domingo, 11 de maio de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Supremo acerta ao derrubar provocação penal da Câmara

Folha de S. Paulo

Manobra juvenil tentou sustar ações contra acusados de golpe; Congresso poderia discutir pena maior para cabeças do 8/1

A desfaçatez, o corporativismo e a irresponsabilidade deram as mãos na Câmara dos Deputados na quarta-feira (7). Numa manobra que não deixa nada a dever para as estudantadas, 315 deputados federais pretenderam derrubar, numa só tacada, toda a ação penal que acusa o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais sete pessoas de conspirarem contra a democracia.

O pretexto foi a avaliação do caso do ex-diretor da Agência Brasileira de InteligênciaAlexandre Ramagem, um dos réus nesse processo que corre no Supremo Tribunal Federal. Como Ramagem foi eleito deputado federal no final de 2022, a Constituição faculta ao plenário da Câmara, provocado pelo partido do acusado, suspender a ação penal.

Não é preciso ter estudado direito para concluir que o comando constitucional se aplica tão somente ao parlamentar, não se estendendo aos outros sete réus da ação desprovidos de mandato legislativo. O texto da Carta também é claro ao limitar a proteção ao período que se inicia após a diplomação do candidato eleito, que ocorreu em dezembro.

O escopo da deliberação na Câmara, portanto, se restringia a Ramagem e, mesmo neste caso, não abrangia crimes que porventura tenha cometido antes da diplomação. Porém mais de 300 deputados, à guisa de pregar uma peça na semântica, na compostura institucional e no STF, aprovaram uma ordem que mandava parar tudo na corte constitucional.

Para a surpresa de ninguém, nem mesmo dos presepeiros, a Primeira Turma do Supremo logo enterrou a brincadeira. Ramagem, e apenas ele, enquanto for deputado não responderá pela parte das imputações ocorridas após receber o diploma, o que o exclui de responder pelos ataques de 8 de janeiro de 2023.

Chegou-se a dizer da fanfarronice que o seu intento seria empurrar mais um desgaste político para o Supremo, que teria o ônus de invalidar mais uma deliberação do Legislativo. A tese carece de sentido, pois quem abusou das suas funções e tentou se imiscuir em questões do Judiciário foi a Casa dos deputados.

Congresso Nacional deveria dedicar suas energias a assuntos bem mais importantes para o país do que pôr-se a reboque das tentativas desesperadas de um pequeno grupo de se livrar por vias impróprias das garras da Justiça.

Que os acusados tentem provar a sua inocência no tribunal. Que os juízes revejam as penas daqueles que claramente não exerceram papel de liderança e financiamento na intentona autoritária.

Quanto muito, deputados e senadores poderiam formular uma legislação que ajudasse a punir com maior rigor os cabeças de agressões golpistas, enquanto sanções mais leves recairiam sobre os soldados rasos das depredações. Isso seria agir dentro de sua competência de legisladores.

Uma iniciativa nesse sentido, ao que consta, brota pelo patrocínio do presidente do SenadoDavi Alcolumbre (União Brasil-AP). Que seja conduzida com cautela.

Quem pagará pelos crimes no INSS?

Folha de S. Paulo

Sem plano de ressarcimento, governo estuda usar dinheiro dos contribuintes; negligência gerou crise difícil de remediar

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda não encontrou uma resposta minimamente satisfatória para o escândalo do INSS, o que o impede de controlar a crise.

Está claro que o instituto e o Ministério da Previdência não tomaram providências relevantes a fim de conter o roubo de parte dos benefícios de aposentados e pensionistas, mesmo depois de anos de alertas de instituições de controle e investigação e da disparada dos descontos na administração petista.

Houve titubeio na demissão do presidente do INSS. Lula demorou a exonerar o ministro. Diante de evidências de ineficácia e negligência, a providência maior se resumiu a promover a titular da pasta o número 2 de Carlos Lupi.

