domingo, 14 de maio de 2023

Celso Rocha de Barros – Para onde, esquerda chilena?

Folha de S. Paulo

Resta ao presidente chileno aliar-se à centro-direita para garantir moderação nas regras do jogo

No domingo passado, o governo de esquerda de Gabriel Boric foi derrotado nas eleições dos novos constituintes chilenos. A coalizão governista Unidad para Chile obteve apenas 17 das 51 vagas no conselho que discutirá o novo texto constitucional.

A coalizão de centro-direita Chile Seguro também foi mal, obtendo apenas 11 vagas. O grande vencedor da noite foi o Partido Republicano, de direita radical, que obteve 23 cadeiras.

Na última semana, proliferaram análises da derrota chilena que eram 100% previsíveis quando já se conhecia a posição política do analista. A esquerda radical acusou Boric de se aproximar demais do centro. A direita acusou o presidente chileno de ter se perdido em seu esquerdismo.

Eu mesmo, social-democrata e simpatizante do velho Partido Socialista Chileno, me sinto tentado a dizer que a nova esquerda chilena deveria se limitar a reformar o Estado de bem-estar do país, cujo caráter privatista foi um dos principais alvos das revoltas da última década. Posso até estar certo, mas também estou fazendo diagnóstico por reflexo ideológico.

O debate da semana passada refletiu quase que exatamente a discussão sobre as razões da derrota de Boric no plebiscito sobre o projeto de Constituição de 2022. Além de muito longo, era muito à esquerda das posições do chileno médio.

Havia algo do junho de 2013 brasileiro na Constituinte chilena, com um grande número de constituintes eleitos individualmente, por fora dos partidos, sem experiência e, muitas vezes, sem seriedade ou consistência.

Entretanto, é bom tomar cuidado antes de repetir as análises de quase um ano atrás. Segundo a cientista política Talita São Tiago-Tanscheit, da Universidade Diego Portales, "o último tema da eleição foi a Constituinte em si". Para a pesquisadora, prevaleceram as discussões sobre segurança pública e migração. Isso ajuda a entender a vitória da direita radical.

Também é possível que o sentimento antissistema que elegeu Boric tenha migrado da esquerda para a direita. São Tiago-Tanscheit acredita que "qualquer presidente chileno, na conjuntura atual, seria mal avaliado, pois o mal-estar generalizado com a política é gigantesco".

O cientista político Noam Titelman, autor de "La Nueva Izquierda Chilena: de las Marchas Estudantiles a La Moneda" (Editora Ariel, 2023), suspeita que essa passagem do bastão "antissistema" pode não ter sido a última: o Partido Republicano também pode ser vítima da "maldição do vencedor", tornando-se o novo alvo da insatisfação popular. Se a direita insistir nos modelos de seguridade social fortemente privatistas atualmente existentes, essa possibilidade será maior.

Por outro lado, ciclos de revolta não costumam durar para sempre, e a aprovação de uma nova Constituição pode parecer um ponto de chegada razoável para uma população já cansada. Resta a Boric aliar-se à centro-direita para garantir que a predominância momentânea dos reacionários não se reflita nas regras do jogo chileno para as próximas décadas.

É provável que a Constituição dos sonhos da esquerda chilena nunca tenha sido possível, mas uma Constituição melhor do que a de Pinochet ainda é, e seria uma grande vitória.

2 comentários:

Mais um amador disse...

" Eu mesmo, social-democrata e simpatizante do velho Partido Socialista Chileno, me sinto tentado a dizer que a nova esquerda chilena deveria se limitar a reformar o Estado de bem-estar do país, cujo caráter privatista foi um dos principais alvos das revoltas da última década. Posso até estar certo, mas também estou fazendo diagnóstico por reflexo ideológico. "

Honesto

ADEMAR AMANCIO disse...

Honestíssimo,rs.