domingo, 14 de maio de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

O risco da falta de comedimento no Supremo

O Globo

Decisões contra Google e Telegram destoam do ideal democrático que a Corte sempre defendeu

Ninguém em sã consciência pode negar o papel fundamental do Supremo Tribunal Federal (STF) desde que o governo Jair Bolsonaro passou a atacar direitos básicos garantidos pela Constituição. Da obrigatoriedade da vacinação contra Covid-19 a limites à política armamentista, a Corte foi um dique eficaz contra os desvarios do Executivo entre 2019 e 2022.

Os ministros do STF foram, sobretudo, primordiais para que as eleições de 2022 transcorressem sem sobressaltos. À frente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tomaram todas as medidas necessárias para garantir a lisura do pleito. Depois da tentativa de golpe no 8 de Janeiro, o STF novamente agiu de modo ágil e oportuno. Graças à Corte, nossa democracia resistiu aos ataques.

A ação diligente do Supremo, porém, não o torna imune a críticas. Acompanhar atentamente as decisões da Corte constitucional é dever da sociedade e da imprensa. Depois do turbilhão do governo Bolsonaro, o Brasil precisa restabelecer a normalidade institucional, cuidando para que os ritos e direitos previstos em lei sejam respeitados.

Causam preocupação, por isso, as decisões recentes do ministro Alexandre de Moraes, no âmbito do inquérito que investiga notícias fraudulentas, ordenando a remoção de anúncios e conteúdos veiculados por plataformas digitais contra o Projeto de Lei (PL) das Fake News. Não se nega que essas empresas têm contribuído para enfraquecer as instituições democráticas em todo o mundo, mas não se justificam as punições cautelares contra elas por terem usado seus canais para dar destaque a suas posições, contrárias ao PL.

Evidentemente é preciso investigar os abusos atribuídos ao Google, acusado de privilegiar conteúdos contra o PL em seu mecanismo de busca. Também não tem cabimento o Telegram disseminar mentiras sobre o assunto a seus usuários. Mas não cabe ao STF regular o discurso. Não há lógica em crer que as mentiras de uma empresa contra um projeto de lei em debate no Congresso representem risco à democracia. Mentiras devem ser combatidas com a verdade, não com decisões da Justiça que carregam o DNA da censura.

A discussão sobre o PL das Fake News está avançada no Congresso. Na essência, ele acaba com a norma legal que exime as plataformas de responsabilidade por todo conteúdo que veiculam e as torna corresponsáveis quando usadas para crimes já previstos em lei. Embora erradas, elas têm direito de discordar desse novo modelo legal e de expressar sua posição. Se, na defesa dessa posição, violarem a lei ou causarem danos, a própria lei prevê os remédios cabíveis: os responsáveis responderão pelos eventuais crimes cometidos, além de terem de indenizar os prejuízos que provocarem.

Dentro das suas competências, o próprio Supremo pode declarar a inconstitucionalidade do artigo do Marco Civil da Internet que concede a injustificada imunidade às plataformas pelos danos que causarem. O julgamento do caso já está pautado.

Ao agir por voluntarismo, mesmo em defesa da democracia, o Supremo cria riscos para si e para a própria democracia. O combate legítimo aos excessos das plataformas digitais não vale o risco de desviar da legalidade. O STF precisa manter o comedimento e zelar pela aplicação estrita da lei. Só assim evitará que as recentes aventuras golpistas deixem marcas permanentes em nossa democracia.

Lei Geral do Esporte é avanço contra a violência e o preconceito no futebol

O Globo

Para funcionar, porém, será preciso que clubes, federações e autoridades se empenhem em cumpri-la

A Lei Geral do Esporte, aprovada pelo Senado na semana passada, representa um passo importante para enfrentar atos de violência, preconceito e intolerância que continuam a contaminar estádios do país, a despeito das inúmeras campanhas de conscientização. Considerada um novo marco regulatório do esporte no Brasil, a nova legislação, que depende de sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, estabelece multas de R$ 500 a R$ 2 milhões para torcedores e clubes que praticarem atos de racismo, homofobia, sexismo ou xenofobia.

Não se pode fazer vista grossa para atitudes inaceitáveis como a presenciada na arquibancada da Arena da Baixada, em Curitiba, no jogo entre Flamengo e Athletico Paranaense no último domingo. Vídeos comprovam que um torcedor do clube paranaense provocou os adversários imitando um macaco. Além de inaceitável, é criminoso.