Agora, o governo se mostra desorientado quanto à medida mais elementar: a devolução do dinheiro às vítimas das fraudes.

Como noticiou a Folha, o governo estuda fazer o ressarcimento com recursos orçamentários —ou, em bom português, tirando mais dinheiro dos contribuintes, entre os quais estão os próprios lesados sob a guarda do INSS. Mas nem sobre isso existe clareza até o momento.

Não se sabe qual foi a dimensão precisa do roubo, como definir quais beneficiários têm direito à devolução nem o procedimento para levá-la a cabo. Está em estudo, sem detalhes conhecidos, um acordo judicial.

É óbvio que o caminho mais correto é fazer com que os sindicatos e as entidades favorecidas pelo esquema arquem com os pagamentos, começando com os recursos já bloqueados dos suspeitos. Entretanto tal opção está cercada de dúvidas, já que não há decisão da Justiça ou certeza sobre os responsáveis pelo esbulho.

O desconto das parcelas de empréstimos consignados para beneficiários do INSS também foi bloqueado, aparentemente por suspeita de irregularidades, dadas as milhares de queixas de aposentados e pensionistas.

Não à toa, o caso passou a ter repercussão maior nas redes sociais. O Congresso Nacional, omisso também por anos, ameaça interferir na questão ou instalar uma CPI.

O chefe da Casa CivilRui Costa, acusou o titular da Controladoria-Geral da União (CGU), Vinicius Carvalho, de não passar informações, "em nível de ministro", que pudessem permitir uma ação preventiva.

Espantosamente, criticou-se em público a autoridade de governo que mais se ocupou de conter o crime.
Foi por omissão e falta de espírito reformista que o governo Lula deixou o problema explodir no seu colo. Toda a sociedade parece fadada a pagar os prejuízos.

Corrigir o salário mínimo acima da inflação é armadilha

O Globo

Como explica economista Arminio Fraga, medida acaba por punir os mais pobres em vez de beneficiá-los

Numa palestra nos Estados Unidos em abril, o economista Arminio Fraga fez uma sugestão economicamente sensata: defendeu uma pausa em reajustes acima da inflação para o salário mínimo por ao menos seis anos. Tal fórmula era adotada antes do atual governo e mantém o poder de compra do trabalhador. Mesmo assim, na confusão das redes sociais, a proposta foi descrita incorretamente como “congelamento” e como ataque aos mais pobres. A sugestão de Fraga precisa ser entendida como o oposto disso: uma tentativa de corrigir os desequilíbrios fiscais que acabam por punir com maior intensidade justamente os mais pobres.

Não é tão difícil entender por quê. Como 70% dos benefícios pagos pelo INSS são corrigidos pelo mínimo, o ganho acima da inflação tem impacto imediato no rombo da Previdência — R$ 304,6 bilhões, ou 2,5% do PIB, em 2024. Se nada for feito, apenas em razão da correção acima da inflação, esse percentual quase dobrará em 25 anos. O governo será obrigado a cobrir o buraco, e isso se tornará endividamento, com consequências nefastas sobre os juros e o crescimento da economia. “A situação que vivemos não é sustentável, quem paga o pato são os mais pobres”, afirmou Fraga ao GLOBO.

O ideal seria desvincular a correção dos benefícios sociais e aposentadorias pagos pelo INSS do salário mínimo. Todos poderiam continuar a ser corrigidos apenas pela inflação, mantendo inalterado o poder de compra dos beneficiários e aposentados. Ao mesmo tempo, o mínimo poderia ser reajustado acima desse patamar sempre que o crescimento econômico permitisse, sem prejuízo para as contas públicas. Mas trata-se de proposta com baixa viabilidade política num Congresso sempre ávido por distribuir benesses e recalcitrante a impor limites fiscais. A sugestão de Fraga teria efeito prático similar, com menor custo político — desde que o governo a bancasse.

