sábado, 5 de julho de 2025

Quando o Congresso força os limites – Juliana Diniz*

O Povo (CE)

O governo respondeu às derrotas no Congresso com a inteligência estratégica de um jogador sem alternativas, mas poderoso. Judicializou a questão, pois qualquer omissão nesse sentido exporia de modo irrecuperável sua fragilidade

Sabemos que, em um jogo em que se disputa com um adversário enfraquecido, é sempre um risco fazer um movimento que o deixe sem alternativas. Ameaçado, o antagonista pode ser levado a tomar decisões extremas na intenção de se salvar. Foi Carl von Clausewitz quem afirmou: "quanto mais se empurra o inimigo para a beira do abismo, mais ele se agarra ao combate com o desespero dos que não têm mais nada a perder."

Essa sabedoria militar pode explicar o movimento do governo, depois do golpe hostil do Congresso Nacional ao derrubar o decreto presidencial sobre o IOF. Foi um movimento de autopreservação depois que a derrubada do decreto expressou a mensagem de que o Executivo não pode mais governar.

O governo respondeu com a inteligência estratégica de um jogador sem alternativas, mas poderoso. Judicializou a questão, pois qualquer omissão nesse sentido exporia de modo irrecuperável sua fragilidade. Tendo sua competência de regular por decreto o IOF violada, mostrava-se politicamente necessário recorrer ao STF para convocar o tribunal ao seu papel de guardião da constituição.

Ajuizar a ação não foi, contudo, o mais importante. O que realmente fez o governo recuperar fôlego foi uma bem articulada mobilização das redes sociais, explorando a atitude do Congresso Nacional em temas relacionados à justiça tributária. “Congresso da mamata”, “congresso inimigo do povo” foram algumas das hashtags que inundaram as redes, associando Hugo Motta à proteção das elites e os parlamentares à falta de compromisso com quem paga mais imposto, o povo.

As milhões de menções negativas ao Congresso e ao presidente da Câmara mostraram o volume e o êxito da campanha articulada sobretudo pelo Partido dos Trabalhadores. Pela primeira vez nos últimos anos, uma sigla de esquerda mostrou alguma capacidade de pautar a opinião pública via redes, uma estratégia que a direita vem dominando amplamente.

A prova de que deu certo foi a decisão do STF de chamar as partes para uma “conciliação”, após o presidente do Senado ter feito movimentos de aproximação e o presidente da Câmara ter descido o tom. Para o país, contudo, é uma tristeza. Como constitucionalista, considero temerária a tendência de tornar o tribunal um mediador de conflitos republicanos, como se a legalidade constitucional estivesse disponível para acordos.

Como afirmou o ministro Flávio Dino, a questão “renderia cinco minutos de discussão”, na medida em que “é um tema tributário que um aluno do primeiro ano da graduação em direito sabe responder”. Seria rápido porque a violação de competência pelo Parlamento é clara. A política ganharia mais se cada poder respeitasse a separação de poderes, e o STF tivesse autonomia para julgar o que precisa julgar.

*Doutora em direito e professora da UFC

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