E está longe de ser caso isolado. No mesmo fim de semana, segundo o Observatório da Discriminação Racial no Futebol, houve pelo menos outros dois episódios, embora não tenham ganhado os holofotes. Um jogador do CSA disse ter sofrido injúria racial na partida contra o Ypiranga, pela Série C, e um atleta do Hercílio Luz afirmou ter sido vítima de ofensas racistas durante o jogo contra o Aimoré, pela Série D. Não são menos importantes porque aconteceram nas divisões inferiores. De acordo com o Observatório, em 2021 foram registrados 158 casos de discriminação em arenas esportivas (não só de futebol), 137 no Brasil e 21 com atletas brasileiros no exterior.

A nova legislação, que unifica todas as normas esportivas num único texto, também tenta coibir a violência nos estádios. Torcidas organizadas que promoverem pancadarias, invasão de campo ou discriminação poderão ser banidas por até cinco anos. Nos últimos meses, cenas lamentáveis de selvageria têm ganhado mais repercussão que as disputas nos gramados. Em março deste ano, torcedores de Flamengo e Vasco transformaram as imediações do Maracanã num cenário de guerra. No mesmo mês, depois da eliminação do Internacional no Campeonato Gaúcho, um torcedor invadiu o campo com uma criança pequena no colo e agrediu um jogador do Caxias.

Outro aspecto positivo diz respeito aos casos de corrupção. Tentativas de obter vantagens indevidas no esporte serão punidas com penas de dois a quatro anos de prisão. A medida é oportuna para coibir esquemas de manipulação de resultados que favorecem apostas fraudulentas, em expansão no país. O Ministério Público de Goiás investiga indícios de fraudes em campeonatos das Séries A e B do Brasileirão e regionais, e a Polícia Federal também abriu inquérito sobre o tema.

Embora a lei sirva de base para coibir práticas nefastas, só terá efeito se aplicada. Não basta existir base jurídica para punição. Com raras exceções, há leniência demasiada de federações, clubes e autoridades para identificar agressores, afastá-los dos estádios e puni-los. Não será tarefa fácil mudar o comportamento de torcedores sem mudar também o dos cartolas.

Avanço estatal

Folha de S. Paulo

Crédito sobe em bancos públicos, com distorção que reduz eficácia de ação do BC

Pela primeira vez desde o início de 2016, os bancos públicos expandiram o crédito em velocidade superior à observada nas instituições nacionais privadas —13,8% contra 10,9% nos 12 meses até março.

É notável a inversão em relação a meados de 2021. Naquele momento, o ritmo de aumento no sistema privado correspondia a cerca de duas vezes e meia o das instituições financeiras estatais.

Diante das claras intenções do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de expandir os gastos públicos e promover maior ativismo dos bancos oficiais, tal evolução reforça temores de que sejam repetidos erros graves do passado.

Sob a petista Dilma Rousseff, a multiplicação de crédito subsidiado —com participação de mercado do sistema estatal chegando a superar 50%, ante 43% hoje— resultou em graves desequilíbrios.

Naquele momento, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal foram pressionados a atuar fora de suas especialidades, e o BNDES recebeu quase 10% do PIB em dinheiro público para repasses a taxas favorecidas e custeadas pelo Tesouro.

Além de contribuir para o rombo das finanças públicas e beneficiar setores a partir de critérios duvidosos, o aumento do crédito direcionado provocou redução da eficácia da política monetária.

Quanto maior o volume de empréstimos e financiamentos a juros insensíveis às ações do Banco Central, maior precisa ser a taxa Selic para o controle da inflação, prejudicando em demasia as famílias e empresas que dependem das linhas convencionais.

Tais fenômenos são bem documentados, embora deva-se ter em mente que os dados ainda não permitem inferir que o comportamento dos bancos públicos já resulta de nova orientação.

A ampliação das operações decorre justamente do peso do crédito direcionado. Nessa modalidade, a alta foi de 14% nos 12 meses até março e de 1,9% no primeiro trimestre ante o anterior.
Há forte aumento do financiamento agrícola, por exemplo, dados os resultados da safra de grãos.

Em paralelo, o aumento do custo vem contendo o crédito livre, que teve variação de 10,5% e -0,5% nas mesmas bases de comparação.

O que ocorrerá daqui para a frente vai depender da ação do governo. Sem novos subsídios, o crescimento mais forte do crédito favorecido tende a ser passageiro, conforme o Banco Central reduza a taxa básica, algo que se espera para o segundo semestre.

Há ensaios de retrocesso, em especial no BNDES, cujo comando indica o intento de interromper o processo de ajuste dos últimos anos. Mesmo que não se retome o ativismo tresloucado dos anos Dilma, a ideia é temerária.

Armas na mira

Folha de S. Paulo

Reverter política bolsonarista no setor traz de volta sensatez à gestão pública

Em apenas quatro anos, Jair Bolsonaro (PL) logrou colocar um milhão de armas nas mãos de caçadores, atiradores e colecionadores (CACs) —um aumento de 187% em relação a 2018. Tal feito impõe danos à segurança pública, e revertê-lo não será tarefa fácil.

Ao tomar posse, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou medidas para suspender registros de armas de uso restrito para CACs e particulares, paralisar a concessão de novos certificados a CACs e clubes de tiro e limitar o número de armamentos e munições permitidas.

Flávio Dino, ministro da Justiça, pretende entregar um novo decreto regulamentando o Estatuto do Desarmamento —lei corroída pelos dispositivos de Bolsonaro.

Além do risco inerente em aumentar a posse de armas, a política anterior nem sequer contava com uma base sólida de dados.

Em 2022, o Exército admitiu ser incapaz de pormenorizar os tipos de artefatos em circulação de forma precisa, devido à ausência de padronização do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas.
Diante deste cenário, o principal desafio é retomar o monitoramento e a rastreabilidade de armas e munições no país.

Lula estuda passar para a Polícia Federal a responsabilidade, hoje do Exército, de emitir certificado de registro e cadastro de armas para CACs e de fiscalizar clubes de tiros.

Nessa mesma direção, em fevereiro o governo determinou que todas as armas fossem registradas no sistema da PF. Fortalecer a capacidade institucional de fiscalização e averiguar as lacunas no monitoramento feito pelo Exército são medidas urgentes.

Um arsenal sem controle facilita o acesso de criminosos a armamentos. Em junho de 2021, um membro da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) chegou a obter do Exército o registro de CAC, mesmo com uma ficha corrida de 16 processos criminais.

O Tribunal de Contas da União já mostrou como a fiscalização é frágil. Em casos flagrantes de ilegalidade levantados pelo tribunal, o Exército apenas abriu processo administrativo, sem acionar a PF.

A gestão bolsonarista, como em outas áreas, era regida por negacionismo e ideologia. Pesquisas internacionais mostram que facilitar o armamento civil não gera benefícios para a segurança pública. As medidas ora tomadas pelo novo governo são o primeiro passo para que a sensatez volte a nortear as políticas do setor.

Presidencialismo de comercialização

O Estado de S. Paulo

A reciclagem do orçamento secreto para garantir apoio a projetos ruins em troca de gastos ruins expõe a hipocrisia de Lula e derruba os mitos do ‘grande articulador’ e da ‘frente ampla’

O presidente Lula da Silva liberou R$ 9 bilhões em emendas negociadas pelo antecessor, Jair Bolsonaro, a serem repassadas sem transparência e a conta-gotas, conforme o resultado das votações e a fidelidade dos parlamentares. Em outras palavras, trata-se da reciclagem do orçamento secreto.

O esquema consistiu na hipertrofia das emendas do relator do Orçamento (RP9). Originalmente uma parcela marginal de recursos para ajustes contábeis, a RP9 cresceu para R$ 19 bilhões, distribuídos a aliados sem critérios técnicos nem transparência.

É uma violência aos princípios da publicidade, da impessoalidade e da eficiência. Só quem vota com o governo é beneficiado e os municípios sem padrinho no Congresso são punidos. Além de distorcerem a competição eleitoral e a representação democrática, os recursos não só são mal distribuídos, como, repassados abaixo do radar, abrem margem à corrupção. Há muitos indícios de gastos superfaturados.

A ampliação, a imposição e a diversificação das emendas parlamentares cresceram exponencialmente nos governos Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro. Ambos iniciaram seus mandatos tentando impor seu voluntarismo ao Congresso. À medida que sua credibilidade derretia, as hostes clientelistas farejaram uma oportunidade de chantageá-los e o Orçamento foi loteado em troca de sustentação. As emendas individuais e de bancadas foram engordadas e tornaram-se impositivas. Mas essas ao menos são distribuídas com algum controle e equidade. Já as emendas de relator e as “transferências especiais” (ou “cheque em branco”), realizadas diretamente pelos parlamentares a seus currais eleitorais, são repassadas de maneira totalmente arbitrária e opaca.

