedes será o do
Grilo Falante no desenho do Pinóquio: o chato que fica advertindo que não vale
a pena se desviar do caminho da escola, que o boneco de madeira deve ser
bonzinho e não mentir nem matar aulas.
Bolsonaro já está totalmente entregue à
tutela de Nogueira e companhia, a quem já deu tanto poder que, quando e se
resolver se impor, não terá como fazê-lo.
Com o ministro da Economia, o presidente
aprendeu que pode sempre apertar o torniquete, porque ele aceita. Percebem?
Enquanto Ciro, Arthur Lira e outros do antes rechaçado establishment político
dão as cartas e jogam de mão, a Guedes e até mesmo aos militares sobra o bagaço
da laranja.
E fazer cara de paisagem e fingir que
acreditam que cada redução de suas prerrogativas e de sua margem de atuação
interna se deve a novas diretrizes administrativas, como se algum dia a era
bolsonarista tivesse sido um governo — com metas, planejamento, norte —, e não,
desde sempre, um projeto de acomodação familiar, empulhação ideológica e
aparelhamento do Estado até não sobrar praticamente nada intocado.
As tarefas de um Guedes subalternizado em
relação ao Centrão serão pagar a conta do Bolsa Família, se possível encontrar
uma mágica para conter a inflação de itens básicos, como combustíveis, gás e
conta de luz, e fazer vista grossa a um possível jogo de cena no “veta, não
veta” ao fundão eleitoral de R$ 5,7 bilhões.
Tudo isso dentro de um Orçamento já
capturado pelo mesmo Centrão, que administra uma gorda fatia por meio das
emendas do relator — outra excrescência que Guedes topou metabolizar porque o
chefe assim decidiu.
É claro que o ministro usará qualquer
soluço positivo da economia, ou o avanço de agendas pontuais de sua pasta no
Congresso, para construir para si e para o público a história de que vai tudo
bem, conforme o previsto, e de que há liberalismo depois do arco-íris ou de uma
cada vez mais cara e custosa reeleição do capitão.
Mas episódios como a reacomodação ministerial deste julho conturbado mostram que o ministro que seria o coração e o cérebro do governo agora foi reduzido a um apêndice. E que aceita o papel, ainda com um sorriso amarelo no rosto.
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