domingo, 11 de maio de 2025

Que papa será Robert Prevost? - Míriam Leitão

O Globo

A Igreja Católica sempre muda e permanece. Avança para depois recuar, mas agora o movimento parece o de consolidar avanços

A Igreja Católica sabe permanecer, quando desafiada, e tem usado a estratégia de avançar e, em seguida, recuar. Às vezes, o recuo é retrocesso mesmo, outras é para consolidar terreno e aparar as arestas entre as correntes políticas internas. Foi assim na passagem entre João XXIII e Paulo VI. O Concílio Vaticano II abriu tantas portas e fez uma atualização tão forte, e necessária, que Paulo VI trabalhou para organizar o chão revolvido. Francisco foi inovador em várias áreas, até em reduzir a distância entre o Papa e as pessoas. Papa Leão XIV não parece ter o carisma do antecessor, mas tem algumas das ideias essenciais, como na questão ambiental, um dos maiores legados de Francisco, reunido na Laudato Si’.

A escolha do Papa foi tema dominante nos últimos dias, muito além do mundo católico, porque é também uma questão política. Não é preciso ser católico para saber a importância de uma encíclica como a Rerum Novarum, com a qual Leão XIII renovou o pensamento social da Igreja, ao defender direitos trabalhistas. Uma encíclica para tempos de mudança, como os de agora. Por isso tem significado a escolha que o cardeal Prevost fez do nome que usará em seu pontificado. “A sede de inovações, que há muito se apoderou das sociedades e as tem numa agitação febril devia, tarde ou cedo, passar das regiões da política para a esfera vizinha da economia social.” Escritas em 1891, essas palavras servem ao momento atual, também marcado por radicais inovações.

João XXIII fez o “aggiornamento” da Igreja num tempo da guerra fria, em que sua escolha pela defesa dos direitos humanos e sociais foi fundamental. João Paulo II foi o papa da globalização, do início da era midiática. Seu gesto de beijar o chão onde pisava pela primeira vez tinha impacto imediato para os nacionais de qualquer país. Eu o vi em Brasília na sua primeira viagem ao Brasil. Era um comunicador natural.

Que papa será o cardeal Robert Prevost? Muitas pistas ficaram desses primeiros dias. O impulso que Francisco impôs ao movimento renovador foi tão forte que não podia ser simplesmente revogado. Um papa conservador seria difícil de aceitar ainda que as correntes tradicionalistas estejam inquietas. O fato de terem atingido a maioria logo no segundo dia é um sinal de que a Igreja não quer expor suas fraturas e buscou o acordo. Até porque o declínio do catolicismo em muitos países, pelo avanço de outras correntes do cristianismo, foi em parte revertido por Francisco, apesar de o crescimento ter se dado não em países majoritariamente católicos, como o Brasil, mas na África e em uma parte da Ásia.

Prevost é um americano atípico e típico, ao mesmo tempo. Descendente de francês e espanhol, sua família em algum momento migrou para os Estados Unidos. Viveu no Peru, adotando a cidadania, indo fundo na sua escolha latino americana. Isso é um sinal fortíssimo diante da agressividade da política anti-imigração do presidente americano Donald Trump. Aliás, a ordem de acolhimento aos recém-chegados de outros países é bíblica: “Amarás o estrangeiro porque também tu fostes estrangeiro nas terras do Egito.” Trump, filho de imigrante, não demonstra conhecer mandamento algum de caridade. Terá em Leão XIV seu contraponto americano? Provavelmente.

Um dos momentos mais desafiadores da Igreja foi a Reforma Protestante, de 1517, e ela reagiu com a Contra-Reforma. Uma nota pessoal. Nunca fui católica. Nasci num lar protestante. Meu pai e dois tios eram pastores presbiterianos e foram muito presentes em minha formação. O movimento evangélico, que se distingue do protestante histórico, era então incipiente. Tive uma experiência inesquecível com a Igreja Católica nos anos 70. Quando saímos da prisão, nós estudantes da UFES, fomos chamados à Arquidiocese de Vitória. O bispo auxiliar Dom Luís Gonzaga Fernandes se dirigiu aos pais que estavam presentes. “Seus filhos não erraram. Eles estão certos. O erro é do governo que os prendeu.” A sensação de que uma instituição nos acolhia, naquele tempo tão terrível, foi poderosa. O abraço de Dom Luís eu nunca esqueci. A renovação da Igreja não era apenas teórica, ela protegia os perseguidos pelas tiranias latino-americanas.

Que papa será o cardeal Prevost? Há bons sinais de fumaça de que será de continuidade reformista. Ainda que não esteja no horizonte o enfrentamento dos dogmas que há muito caducaram, o do celibato e o do veto à ordenação das mulheres.

 

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