O Povo (CE)
O governo respondeu às derrotas no Congresso
com a inteligência estratégica de um jogador sem alternativas, mas poderoso.
Judicializou a questão, pois qualquer omissão nesse sentido exporia de modo
irrecuperável sua fragilidade
Sabemos que, em um jogo em que se disputa com
um adversário enfraquecido, é sempre um risco fazer um movimento que o deixe
sem alternativas. Ameaçado, o antagonista pode ser levado a tomar
decisões extremas na intenção de se salvar. Foi Carl von Clausewitz quem
afirmou: "quanto mais se empurra o inimigo para a beira do abismo, mais
ele se agarra ao combate com o desespero dos que não têm mais nada a perder."
Essa sabedoria militar pode explicar o movimento do governo, depois do golpe hostil do Congresso Nacional ao derrubar o decreto presidencial sobre o IOF. Foi um movimento de autopreservação depois que a derrubada do decreto expressou a mensagem de que o Executivo não pode mais governar.
O governo respondeu com a inteligência
estratégica de um jogador sem alternativas, mas poderoso. Judicializou a
questão, pois qualquer omissão nesse sentido exporia de modo irrecuperável sua
fragilidade. Tendo sua competência de regular por decreto o IOF violada,
mostrava-se politicamente necessário recorrer ao STF para convocar o
tribunal ao seu papel de guardião da constituição.
Ajuizar a ação não foi, contudo, o mais
importante. O que realmente fez o governo recuperar fôlego foi uma bem
articulada mobilização das redes sociais, explorando a atitude do Congresso
Nacional em temas relacionados à justiça tributária. “Congresso da
mamata”, “congresso inimigo do povo” foram algumas das hashtags que inundaram
as redes, associando Hugo Motta à proteção das elites e os parlamentares à
falta de compromisso com quem paga mais imposto, o povo.
As milhões de menções negativas ao Congresso
e ao presidente da Câmara mostraram o volume e o êxito da campanha articulada
sobretudo pelo Partido dos Trabalhadores. Pela primeira vez nos últimos anos,
uma sigla de esquerda mostrou alguma capacidade de pautar a opinião
pública via redes, uma estratégia que a direita vem dominando amplamente.
A prova de que deu certo foi a decisão do STF
de chamar as partes para uma “conciliação”, após o presidente do Senado ter
feito movimentos de aproximação e o presidente da Câmara ter descido o tom.
Para o país, contudo, é uma tristeza. Como constitucionalista, considero
temerária a tendência de tornar o tribunal um mediador de conflitos
republicanos, como se a legalidade constitucional estivesse disponível para
acordos.
Como afirmou o ministro Flávio Dino, a questão “renderia cinco minutos de discussão”, na medida em que “é um tema tributário que um aluno do primeiro ano da graduação em direito sabe responder”. Seria rápido porque a violação de competência pelo Parlamento é clara. A política ganharia mais se cada poder respeitasse a separação de poderes, e o STF tivesse autonomia para julgar o que precisa julgar.
*Doutora em direito e professora da UFC
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