domingo, 11 de maio de 2025

Inflação recua, mas incertezas mantêm risco - Rolf Kuntz

O Estado de S. Paulo

O impulso inflacionário poderia ser menor, se o governo freasse os gastos federais e aceitasse um desempenho econômico mais contido

A primeira missa do novo papa foi seguida, para os brasileiros, pela divulgação dos novos números da inflação: 0,43% em abril; 2,48% neste ano; e 5,53% em 12 meses, taxa bem superior ao teto da meta (4,50%) e muito acima do centro do alvo (3%). Em viagem à Rússia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva celebrou os 80 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, distanciando-se, por um momento, da guerra diária de seus conterrâneos contra o aumento de preços nos supermercados, nas lojas e nos serviços essenciais.

Para os otimistas, a notícia mais importante pode ser o declínio da inflação mensal. A taxa recuou de 1,31% em fevereiro para 0,56% e 0,43% nos dois meses seguintes. Mas a alta de preços acumulada em 12 meses foi 0,05 ponto superior à de março e ultrapassou todos os patamares alcançados desde o início do ano anterior.

Menos tolerante que o governo, o Banco Central reagiu à disparada dos preços antes de ser divulgada a inflação de abril. Além de aumentar os juros básicos de 14,25% para 14,75%, o Comitê de Política Monetária (Copom) anunciou, no começo da noite de quartafeira, um aperto prolongado.

O cenário, segundo nota do comitê, continua “marcado por expectativas desancoradas, projeções de inflação elevadas, resiliência na atividade econômica e pressões no mercado de trabalho”. A descrição corresponde a uma economia com muita vitalidade, mas o cenário é sombreado pelo risco de um crescente desequilíbrio dos preços. A resposta, de acordo com o informe, deve ser “uma política monetária em patamar significativamente contracionista por período prolongado, para assegurar a convergência da inflação à meta”.

O aumento dos juros, mais um desafio tanto para os empresários quanto para os consumidores, era esperado por quem acompanha os números de uma economia com baixo investimento e baixo potencial de expansão. A novidade, se houver alguma, só pode ser a promessa de um aperto prolongado, num “cenário de elevada incerteza”.

Esse detalhe, a grande incerteza, é comum à maior economia do mundo, os Estados Unidos, e à maior da América Latina, o Brasil. Além disso, nos dois países os bancos centrais apontam os governos como responsáveis pelas tensões inflacionárias.

No caso americano, o risco de maior elevação dos preços é vinculado às políticas do presidente Donald Trump, com novas tarifas contra importações e menor atenção às contas públicas. No Brasil, as pressões mais importantes são associadas à tendência gastadora do poder federal, um efeito dos objetivos políticos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Problemas associados ao custo da alimentação, resultantes de fatores climáticos, foram importantes no início do ano, mas devem, segundo se prevê, ter menos peso na maior parte de 2025.

Por enquanto, as expectativas de inflação permanecem, no mercado, bem acima das metas oficiais, como registra o Boletim Focus, publicado semanalmente pelo Banco Central e elaborado com base em projeções do setor financeiro. No boletim com data de 2 de maio, a mediana das projeções aponta inflação de 5,53% em 2025, ligeiramente inferior à indicada uma semana antes (5,55%). A taxa estimada para o próximo ano é menor (4,51%), mas bate no teto da meta oficial. Como as expectativas tendem a afetar a evolução dos preços, o relativo pessimismo do mercado já pode influenciar, em boa parte, o quadro inflacionário do futuro próximo.

Esse efeito pode ser atenuado pela política monetária, mas nem os dirigentes do Banco Central mostram segurança quanto à eficácia do recente aumento de juros. Fontes do mercado dão como provável pelo menos mais uma elevação da taxa, seguida por uma redução cautelosa. No Boletim Focus, a taxa básica estimada para o fim deste ano já foi reduzida de 15% para 14,75%. Os juros básicos projetados para dezembro de 2026 permanecem, há semanas, em 12,50%, uma taxa ainda bem alta pelos padrões internacionais.

O impulso inflacionário poderia ser menor, se o governo freasse os gastos federais e aceitasse um desempenho econômico mais contido. O avanço da produção estimado para este ano – de 2%, segundo projeção do mercado – já é modesto para uma economia emergente. As projeções para 2026 apontam desempenho mais fraco, na vizinhança de 1,70%. Mas a disputa eleitoral do próximo ano certamente dificulta, para o presidente, a decisão de conter o crescimento neste ano para limitar a evolução dos preços.

Uma revisão orçamentária poderia, talvez, diminuir as obrigações do governo e facilitar o controle de gastos. Recompor e limitar as despesas pode envolver, no entanto, negociações complicadas com outras áreas do poder central, da sociedade e também das administrações estaduais e municipais. Negociações desse tipo tendem a ser mais fáceis e menos custosas em momentos menos críticos, quando o Executivo é pouco pressionado por problemas urgentes. A revisão crítica do Orçamento e das obrigações federais poderia, no entanto, ser uma atividade normal e rotineira em Brasília, se a qualidade e os custos da gestão pública fossem temas habituais no centro do Poder Executivo.

 

Nenhum comentário: