sexta-feira, 4 de julho de 2025

Presidentes que confrontaram Legislativo perderam - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Discurso em favor de justiça tributária energiza eleitores do PT, mas talvez não traga novos apoios

As próximas movimentações dirão se a escalada retórica de Lula é só uma tentativa de se reposicionar para negociar melhor com o Congresso ou se o petista vai mesmo para o tudo ou nada com o Legislativo.

Acredito mais na primeira hipótese. Todos os presidentes que partiram para o confronto direto se deram mal. Collor e Dilma sofreram impeachment e Bolsonaro, que ameaçara governar diretamente com o povo, acabou se entregando gostosamente ao centrão, que foi agraciado com o orçamento secreto. Lula assistiu a tudo isso da primeira fila. Custa-me crer que não tenha assimilado a lição.

Entendo, porém, que o petista se sinta acuado. O Congresso já deixou claro que entrou em modo eleitoral e não dará vida fácil ao presidente. Ideologicamente, o centrão é mais próximo de candidatos como Tarcísio de Freitas ou Ratinho, o Jovem, do que de Lula. Não é surpresa que a principal força do Parlamento trabalhe para favorecê-los e não ao petista.

O problema da subida de tom de Lula é que essa não é uma operação sem riscos. O discurso de justiça tributária, ainda que envolto numa roupagem de luta de classes meio retrô, é conceitualmente correto. Não sei, porém, se ele tem potência para virar o jogo. Meu palpite é que funciona para eletrizar os eleitores que já estão com Lula, mas é pouco efetivo para agregar novos apoiadores.

Há também uma questão de coerência. A história de Lula e do PT recomendam desconfiar dessa súbita conversão à causa da justiça tributária. Entre 2003 e 2010, quando Lula governou com ampla ascendência do Executivo sobre o Legislativo, os gastos tributários do país passaram de 1,7% do PIB para 3,4%. Num exemplo mais recente, de 2024, governo e PT ficaram a favor da escandalosa PEC que aumenta a imunidade tributária das igrejas.

Se a radicalização agora esboçada não se materializar em maior popularidade, o governo terá se fragilizado ainda mais diante de um Parlamento ansioso para livrar-se de Lula. O risco seria virar um pato manco mais de um ano antes do pleito.

 

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