Em sua pregação pelo equilíbrio fiscal, Fraga tem defendido um ajuste fiscal da ordem de 3% do PIB. Adotada a correção do mínimo pela inflação, ele calcula impacto positivo nas contas públicas de 1% do PIB ao ano em 2030. Para fechar a conta, propõe uma nova reforma da Previdência e cortes nas renúncias fiscais destinadas a grupos de interesse específicos. A previsão para este ano é que elas somem 7,2% do PIB, sem que ninguém faça o menor gesto até mesmo para avaliar sua eficácia. A título de comparação, o Bolsa Família, mesmo quadruplicado depois da pandemia, custa 1,5% do PIB. Para Fraga, a redução de parte das renúncias traria ganhos fiscais para o país e também “certa noção de justiça”.

Ao contrário do que se poderia esperar de alguém acusado de querer punir os mais pobres, ele também defende que se mantenham inalterados os percentuais do Orçamento destinados a Saúde e Educação. Cálculos do próprio governo mostram que, em razão do crescimento dos gastos em outras rubricas — sobretudo com a Previdência em razão dos reajustes do salário mínimo —, já em 2027 faltarão R$ 10,9 bilhões para cumprir os gastos mínimos exigidos para as duas pastas. “O Brasil já deveria ter aprendido que nas aventuras populistas, voluntaristas fiscais, deu tudo errado”, diz Fraga. É alvissareiro o esforço dele para sanar os problemas fiscais e evitar desastres. Suas ideias devem ser levadas adiante justamente porque, em vez de punir, beneficiarão os mais pobres.

Reabertura do Palácio Capanema traz lições para preservar patrimônio

O Globo

Governo decidiu concluir obra com dinheiro público, mas será inviável mantê-la sem recursos privados

O Ministério da Cultura promete para o próximo dia 20 a reabertura do Palácio Gustavo Capanema, no Centro do Rio. Depois de quase uma década de obras — que nem acabaram — o prédio, inaugurado em 1945 para abrigar o então Ministério de Educação e Saúde Pública, deverá voltar a ser usufruído pelos brasileiros. O desfecho é positivo, pois encerra um período de abandono e desleixo em torno desse marco da arquitetura modernista. Mas o caminho para alcançá-lo foi turbulento e encerra lições que deveriam ser aprendidas na hora de lidar com o patrimônio histórico brasileiro.

Ao longo de diferentes governos, a joia arquitetônica passou anos se deteriorando. Em 2012, elevadores foram interditados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) depois que um deles despencou, felizmente sem causar vítimas. Vidros das janelas quebravam e não eram repostos. Belos painéis de azulejos de Cândido Portinari ficaram encobertos por tapumes da obra que se arrastava.

Em 2021, diante da incapacidade de concluí-la e da falta crônica de recursos, o governo Jair Bolsonaro decidiu leiloar o edifício. A grita foi geral, por temor de que o patrimônio fosse deteriorado, quando teria sido perfeitamente possível adotar um modelo de privatização que impusesse sua preservação — como já ocorreu com dezenas de imóveis no país e no mundo.

Incapaz de superar a resistência ideológica, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu alocar o dinheiro público necessário a concluir a obra. O resultado foi uma reforma que custou R$ 84,3 milhões, incluindo melhorias nas instalações elétrica, hidráulica e de combate a incêndio. Quem visita o Capanema reformado fica impressionado com o resultado.

O edifício, de 16 andares, é um legado da arquitetura, do paisagismo e da cultura nacionais. O projeto, sob consultoria do arquiteto franco-suíço Le Corbusier, reuniu Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Jorge Machado Moreira, Carlos Leão e Ernani Vasconcellos. O rico acervo inclui painéis e pinturas de Portinari, obras de Alberto Guignard, esculturas de Bruno Giorgio, Adriana Janacópulos e jardins de Roberto Burle Marx. Tombado desde 1948, o conjunto exibe as principais inovações do modernismo brasileiro: pilotis, planta livre, janelas horizontais, terraço-jardim. Agora o prédio deverá abrigar instituições como a Funarte, setores da Biblioteca Nacional, da Fundação Casa de Rui Barbosa e do Iphan. Embora as obras prossigam, o governo promete que o prédio será aberto à visitação.

