Ataques ao Congresso são inaceitáveis
O Globo
Parlamento não é imune a críticas, mas ele
tem legitimidade e papel essencial na solução dos problemas
Não é possível ficar inerte ante os ataques
ao Congresso que partem de hostes governistas. Depois que os parlamentares
derrubaram a alta no Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), o governo
entrou em modo de combate. O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva recorreu ao Supremo e chamou a decisão de “absurda”. O PT ampliou a
propaganda em prol da taxação dos “super-ricos”. Tomaram conta das redes
sociais de inclinação petista vídeos alvejando o Parlamento, em particular o
presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
Num deles, Motta é exibido como defensor de menos imposto para ricos e de
“congelar” o salário mínimo. Noutro, mais agressivo, o Congresso é tachado de
“inimigo do povo”.
Nem todos os vídeos foram endossados pelo governo ou pelo PT. A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, desautorizou ataques a Motta: “Não é assim que vamos construir saídas para o Brasil, dentre as quais se destaca a justiça tributária”. Apesar da tentativa de apaziguar ânimos, militantes atenderam ao apelo pela radicalização ocupando um banco na Avenida Faria Lima, em São Paulo. Depois do primeiro vídeo, e antes dos demais, a oposição reagiu com uma paródia. Ninguém deve cair na armadilha de ser arrastado a uma batalha em que o país só perde. O “nós contra eles” aponta um caminho perturbador.
Não é anódino o emprego da expressão “inimigo
do povo”. Usada contra cristãos no Império Romano, ela foi gravada em lei pela
Revolução Francesa como justificativa para arbítrios que acabavam na
guilhotina. Soviéticos a empregavam para estigmatizar dissidentes. Mais
recentemente, foi adotada pela extrema direita para intimidar jornalistas e a
imprensa profissional.
O ataque se torna mais grave quando voltado
ao Parlamento, instituição fundamental em toda democracia. É evidente que o
Congresso não está imune a críticas — basta lembrar as emendas parlamentares ou
os “jabutis” da conta de luz. Mas tem evitado desvios à direita e à esquerda ao
longo da História. E todos os avanços do Brasil passam pelo Congresso, como as
reformas da Previdência e tributária. Motta, alvo dos petistas, tem o mérito de
ter criado um grupo de trabalho para debater a próxima reforma de fôlego, a
administrativa.
É meritória a tentativa do governo de rever a
regressividade tributária. Mas não com o aumento do IOF, que o Congresso fez
bem em derrubar. Também é absurdo acreditar que a solução se resume a “taxar os
super-ricos”. O slogan das redes sociais não resiste à análise técnica. A
reforma do IR sugerida pelo governo traria ganho anual estimado em R$ 25
bilhões, mas sem acabar com as distorções (pois não mexe em regimes especiais,
como Simples e Lucro Presumido). Enquanto isso, o Orçamento prevê R$ 544 bilhões
em isenções e subsídios tributários que só crescem desde o primeiro mandato de
Lula. Mas só agora, diante da pressão, o Ministério da Fazenda tomou a
iniciativa de promover corte de 10% — o projeto, diga-se, recebeu apoio de
Motta.
Acuados pelas pesquisas, Lula e o PT apostam
numa campanha polarizadora e mendaz — ninguém defende congelar o salário
mínimo, apenas corrigi-lo pela inflação ou desvinculá-lo do reajuste de
benefícios previdenciários. No passado, o “nós contra eles” trouxe ganhos
eleitorais, mas se revelou uma irresponsabilidade com o país. O Congresso tem
legitimidade e papel essencial na solução dos nossos problemas.
Endurecimento da progressão de pena
representa passo na direção certa
O Globo
Medida aprovada pela Câmara não resolve problemas da violência, mas pode contribuir para reduzir injustiças
É oportuna a aprovação pela Câmara de um
Projeto de Lei que endurece as regras de progressão da pena para condenados por
crimes hediondos e chefes de organizações criminosas. Pelo PL, que passará
ainda pelo Senado, o condenado por homicídio qualificado, latrocínio, extorsão
mediante sequestro, feminicídio, exploração sexual de crianças, estupro, entre
outros crimes, terá de cumprir pelo menos 80% da pena em regime fechado. É
inegável que hoje bandidos perigosos se beneficiam de brechas da lei para sair logo
da cadeia e voltar a cometer barbaridades.
A legislação brasileira permite a
transferência a regime menos rigoroso (do fechado ao semiaberto) quando o preso
tem bom comportamento e já cumpriu parte da pena. A progressão varia, mas de
modo geral o condenado precisa cumprir de um sexto a 70% da pena. O texto
original previa normas mais rígidas para quem cometesse crimes contra policiais
e militares, mas o escopo foi ampliado durante a tramitação. O projeto foi
aprovado por ampla maioria (334 a 65 votos).
A progressão de regime tem o objetivo de
ressocializar o preso, permitindo-lhe aos poucos voltar à convivência em
sociedade, desde que cumpra certos requisitos. É um direito legítimo, mas
acabou desvirtuado diante da legislação por demais leniente. Homicidas,
estupradores, traficantes sanguinários que podem pagar bons advogados se
beneficiam de brechas para ficar pouco tempo presos.
