sexta-feira, 25 de julho de 2025

Como é fácil desmontar um país - Ruth de Aquino

O Globo

É didático e assustador acompanhar a destruição dos valores democráticos nos EUA de Donald Trump

O tarifaço de Trump é apenas a ponta internacional do iceberg. As taxas são chantagens comerciais e políticas, ao Brasil e outros. Mas a tragédia, hoje, dentro dos EUA, é o fracasso da democracia americana, nas mãos de um tirano eleito legitimamente.

Muitos fatores levam alguém a escolher um presidente. Quem votou em Trump levou em conta que tipo de pessoa ele é? O que acontece ao longo de um mandato presidencial é, muitas vezes, imprevisível. Tem bastante a ver com a personalidade do político. Essa é a visão de um ex-juiz da Suprema Corte britânica, Jonathan Sumption.

“Mesmo que eu fosse americano e concordasse inteiramente com as políticas de Trump, não votaria nele. Porque é desonesto, narcisista, ignorante e inexperiente. Suas tendências autocráticas eram óbvias na campanha. Essa escolha dos eleitores pode levar ao fracasso da democracia americana”.

É didático e assustador acompanhar a destruição cotidiana dos valores democráticos nos EUA. São tantas guerras abertas hoje por Trump internamente que já se fala em estado de exceção. A primeira guerra, mais visível, é contra imigrantes e estrangeiros, com ou sem papéis, com ou sem visto.

Os funcionários do Ice (Immigration and Customs Enforcement), muitos de máscara, detêm imigrantes na rua, em casa, no mercado, no estacionamento de igrejas. Separam famílias. Enviam a prisões em condições desumanas. O Ice não é uma polícia convencional. Não se identifica. Não explica o motivo da detenção. Não comunica à família. Não usa câmeras corporais.

A Embaixada dos EUA no Brasil afirmou que visto é privilégio, não é direito. Pode ser revogado a qualquer momento. O Departamento de Justiça poderá deportar naturalizados americanos e anular sua cidadania. Irregularidades podem ser fabricadas para “desnaturalizar” cidadãos americanos que não se enquadrem.

A guerra às universidades como centros independentes de pensamento é outra violência. A perseguição a quem discorda do trumpismo já produz autocensura e medo em instituições de ensino. Trump quer controlar também os museus. A bancada do presidente no Congresso ameaça cortar os fundos federais do Kennedy Center caso a Opera House não seja rebatizada como “Primeira-Dama Melania Trump”.

Alguns estados conservadores, como Montana, ameaçam com até cinco anos de prisão mulheres que forem para estados mais liberais, em busca de um aborto legal. Elas seriam “traficantes de fetos”. É a tradução contemporânea do Conto da Aia, que se passa na República de Gilead, a distopia de Margaret Atwood.

Nada mais distópico do que um presidente publicar em sua rede um post fake, criado por IA, e que “revela” a prisão de Barack Obama no Salão Oval por tramar um golpe. Trump ri, enquanto agentes do FBI algemam Obama e o jogam ao chão. Obama chamou de “bizarras e ridículas” as acusações de Trump.

Mais uma vez, os EUA foram retirados da Unesco. Porque a instituição apoia diversidade, igualdade e sustentabilidade. E tem uma agenda a favor do desenvolvimento internacional. Isso vai contra a “America first”.

A saída da Unesco será concretizada em dezembro de 2026. Mas, quem sabe, até lá, os arquivos de Epstein denunciem Trump como um dos clientes da rede de tráfico sexual de menores do bilionário. É o que vem prometendo o Wall Street Journal. Trump foi avisado em maio de que seu nome está lá, na lista do criminoso, morto na prisão.

Não se pode dizer que os eleitores de Trump desconhecessem sua personalidade. Talvez poucos conheçam o conteúdo do Projeto 2025. Uma “lista de desejos” ultraconservadores de 900 páginas, financiada pela Heritage Foundation. Reveladora para quem quiser entender para onde Trump quer conduzir os EUA.

Os delírios estão todos ali. São um alerta de como é fácil desmontar um país.


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