As perspectivas de reocupação do prédio e sua devolução à sociedade são animadoras. Mas tão importante quanto reformar é a manutenção, para que não voltem os mesmos problemas. As limitações orçamentárias são conhecidas. Ocupar o Capanema com repartições públicas pode devolver-lhe a importância perdida, mas não muda a condição de penúria. O ideal é que o governo busque parcerias público-privadas que preservem o patrimônio sem depender das claudicantes verbas orçamentárias. Não deveria ser difícil.

Uma luz à direita

O Estado de S. Paulo

Iniciativa proposta por Michel Temer abre caminho para redefinir a direita brasileira num cenário sem seu maior líder – Jair Bolsonaro – e sem o radicalismo que marca o bolsonarismo

Diferentes jornalistas reportaram nos últimos dias uma iniciativa louvável do ex-presidente Michel Temer: ele trabalha para unir os cinco governadores que já manifestaram ambições presidenciais em torno de um projeto único, que funcione como alternativa à polarização protagonizada por Lula da Silva e Jair Bolsonaro. Batizada de Movimento Brasil, a iniciativa busca redefinir a direita brasileira num cenário sem o seu maior líder, hoje inelegível e a caminho de ser julgado e possivelmente preso pela tentativa de golpe de Estado. É uma forma de concretizar o que, neste momento, parece ser uma tarefa tão difícil e arriscada quanto necessária, isto é, projetar uma direita sem Bolsonaro, ancorada em torno de ideias comuns capazes de unir parcela do País e os governadores Tarcísio de Freitas (São Paulo), Eduardo Leite (Rio Grande do Sul), Ronaldo Caiado (Goiás), Romeu Zema (Minas Gerais) e Ratinho Junior (Paraná).

Se avançar, o movimento terá dois méritos especialmente relevantes: de um lado, atender aos clamores de uma parte significativa dos brasileiros que está cansada de Lula e Bolsonaro e dos tempos destrutivos protagonizados por ambos; e, de outro, consolidar o que se espera de uma direita adequada aos novos tempos, democrática, republicana, moderada, qualificada e liberal – tudo o que o bolsonarismo não é. É uma possibilidade, como se disse, difícil e arriscada em razão da arapuca que Bolsonaro montou para os governadores, na qual qualquer liderança que pretenda herdar seus votos precisará estar umbilicalmente ligada a ele e afinada com o bolsonarismo raiz. Como se sabe, o ex-presidente e seus filhos trabalham para que eventuais herdeiros rezem o seu credo com fidelidade absoluta.

O movimento de Michel Temer propõe algo diferente. Engenhoso, sugere que cada um dos governadores leve adiante sua pré-candidatura, sem atacar os demais. Juntos, eles bancariam um programa de governo que represente ideias com as quais o grupo concorda. A definição de quem, afinal, comandaria o programa se daria somente ao longo do primeiro semestre de 2026. Cauteloso, Temer concebeu um calendário que, realisticamente, ao mesmo tempo afasta e preserva Bolsonaro, ao levar a definição de um nome para quando avançarem os desdobramentos do julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal, enquanto simultaneamente evita que a direita trabalhe à mercê do bolsonarismo mais empedernido.

É verdade que, para o bem do Brasil, qualquer candidato da direita deveria cumprir a obrigação moral de condenar o golpismo e o extremismo que Bolsonaro representa. Mas também é verdade que, a essa altura, seria ingenuidade acreditar que o farão sem consequências eleitorais. Foi movido por esse cálculo – indesejável mas, vá lá, compreensível – que o favorito deles, Tarcísio de Freitas, equilibrou-se até aqui entre a enfática defesa do ex-presidente liberticida e a condição de moderado e democrata. Como este jornal já notou, Tarcísio parece ter feito o cálculo de que estar com Bolsonaro não necessariamente tiraria votos do eleitorado anti-Lula e anti-PT, mas afastar-se do ex-presidente o inviabilizaria entre os mais fiéis do bolsonarismo. Candidato ou não em 2026, ele sabe que a direita precisará acenar para Bolsonaro.