Nas eleições, Lula disse que o orçamento secreto foi o “maior esquema de corrupção da história”. Numa tacada, sua reciclagem expõe a hipocrisia do chefão petista e deita por terra dois mitos sobre ele: o do “grande articulador” e o do líder da “frente ampla democrática”. Fosse um líder sincero e um articulador competente, Lula reconheceria que a margem de votos nada ampla que lhe deu a vitória sinaliza menos um endosso ao programa petista que o receio de um novo mandato de Bolsonaro. Tanto que os partidos de sua base eleitoral conquistaram pouco mais de 130 cadeiras na Câmara. Uma articulação republicana implicaria fazer concessões e negociar projetos com a maioria conservadora no Congresso, distribuindo condizentemente o poder.

Lula, porém, concentrou o núcleo do poder no PT, acreditando que garantiria a governabilidade mercadejando cargos de segundo escalão na Esplanada dos Ministérios. Mas justamente os poderes orçamentários acumulados pelo Parlamento tiraram poder dos ministérios, que hoje são uma desvalorizada moeda de troca. Longe de matizar seu voluntarismo ideológico e negociar conteúdos programáticos, Lula tenta enfiar goela abaixo do Congresso as ideias fixas e retrógradas do PT, revertendo decisões do Parlamento (como o Marco do Saneamento ou a privatização da Eletrobras) à base de decretos e ações judiciais. A retaliação veio a galope e o custo da governabilidade aumentou.

“O povo brasileiro vai escolher se quer orçamento feito pelo relator, distribuído pelos deputados e senadores, ou a volta do mensalão”, disse com assustadora franqueza, no ano passado, o presidente da Câmara, Arthur Lira. “São as duas maneiras de cooptar apoio no Congresso.” O povo não precisa fazer essas escolhas, pois ambas são inconstitucionais, como já determinou o Supremo. Já o governo, prisioneiro do voluntarismo de Lula e submetido à lógica desse presidencialismo de comercialização descrito por Lira, pode começar a trabalhar de verdade para construir uma base confiável, unida por propósitos políticos comuns, ou pode se deixar submeter a esse presidencialismo de comercialização, em que cada voto deve ser comprado com emendas parlamentares sem controle nem transparência. Aparentemente, Lula já fez sua escolha.

Política industrial para os novos tempos

O Estado de S. Paulo

Debate sobre política de estímulos ao segmento deve mirar modelo com forte investimento tecnológico e melhor índice de produtividade; exemplo pode ser encontrado no agronegócio

Simultaneamente às críticas ao elevado nível dos juros no País, empresários estão reclamando do governo a adoção de uma política industrial. Eles acreditam que medidas de estímulo possam fazer com que o setor fabril se recomponha das suas muitas fragilidades e da dificuldade para competir nos mercados doméstico e do exterior e volte a crescer.

Não há dúvidas sobre a perda de importância comparativa da indústria no País – e globalmente. Dados do IBGE mostram que o setor, no Brasil, continua 1,3% abaixo do seu patamar pré-pandemia, apesar da expansão de 1,1% em março.

No debate, está fazendo falta, no entanto, uma definição mais clara de qual modelo de indústria se quer no País.

No mundo, o setor industrial passa por uma profunda revolução tecnológica, com prioridades contemporâneas, como a questão climática e a valorização da inovação e da diversidade. Não faz sentido mais a concepção de um segmento com fábricas poluentes, com baixos índices de produtividade e produtos que não atendem mais aos desejos dos consumidores.

É hora, pois, de repensar minuciosamente como deve funcionar o setor industrial no País. Apostar simplesmente na concessão de incentivos que mirem um modelo anacrônico seria desperdiçar talento e inventividade, além de tempo e recursos – escassos no Orçamento da União e caros na tomada de empréstimos bancários.

Alguns, como o vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio (MDIC), Geraldo Alckmin, falam agora não mais em reindustrialização, mas sim em neoindustrialização, um conceito que englobaria também diversificação da matriz energética e a busca por sustentabilidade ambiental. Se isso é sério, como deveria ser, não faz sentido, por exemplo, a informação de que o governo federal pretende retomar a ideia de estimular novamente a produção do chamado “carro popular” – naturalmente mais poluente e menos tecnológico. Além de atentar contra o meio ambiente, a retomada do incentivo para carros baratos é um paliativo arcaico que não pode ser chamado de política industrial.

Um aspecto da política industrial a ser contemplado no debate é a possibilidade de as novas medidas resultarem em aumento na oferta de emprego – em geral as fábricas pagam melhores salários que outros setores da economia para os trabalhadores com carteira assinada. O secretário executivo do MDIC, Márcio Elias Rosa, informou recentemente ao Estadão que vai se buscar sustentabilidade, inclusão e descarbonização – e geração de emprego.

