quarta-feira, 28 de julho de 2021

Daniela Chiaretti - Um megafone para os cientistas ambientais

Valor Econômico

Três cientistas brasileiros e os dados mais atuais sobre clima e biodiversidade, os dois desafios definidores das próximas décadas

Há poucos dias, em evento virtual da Fapesp, a fundação paulista que promove ciência, três pesquisadores discutiram mudança climática e biodiversidade. Foi uma aula de generosidade em relação a dois dos temas mais importantes da atualidade. O biólogo Carlos Alfredo Joly, da Unicamp, o físico Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo, e a bióloga Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília, distribuíram conhecimento a quem se dispôs a ouvir. O Brasil tem grandes cientistas, estes são três deles. Nestes tempos tristes, a terceira lei de Newton parece estar em vigor no Brasil - aquela que diz que para cada ação há uma reação igual e contrária. Apesar de todos os esforços negacionistas, os cientistas brasileiros têm ampliado sua voz. É hora de ouvi-los no megafone.

Carlos Joly é um dos maiores especialistas em biodiversidade do Brasil. Montou e coordenou o Biota-Fapesp, um programa de pesquisas que há 21 anos se debruça sobre a conservação e o uso sustentável da biodiversidade em São Paulo. “Não basta conservar o que restou. Precisamos restaurar”, diz Joly. Em sua fala, listou o conjunto enorme de pressões sobre a biodiversidade e que coloca em curso o que alguns autores acreditam ser a sexta extinção em massa. O aquecimento global é um dos principais vetores assim como a mudança no uso da terra com desmatamento e perda de habitats, a distribuição de chuvas, o excesso de fertilizantes nas lavouras, a introdução de espécies exóticas, a poluição. Tudo isso nos coloca em péssima rota. “A crise da biodiversidade está em um limite perigoso”, diz.

É muito improvável que a conferência de biodiversidade das Nações Unidas, a CoP 15, aconteça em outubro, na China, com o país fechado pela pandemia e as desigualdades tecnológicas entre ricos e pobres que complicam a negociação virtual. Os países, é verdade, fizeram alguns avanços nas metas assumidas há dez anos, mas falta um montão. A meta que previa aumento global de áreas protegidas foi uma das poucas cumpridas - chegou-se a 17% da superfície terrestre protegida e 10% dos oceanos, o que é bom mas insuficiente.

O grande alvo da CoP 15 é estabelecer uma estratégia para conter a sangria da biodiversidade. “Extinção é para sempre. Não vamos recuperar as espécies que perdemos hoje”, diz o biólogo. Mais do que nunca é preciso avançar com conhecimento científico e vontade política e conseguir transformações reais. Consumidores têm que ser conscientes; a produção, ser ecológica. Governos precisam colocar, no centro do modelo de desenvolvimento, o uso sustentável da biodiversidade. Deve-se introjetar o One Health, ideia nova que entende que a saúde da humanidade depende da saúde do planeta. Ou um milhão de espécies podem desaparecer até 2100.

“O futuro não é muito amistoso com o nosso agro”, seguiu Paulo Artaxo, reconhecido como um dos maiores nomes da ciência das mudanças climáticas do mundo. Ele lembra que os combustíveis fósseis respondem por 83% das emissões globais na atmosfera e que, mesmo com a recessão global provocada pela covid-19, as emissões caíram só 7% em 2020. “Isso dá a dimensão da tarefa que a humanidade terá que fazer”, diz. A temperatura do planeta já aumentou 1,2°C e os impactos são claros. Há poucos dias ocorreram inundações dramáticas na Alemanha. O calor de 48°C no Canadá cozinhou moluscos nas praias.

Outro agravante é que a distribuição espacial do aumento da temperatura não é homogênea. Nos continentes, a temperatura média já é de 1,7°C - ou seja, ultrapassou o limite seguro de 1,5° C sugerido pelos cientistas do IPCC e prometido no Acordo de Paris. No Brasil Central regiões já aqueceram 2°C a 2,5°C. Artaxo citou muitos estudos que indicam os impactos na Amazônia. A floresta está perdendo a capacidade de absorver carbono e se tranformando em gigantesca fonte de emissão. “A Amazônia tem 120 bilhões de carbono armazenados nas árvores, o que significa 10 anos de queima de combustíveis fósseis do planeta”.

Mercedes Bustamante é referência nos estudos do Cerrado e coube a ela unir os pontos entre as agendas de clima e biodiversidade. “São os dois desafios definidores das próximas décadas”, sintetizou. Os governos devem adotar metas mais fortes para 2030 e não basta reduzir, mas é preciso aumentar a capacidade de retirar carbono da atmosfera, defendeu.

Em 2019, o Brasil respondeu por 1/3 da perda de florestas primárias no mundo, disse Mercedes. “A nossa responsabilidade local e global é muito importante.” Ela mencionou a face da injustiça da mudança do clima - os mais ricos causam o problema e os mais pobres sofrem os impactos.

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Em paralelo a tudo isso, a notícia da visita da deputada alemã Beatrix von Storch ao governo brasileiro na semana passada causou espanto e indignação. É verdade que ninguém escolhe seus ancestrais - o avô foi ministro das Finanças de Hitler - mas o caso é que ela é vice-líder da AfD, partido da extrema-direita alemã e autora de declarações polêmicas contra a imprensa, ambientalistas, movimentos LGBTIQ, refugiados. Foi recebida por Jair Bolsonaro, mas o surpreendente foi ter se reunido com o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações Marcos Pontes. Não se sabe o motivo nem o teor do encontro.

Pontes, o ministro-astronauta, tem outros assuntos com o que se preocupar. Há um apagão nos dados de pesquisas e pesquisadores em sistemas do CNPq desde sexta-feira. O quadro ainda é confuso em relação aos danos, o que deixa a comunidade científica em sobressalto. Em outra frente vislumbra-se uma tragédia anunciada. Os recursos do monitoramento do desmatamento e queimadas na Amazônia feito pelo Inpe seguem em queda livre.

O orçamento superou os R$ 6,3 milhões em 2013, mas começou a ser cortado em 2016. Em 2020, o dinheiro para monitoramento era de R$ 3,2 milhões e a previsão para 2021 é de R$ 2,7 milhões, segundo o Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop). Isso com o desmatamento em alta, a perspectiva de um inverno seco na Amazônia e o menor orçamento do Ministério do Meio Ambiente em 20 anos. O risco de recorde de queimadas na região nos próximos meses é evidente e assustador.

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