Os dois líderes políticos mais populares da história recente, Lula e Bolsonaro foram incapazes de usar sua popularidade para inspirar, em seus governados, como faria um verdadeiro estadista, o reconhecimento dos valores e aspirações comuns que nos unem como brasileiros. Ao contrário, foram hábeis em usar o dissenso como arma eleitoral, obliterando princípios que deveriam orientar a democracia brasileira, como a liberdade política e o pluralismo. O resultado está no sentimento popular: segundo pesquisa Genial/Quaest de março, mais da metade dos brasileiros preferiam um outro nome para liderar o País. Isso não significa, por ora, que haja espaço eleitoral para uma terceira via, mas certamente pede novas escolhas.

Enquanto a esquerda segue gravitando em torno de Lula da Silva, a direita tem a chance, com o movimento proposto por Michel Temer, de não só fortalecer um nome longe do clã Bolsonaro e do radicalismo como também ancorá-lo em torno de um projeto de país. Só em ensejar tal debate já torna importante sua iniciativa.

Das mulheres, Lula só quer os votos

O Estado de S. Paulo

Petista troca seis por meia dúzia no Ministério das Mulheres, não para melhorar as políticas públicas, mas para fingir que se preocupa com as eleitoras, descontentes com seu governo

Bastaram poucas horas da segunda-feira para o presidente Lula da Silva anunciar a troca de comando do Ministério das Mulheres e, ato contínuo, dar posse à assistente social e ex-ministra do Desenvolvimento Social Márcia Lopes, em substituição a Cida Gonçalves. A aparente rapidez, no entanto, esconde o que já se tornou hábito neste governo: ministros empurrados para a fritura pública por longo tempo até a consumação de sua saída. A demissão de Cida Gonçalves já era dada como certa desde o começo do ano, quando ela se viu engolfada por denúncias de ex-servidoras da pasta por suposta prática de assédio moral. Na lista de prováveis motivos, fontes do governo disseminaram também a ideia de uma suposta insatisfação do presidente com os resultados apresentados por sua gestão e seu impacto na popularidade do governo. Para a ministra demitida, contudo, nada disso explica a mudança. “Não é uma troca por incompetência, por assédio, por rixa. É uma troca de rumo, de momentos”, afirmou.

Eis o ponto: ninguém sabe oficialmente as razões que levaram Lula a promover a mudança. Enquanto o Palácio do Planalto não informou explicitamente os motivos – e a ministra demitida só soube explicar o que supostamente não foi razão para a demissão –, sabujos do presidente não hesitaram em difundir na imprensa, sob anonimato, a preocupação do chefe com a necessidade de aproximar seu governo do eleitorado feminino, ou um alegado incômodo com o que alguns classificaram de incompetência da ministra na gestão. Ou seja, assim como ocorreu com Nísia Trindade, demitida da Saúde, Cida Gonçalves, incompetente ou não, pode ser vista como o bode expiatório da vez, escolhida por um presidente habituado a jogar suas falhas em ombros alheios. Pesquisas mostram queda contínua de sua popularidade entre as mulheres.

“O presidente quer ver as mulheres mais contentes, mais protegidas. Quer que elas se sintam respeitadas, acolhidas, ouvidas”, disse Márcia Lopes ao tomar posse. O esforço da platitude destinada a proteger Lula é comovente, mas, dado o histórico do chefe, debalde. O fato é que não se sabe até aqui o que seria, para o presidente, uma gestão genuinamente competente do Ministério das Mulheres, capaz de fazer a diferença para o governo e, sobretudo, para a população feminina. Fizesse ou não o desejável, Cida Gonçalves não conseguiria satisfazer o que dela se esperava – porque, afinal, nem o próprio Lula saberia dizer o que dela esperar, exceto que soubesse fazer marquetagem de si mesma e do governo.

