Folha de S. Paulo
Discurso em favor de justiça tributária
energiza eleitores do PT, mas talvez não traga novos apoios
As próximas movimentações dirão se a escalada
retórica de Lula é
só uma tentativa de se reposicionar para negociar melhor com o Congresso ou
se o petista vai mesmo para o tudo ou nada com o Legislativo.
Acredito mais na primeira hipótese. Todos os presidentes que partiram para o confronto direto se deram mal. Collor e Dilma sofreram impeachment e Bolsonaro, que ameaçara governar diretamente com o povo, acabou se entregando gostosamente ao centrão, que foi agraciado com o orçamento secreto. Lula assistiu a tudo isso da primeira fila. Custa-me crer que não tenha assimilado a lição.
Entendo, porém, que o petista se sinta
acuado. O Congresso já deixou claro que entrou em modo eleitoral e não dará
vida fácil ao presidente. Ideologicamente, o centrão é mais próximo de
candidatos como Tarcísio
de Freitas ou Ratinho, o Jovem, do que de Lula. Não é surpresa que a
principal força do Parlamento trabalhe para favorecê-los e não ao petista.
O problema da subida de tom de Lula é que
essa não é uma operação sem riscos. O discurso de justiça tributária, ainda que
envolto numa roupagem de luta de classes meio retrô, é conceitualmente correto.
Não sei, porém, se ele tem potência para virar o jogo. Meu palpite é que
funciona para eletrizar os eleitores que já estão com Lula, mas é pouco efetivo
para agregar novos apoiadores.
Há também uma questão de coerência. A
história de Lula e do PT recomendam
desconfiar dessa súbita conversão à causa da justiça tributária. Entre 2003 e
2010, quando Lula governou com ampla ascendência do Executivo sobre o
Legislativo, os gastos tributários do país passaram de 1,7% do PIB para 3,4%.
Num exemplo mais recente, de 2024, governo e PT ficaram a favor da escandalosa
PEC que aumenta a imunidade tributária das igrejas.
Se a radicalização agora esboçada não se
materializar em maior popularidade, o governo terá se fragilizado ainda mais
diante de um Parlamento ansioso para livrar-se de Lula. O risco seria virar um
pato manco mais de um ano antes do pleito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário