Correio Braziliense
O novo mapa não consta do planejamento do
IBGE. É um capricho pessoal, uma patriotada que expõe o Brasil ao ridículo, a
pretexto de combater o eurocentrismo
Desde Ptolomeu (c. 100-170 d.C., Alexandria,
Egito), a cartografia acompanha o processo civilizatório. Autor da monumental
“Geographia”, o matemático e físico grego influenciou a cartografia europeia
por séculos, ao introduzir as coordenadas de latitude e longitude, sobretudo o
trabalho de Gerardus Mercator (1512–1594), matemático e geógrafo flamengo, cujo
verdadeiro nome era Gerhard Kremer, que latinizou seu nome para Mercator
(“comerciante”). Preso em 1544 por suspeita de heresia, por suas ideias luteranas,
acabou libertado.
A Projeção de Mercator (1569) é cilíndrica e transforma a superfície curva da Terra em um mapa plano. Foi revolucionária para a navegação, porque permite traçar rotas com rumo constante (loxodromia) como linhas retas, embora distorça as áreas próximas aos polos, como a Groenlândia, por exemplo. Seu “Atlas sive cosmographicae meditationes” (1595) foi o primeiro a usar esse nome, em homenagem ao titã Atlas da mitologia grega. Essa projeção é utilizada até hoje em sistemas de navegação (como o GPS), ou seja, quando se pega um Uber ou se aluga um patinete.
Mercator está ao lado de outros grandes
cartógrafos do Renascimento, como Abraham Ortelius (1527-1598), de Flandres,
autor de “Theatrum Orbis Terrarum” (1570), considerado o primeiro atlas
moderno; Martin Waldseemüller (1470-1520), da Alemanha, o primeiro a usar o
nome América em um mapa (1507), em homenagem a Américo Vespúcio; e o português
Diogo Ribeiro (c. 1480-1533), a serviço da Espanha, que fez o “Padrón Real”
(1527), primeiro mapa-múndi a mostrar com precisão a América do Sul.
Ribeiro trabalhou na Casa de la Contratación,
em Sevilha, a serviço da Coroa espanhola. Com as informações obtidas com as
viagens de Pedro Álvares Cabral, Vasco da Gama e Fernão de Magalhães, sua carta
piloto orientou a navegação com notável precisão na costa atlântica da América
do Sul, definiu a linha do Tratado de Tordesilhas e as rotas atlânticas usadas
por portugueses e espanhois.
Uma carta piloto apresenta dados médios
mensais sobre ventos predominantes (direção e intensidade), correntes
marítimas, temperatura da água e do ar, declinação magnética e probabilidade de
ocorrência de calmarias ou tempestades. É usada para planejamento de rotas
seguras e eficientes, navegação de longo curso e travessias oceânicas, estudos
meteorológicos e oceanográficos. A Carta Piloto do Atlântico Sul, desde
Trinidad até o Rio da Prata (Carta Náutica 10004), da Marinha do Brasil, é
excelente. A versão mais recente é de 2020.
Mundo de ponta cabeça
E o Barão de Rio Branco? José Maria da Silva
Paranhos Júnior (1845-1912) não era cartógrafo de formação, colecionava mapas
antigos e novos, que utilizou em suas negociações de fronteiras com países
vizinhos. Com eles, provou a posse e ocupação efetiva do território brasileiro,
com base na hidrografia, na presença de aldeamentos e nas explorações
portuguesas. A delimitação das fronteiras da Amazônia foi feita principalmente
com base em cartas náuticas.
Os mapas de Rio Branco foram decisivos nas
arbitragens internacionais para resolver a Questão de Palmas, com a Argentina
(1895); do Acre, com a Bolívia e o Peru (1903); da fronteira com a Guiana
Francesa (1900), quando Paranhos usou mapas portugueses dos séculos 17 e 18 do
Rio Oiapoque; e da disputa com o Peru, no caso do Rio Javari (1909).
Qual a utilidade da nova versão do mapa-múndi
lançada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com mundo
de cabeça pra baixo e o Brasil no centro? A novidade foi anunciada pelo
presidente do IBGE, Marcio Pochmann, nas redes sociais na última quarta-feira.
“O IBGE lançou um novo mapa-múndi com o Brasil no centro, contendo o Sul na
parte superior do mapa”, afirmou, todo orgulhoso, em publicação no X (antigo
Twitter). Seu objetivo, ressaltar a liderança do Brasil em fóruns internacionais,
como no BRICS e Mercosul, e na realização da COP 30 no ano de 2025”.
O novo mapa não consta do planejamento do
IBGE, que tem muito mais o que fazer. É um capricho pessoal, uma patriotada que
expõe o Brasil ao ridículo, a pretexto de combater o eurocentrismo. Inverte a
Projeção de Robinson, na qual os paralelos são representados em linha reta e os
meridianos em forma de arcos concêntricos. Elaborado em 1961, pelo geógrafo
norte-americano Arthur H. Robinson, com base em Mercator, esse mapa apresenta
deformação mínima das áreas e das formas, conservando os ângulos. É a melhor projeção
cartográfica para representar as massas continentais.
Indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), o economista Marcio Pochmann assumiu o cargo de presidente do IBGE
em julho de 2023. Sua passagem pela presidência do Instituto de Pesquisas
Econômicas Aplicadas (Ipea), entre 2007 e 2012, é considerada desastrosa, tanto
quanto o papel que exerce agora, pelos técnicos dos dois órgãos.
Pochmann parece ter se inspirado em Nícolas Maduro, que anexou Essequibo (Guiana) ao mapa da Venezuela, e Donald Trump, que deseja incorporar o Canadá e a Groenlândia ao território dos Estados Unidos, para virar o mundo de cabeça para baixo numa folha de papel. Nosso problema não é mudar o Brasil de hemisfério ou de fuso horário, é tirar o país do atraso econômico, social e político, que contingencia nossa vocação estratégica na geopolítica mundial.
Nenhum comentário:
Postar um comentário