Para que não haja dúvidas: para Lula, o Ministério das Mulheres não passa de um simulacro, para encenar que alguma coisa está sendo feita em nome das mulheres. Lógica similar se deu com a Igualdade Racial de Anielle Franco, os Povos Indígenas de Sonia Guajajara, a Cultura de Margareth Menezes e mesmo o Meio Ambiente de Marina Silva. Na prática, Lula tem pouco a dizer sobre políticas públicas nessas áreas. Ou, do contrário, não daria a essas pastas o orçamento minguado de que dispõem. Com Cida Gonçalves ou Márcia Lopes, portanto, não há ideia genial ou revolucionária para o bem-estar e a cidadania das mulheres que sobreviva à falta de recursos do ministério para executá-la.

E assim se fez a 12.ª troca no primeiro escalão do atual mandato. Houve saídas para acomodar aliados (como Ana Moser e Daniela Carneiro), outras para tirar da ribalta ministros envolvidos com malfeitos (Juscelino Filho e Carlos Lupi) e mais algumas sob o argumento da incompetência e da falta de visibilidade (Nísia Trindade, Paulo Pimenta e Cida Gonçalves). A esta altura são inúteis expectativas sobre uma prometida reforma ministerial, em geral concebida para redistribuir cargos e orçamentos, adquirir musculatura política para aprovar agendas prioritárias ou preparar a coalizão para a próxima eleição. Estando onde estão – uma gestão impopular, um Ministério de baixa competência e poucos recursos, e sob um presidente sem ideias novas a apresentar ao País –, as trocas ministeriais se resumem a substituições de baixa eficácia ou a busca por um impreciso novo “rumo”, para usar a expressão da ministra demitida. Novo rumo só possível, convém dizer, se a tal reforma começasse pelo próprio condutor das mudanças em seu Ministério.

As fronteiras da violência

O Estado de S. Paulo

Brasileiros veem a segurança pública como questão nacional, o que exige união de esforços

Uma pesquisa da Genial/Quaest divulgada recentemente revela a percepção da população sobre a violência e a segurança pública. Segundo o levantamento com 2.004 pessoas em todo o País, esses temas não se limitam a municípios, regiões metropolitanas ou Estados, mas se espalham por todo o território brasileiro como um desafio de ampla dimensão.

A violência e a segurança pública são apontadas como um problema nacional por 70% dos entrevistados, enquanto 26% veem esses assuntos como um problema regional. Esse resultado mostra que os brasileiros sabem muito bem diagnosticar a crise na qual o País se encontra nessas áreas.

É na vida cotidiana dos cidadãos que a criminalidade deixa marcas profundas, como quando ocorre um roubo de um celular, um ataque violento no trânsito ou, mais dramático, um assalto que termina na morte da vítima, o latrocínio. Não à toa, de acordo com a pesquisa, 47% dos entrevistados disseram que a violência aumentou nos últimos 12 meses na cidade onde moram, e 42% afirmaram conhecer alguém que foi assaltado ou furtado.

Os números oficiais até podem indicar melhorias nos indicadores de criminalidade em alguns Estados, mas o fato é que há uma sensação de insegurança que se generaliza na sociedade. A pesquisa Genial/Quaest corrobora esse sentimento, que não pode ser ignorado pelas autoridades.

Esse medo se amplia porque o crime se organiza. Já é sabido por todos que existe uma cadeia de comando dos bandidos que ultrapassa os limites dos municípios, as divisas entre os Estados e as fronteiras do País. Os crimes do dia a dia estão interligados em redes de negócios ilícitos das facções criminosas que diversificam seus delitos, lavam dinheiro em empresas de fachada, operam fintechs e se associam a máfias internacionais.

