O Globo / Folha de S. Paulo
O Brasil não precisa de mais esse rolo
Em apenas dois meses, Bolsonaro ameaçou não
realizar eleições, insultou senadores da CPI, disse que faltou maconha nos
protestos contra seu governo e queixou-se da Receita Federal por ter ido “com
muita sede ao pote” num projeto que não é dela, mas do ministro da Economia do
seu governo. É compreensível que uma pessoa capaz de acreditar que a cloroquina
remedeia a Covid-19 e que as vacinas são experimentais acredite em bizarrices.
Ex-aluno da Academia Militar das Agulhas Negras, somou -4 com +5, obteve um +9
e viu no desempenho econômico do seu governo “um milagre”: “É inacreditável”.
Atitudes inacreditáveis, porém pontuais, são uma coisa, mas presidente atacando seu vice publicamente é coisa perigosa, que, além de tudo, traz falta de sorte. Bolsonaro disse que seu vice, Hamilton Mourão, “por vezes atrapalha”. Comparou-o a um cunhado: “Você casa e tem de aturar (...), não pode mandar o cunhado embora”. Ao contrário do que acontece com seus cunhados, quem escolheu Mourão para vice foi ele. Aturá-lo faz parte da ordem constitucional.
Fernando Henrique Cardoso e Lula tiveram
nos vices Marco Maciel e José Alencar colaboradores exemplares. Nos últimos 50
anos, dois presidentes encrencaram com seus vices: Dilma Rousseff e João
Baptista Figueiredo. Ambos se deram mal. Ela foi retirada do cargo, e Michel
Temer tomou-lhe o lugar. Figueiredo saiu do palácio por uma porta lateral,
enquanto o vice Aureliano Chaves tomava posse no ministério escolhido por
Tancredo Neves. Indo mais longe, Jânio Quadros não se dava com João Goulart e
renunciou achando que ele não seria empossado. No mínimo, brigar com vice não
dá sorte.
Mourão foi escolhido às pressas (o
preferido era o príncipe Luiz Philippe de Orleans e Bragança ) e acreditou que
teria uma função relevante no governo, talvez cuidando da infraestrutura.
Esqueceu-se da lição de Stanislaw Ponte Preta, o inesquecível personagem do
jornalista Sérgio Porto: “Vice acorda mais cedo para ficar mais tempo sem fazer
nada”.
Mourão está acima da média da equipe de
Bolsonaro e poderia ter ajudado em tarefas mais meritórias do que embarcar para
Angola numa missão municipal. Ademais, ele só foi colocado na chapa porque
traria consigo um apoio militar. Fosse qual fosse o tamanho desse apoio, também
não dá sorte perdê-lo. Sobretudo numa fase durante a qual, para um militar, a
associação com Bolsonaro pode trazer vantagens, mas cobra prestígio.
O pior que pode acontecer a um país com
mais de 550 mil mortos numa pandemia e 14,7 milhões de vivos desempregados é
ter um capitão na Presidência desentendido com um general na Vice. Mourão e
Bolsonaro não conseguiram criar uma relação parecida com as dos dois
presidentes da ditadura que tiveram vices militares. O almirante Rademaker
(vice de Emílio Médici) e o general Adalberto Pereira dos Santos (vice de
Ernesto Geisel) dormiam até tarde e foram felizes para sempre.
É sabido que o presidente e seu vice
afastaram-se. Contudo uma separação pública de Bolsonaro e Mourão conduzirá
inevitavelmente a um reflexo no meio militar. Quando esse veneno entra nos
quartéis, a desintoxicação custa caro e demora anos para cicatrizar.
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