A questão é polêmica. “A reindustrialização no sentido de aumentar a participação do emprego na indústria de maneira significativa e sustentável me parece muito difícil, se não impossível”, disse o economista Dani Rodrick, da Universidade Harvard, em entrevista a este jornal. Sua opinião ganha força quando se lembra que ele é defensor de políticas públicas, inclusive industrial.

O presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva, defende a ideia de um mecanismo de apoio ao seu setor equivalente ao Plano Safra. Segundo ele, a Fazenda teria se comprometido a alocar recursos para a indústria no próximo Orçamento da União. “É inconcebível que a gente não possa ter algo semelhante. Por que tem no setor agrícola e não tem algo equivalente para a indústria de transformação?”

O exemplo do agronegócio é bemvindo ao debate. Ao longo das últimas décadas, foi extraordinário o processo de mudança por que passaram os métodos de produção agrícola e pecuária no Brasil, explicando o sucesso das exportações do País desses itens. Como se sabe, as vendas ao exterior do agronegócio crescem de forma consistente, ganhando espaço na pauta da balança comercial. No ano passado, as exportações desse setor econômico representaram quase 50% do total vendido pelo Brasil – foram exatos 47,6%.

Investir em tecnologia, em atender aos desejos dos compradores e inovar os produtos estão sendo diretrizes seguidas por muitos empresários do agronegócio. Incorporar esses parâmetros ao projeto de indústria que se deseja é essencial.

Floresta em pé, um tesouro

O Estado de S. Paulo

A preservação da Amazônia é vantajosa inclusive do ponto de vista econômico

Um estudo recém-divulgado pelo Banco Mundial mostra que a sustentabilidade é bem mais que uma boa causa. Afora todos os motivos para o País proteger o meio ambiente, o relatório apresenta estimativas quanto ao valor econômico da conservação da Amazônia Legal. Como noticiou o

Estadão, as projeções indicam que a floresta em pé vale até sete vezes mais que os ganhos obtidos com sua exploração econômica, seja na agricultura, na indústria madeireira ou na mineração. Mais um incentivo para que o País reforce os cuidados com a preservação da natureza.

A Amazônia é uma riqueza por si só, e isso fica mais evidente a cada dia no mundo inteiro. Trincheira contra o aquecimento global e verdadeiro tesouro da biodiversidade, sua mera existência tem valor estimado em mais de US$ 317 bilhões por ano − o equivalente a R$ 1,5 trilhão −, segundo o relatório.

O cálculo, como tudo que envolve a Amazônia, considera variáveis de magnitude extrema. Entre elas, a contribuição do ecossistema amazônico para o regime de chuvas na América do Sul, essencial para o êxito da agricultura no subcontinente, e seu papel como sumidouro de carbono, função cada vez mais valiosa na luta para diminuir o ritmo das mudanças climáticas.

Eis a dimensão econômica do patrimônio natural ameaçado pelo desmatamento. O xis da questão, porém, extrapola o diagnóstico desse valor universal e incontestável da maior floresta tropical do planeta. Como bem lembra o estudo do Banco Mundial, a Amazônia Legal tem 28 milhões de habitantes, um território maior que o da União Europeia e níveis alarmantes de pobreza.

Faz-se necessário, então, fomentar o crescimento econômico, elevando o padrão de vida da população ao mesmo tempo que se reforçam os cuidados com o meio ambiente. Daí por que a agenda verde deve conciliar desenvolvimento e preservação. Em outras palavras, encarar o desafio da sustentabilidade, com fórmulas capazes de transformar o trilionário tesouro apontado pelo Banco Mundial em recursos que melhorem as condições de vida das populações locais.

Ao se debruçar sobre o tema, o relatório Equilíbrio delicado para a Amazônia Legal Brasileira − um memorando econômico sinaliza que tamanho esforço exige repensar o modelo de desenvolvimento da região. De um lado, é preciso reforçar a fiscalização e o controle do desmatamento ilegal. Mas corre-se o risco de enxugar gelo, se não forem tomadas medidas estruturais para criar oportunidades e incentivar atividades que não impliquem devastação ambiental.

Ao chamar a atenção para a grandeza econômica da Floresta Amazônica, o Banco Mundial amplia o debate e abre espaço para soluções que primem pela sustentabilidade. O fato de que a floresta em pé tem valor econômico descomunal há de contribuir para a sua preservação − e isso é uma boa notícia. Melhor ainda será o dia em que toda essa riqueza significar mais comida na mesa e melhores condições de vida para toda a população. Sem a derrubada de árvores.

 

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