Como se vê, o problema é transnacional. Por isso a população brasileira espera a união de esforços no combate ao crime organizado. Segundo a pesquisa, nada menos do que 85% dos entrevistados disseram que o problema da violência e da segurança pública deve ser enfrentado pelos governos federal e estaduais.

Os entrevistados, por sua vez, avaliaram mais positivamente a atuação dos governos regionais do que do governo federal. E isso deveria servir de alerta às autoridades do governo Lula da Silva. É preciso encontrar uma forma de agregar esforços respeitando o pacto federativo e mantendo a competência constitucional dos governos estaduais no que diz respeito à segurança pública. Logo, a recente Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública exigirá muitos debates para evitar atropelos.

O que a pesquisa Genial/Quaest explicita é que a população deseja a atuação conjunta dos entes da Federação, e isso não significa a ascendência do governo federal sobre os governos regionais. Fica claro que, para sufocar o crime e vencê-lo, o poder público precisa investir na integração de sistema, nas parcerias institucionais, na troca de informações entre os governos regionais, federal e até internacionais e no uso de inteligência.

Primeiras palavras do papa Leão XIV

Correio Braziliense

A busca por respostas rápidas sobre o pontificado de Leão XIV pode resultar em mais incompreensão e reducionismo, precisamente os termos criticados pelo Sumo Pontífice em seus primeiros dias no trono papal

Recém-escolhido para ocupar o trono de Pedro, o papa Leão XIV já emitiu sinais relevantes de sua visão a respeito da Igreja Católica. Na primeira missa realizada como Sumo Pontífice, na Capela Sistina, o sucessor de Francisco proferiu palavras de forte teor espiritual. Ao mesmo tempo em que criticou a ditadura do materialismo, traduzida pelo culto ao dinheiro, à tecnologia, ao poder e ao prazer, Leão XIV ressaltou as dificuldades do cristianismo de propagar a fé em meios tão inóspitos. Ressaltou, ainda, a incompreensão até mesmo sobre o Cristo, vítima de um reducionismo que ofende e distorce a personificação do filho de Deus. 

Em suas primeiras palavras como líder espiritual de 1,4 bilhão de fiéis, Leão XIV reiterou a missão da Igreja em um mundo marcado por guerras, divisões e egoísmo. E deixou claro que tem consciência da cruz que carrega à frente de uma instituição que, apesar da "grandiosidade de seus edifícios", tem desafios a superar. "Deus me confiou este tesouro para que, com a sua ajuda, eu possa ser seu administrador fiel em benefício de todo o Corpo Místico da Igreja. Ele o fez para que ela seja cada vez mais plenamente uma cidade sobre o monte, uma arca de salvação navegando pelas águas da história e um farol que ilumina as noites deste mundo", disse Leão XIV em sua homilia no Vaticano. 

Ainda é preciso tempo para saber em detalhes como o novo bispo de Roma pretende lidar com questões contemporâneas dentro e fora dos muros do Vaticano. Não se sabe ao certo, por exemplo, qual será a postura do líder católico quanto à maior participação das mulheres nos assuntos da Igreja. Do mesmo modo, há dúvidas sobre o posicionamento petrino em relação à comunidade LGBTQ , ou ainda aos divorciados. No tocante às relações internacionais, é razoável presumir que o sucessor de Pedro se colocará como um contraponto a líderes mundiais autocratas, que usam o poder e a ambição política como instrumentos de dominação. Mas a busca por respostas rápidas sobre o pontificado de Leão XIV pode resultar em mais incompreensão e reducionismo, precisamente os termos criticados pelo Sumo Pontífice em seus primeiros dias no trono papal. 

O que é certo dizer é que a eleição de Leão XIV confirma a vontade da Igreja Católica, com o respaldo de seus fiéis, de prosseguir com o legado de Francisco. E esse movimento é de enorme relevância no momento em que a hostilidade, o unilateralismo e a desigualdade prevalecem entre as nações. Em resposta a essa intenção, o novo pontífice ressaltou o compromisso de dar continuidade ao movimento pastoral que tanto marcou a trajetória de Francisco, com especial atenção aos desvalidos. Ademais, o cardeal Robert Prevost envia uma poderosa mensagem ao escolher o nome de Leão XIV, em homenagem ao líder que inaugurou a doutrina social católica para os tempos modernos, em meio ao forte impacto provocado pela Revolução Industrial e seus avanços tecnológicos.

Ontem, em reunião com os cardeais, Leão XIV deu mais um sinal de como pretende atuar: com humildade. Disse contar com a colaboração dos irmãos católicos à frente da Igreja. E confia em Deus para cumprir sua missão. Pois, sem Ele, "nada é válido, nada é santo", citando Paulo VI.

Câmara amplia número de deputados

O Povo

O projeto segue agora ao Senado, onde vai enfrentar alguma resistência. Vários senadores, de partidos diversos — PT, PL, União, Novo, PSB, Republicanos, entre outros —, declararam-se contra a lei. Que o Senado corrija esse equívoco da Câmara

Tudo começou quando o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o Congresso Nacional editasse uma lei complementar, até 30 de junho deste ano, para redistribuir a quantidade de cadeiras de deputados federais, de acordo com a população de cada unidade da federação. O STF tomou a decisão atendendo a uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO) ajuizada pelo governo do Pará.

Seguindo orientação constitucional, a lei complementar n.º 78/1993 fixou em oito o número mínimo e em 70 a quantidade máxima de parlamentares por unidade da federação, perfazendo o total de 513 vagas na Câmara Federal. Segundo a lei, o cálculo deve ser feito periodicamente, "no ano anterior às eleições", com dados demográficos fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Feitas as contas, chegou-se à conclusão que nove estados ganhariam novas vagas e sete perderiam, para manter o número máximo de 513 deputados. A proporcionalidade é estabelecida pela Constituição Federal. Entre os que ganharam estão o Pará, mais quatro vagas, cujo governo foi autor da ação no STF, e o Ceará, com mais uma vaga.

Para burlar essa determinação, a maioria dos deputados fez uma manobra: criou novas 18 novas vagas para contemplar os estados cuja população cresceu, sem reduzir as vagas dos que perderiam cadeiras. A Câmara passaria a ter, portanto, 531 cadeiras. Foram 270 votos a favor da criação de novas vagas e 207 contra, revogando-se a lei complementar 78/1993.

Observe-se que a determinação do STF não autoriza aumentar o número de deputados, mas determina nova distribuição, de modo a manter a proporcionalidade, de acordo com a nova realidade demográfica.

Ao que parece, a Câmara dos Deputados vive em outro planeta. Soa como escárnio aumentar o número de deputados e produzir mais despesas, quando é de conhecimento público que o Orçamento é insuficiente para dar conta das necessidades mais urgentes da população brasileira. Em uma conjuntura difícil, os senhores parlamentares aprovam uma medida cujo único propósito é proteger seus próprios interesses.

Segundo informações da direção da Câmara dos deputados, a criação de novas vagas pode gerar aumento de aproximadamente R$ 64 milhões por ano aos cofres públicos, e um custo de R$ 3,6 milhões por deputado, conta que será paga pelo cidadão contribuinte. Além disso, não existe justificativa política para o aumento do número de parlamentares.

É de se lembrar ainda que a mudança provocará repercussão nas Assembleias estaduais. Pela Constituição, o número de deputados estaduais é proporcional ao tamanho das bancadas federais. Caso a legislação seja aprovada e sancionada, o Ceará terá mais um deputado estadual.

O projeto segue agora ao Senado, onde vai enfrentar alguma resistência. Vários senadores, de partidos diversos — PT, PL, União, Novo, PSB, Republicanos, entre outros —, declararam-se contra a lei. Que o Senado corrija esse equívoco da Câmara.. 

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