Evidentemente, propostas que prolongam o
tempo de encarceramento num país cujos presídios vivem abarrotados sempre devem
ser vistas com ressalva. A entrada de novos presos costuma crescer mais que as
vagas. As cadeias estão cheias de usuários flagrados com pequenas quantidades
de drogas que não precisariam estar ali. Não há dúvida de que o sistema penal
brasileiro demanda maior racionalidade. Mas o projeto aprovado na Câmara trata
apenas de autores de crimes graves, que representam risco para a sociedade.
O aperfeiçoamento das normas é positivo para
corrigir distorções que sabotam o espírito da lei, mas não resolverá o grave e
complexo problema da violência. É
improvável que bandidos deixem de cometer delitos apenas porque poderão passar
mais tempo encarcerados. O pacote anticrime já endurecera a legislação, e, na
prática, pouco mudou. Paralelamente, é preciso interromper a fábrica de crimes
em que os presídios se transformaram.
Embora pesquisas de opinião mostrem que a insegurança é a maior preocupação dos brasileiros, o governo federal tem feito pouco para aliviar tal angústia. Comunidades e bairros são dominados por facções criminosas que mandam e desmandam. O Executivo enviou ao Congresso uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) com medidas sensatas para combater facções e milícias. Mas, com a deterioração da relação com o Parlamento, fica mais difícil que o projeto avance. O combate à violência requer ações em todas as frentes. O ajuste da legislação é só uma delas.
Recorde em Wall Street aponta dissociação com
Main Street
Valor Econômico
O S&P 500 e o Nasdaq tiveram seu melhor
trimestre em anos, apesar de sinais de inflação e enfraquecimento persistentes
da economia
O mercado de ações dos EUA desafiou a guerra
no Oriente Médio, a incerteza em torno das perspectivas macroeconômicas e a
falta de clareza sobre o comércio global para encerrar o segundo trimestre em
níveis recordes, na segunda-feira. Em uma indicação de dissociação com a
economia real, o índice S&P 500 registrou seu melhor desempenho trimestral
desde 2023, enquanto o Nasdaq viu seu maior salto trimestral desde 2020, apesar
de indicadores divulgados na sexta-feira terem reforçado os temores de um quadro
de estagflação, de inflação e enfraquecimento persistentes da economia, o pior
cenário para qualquer banco central.
O S&P 500 valorizou-se 10,6% no segundo
trimestre, o Nasdaq subiu 17,8% e o Dow Jones avançou 5%. Apesar disso, os três
principais índices de Wall Street registraram seus piores desempenhos no
primeiro semestre desde 2022, uma vez que a incerteza em torno da política
comercial dos EUA manteve os investidores cautelosos. As tensões atingiram seu
pico em 2 de abril, quando o presidente Donald Trump anunciou suas tarifas
generalizadas “recíprocas”, no chamado “Dia da Libertação”.
Uma semana depois, Trump suspendeu as tarifas
“recíprocas” por 90 dias, para dar espaço às negociações, porém, manteve uma
alíquota mínima geral de 10% sobre quase todos os parceiros comerciais dos EUA
— com exceção de China, Canadá e México, sujeitos a taxas maiores.
Na sequência, em maio e junho, Trump anunciou
“acordos” comerciais — na verdade memorandos de entendimento — com a China e o
Reino Unido, o que alimentou entre os investidores o otimismo de que a guerra
tarifária global poderia ser minimizada. No domingo, o Canadá cancelou seu
imposto sobre serviços digitais direcionado às empresas de tecnologia
americanas — poucas horas antes de sua entrada em vigor — em uma tentativa de
avançar nas negociações comerciais com os EUA.
A vigorosa recuperação das ações americanas
desde o anúncio do tarifaço de Trump foi impulsionada em parte pela expectativa
de corte na taxa de juros pelo Federal Reserve (Fed, o BC americano) devido aos
sinais de desaquecimento da economia, apesar da inflação persistente. Também
contribuiu para a melhora no sentimento dos investidores a aparente crença de
que “Trump sempre arrega” (Taco), motivada pelas constantes reviravoltas em sua
política comercial.
A suspensão temporária das tarifas
“recíprocas” foi interpretada pelos investidores como uma indicação de volta à
normalidade. Contudo, a guerra tarifária apresenta uma realidade bem diferente
da premissa Taco. Os EUA têm hoje uma tarifa básica de importação de 10% sobre
produtos fabricados em dezenas de países, uma tarifa de 25% sobre automóveis e
autopeças e uma tarifa de 50% sobre aço e alumínio. Essas tarifas estão entre
os maiores impostos sobre o consumo da história dos EUA.
Mais preocupante é que as constantes
reviravoltas na política comercial americana têm adiado as decisões de
investimento das empresas. As tarifas abrangentes de Trump, que levaram
empresas e famílias a antecipar importações e compras de bens no primeiro trimestre,
têm turvado o cenário econômico.
Os gastos do consumidor americano, que
representam cerca de 70% do PIB, caíram 0,3% em maio (com ajuste da inflação),
a maior queda desde o início do ano. A queda nos gastos foi generalizada e
coincide com a deterioração do sentimento do consumidor neste ano em meio à
imprevisibilidade das tarifas.
Os números mais recentes sugerem uma fraca
demanda das famílias, especialmente por serviços, ao longo do segundo
trimestre. Os gastos com serviços de transporte, refeições fora de casa e
hospedagem, serviços financeiros e outros serviços — uma categoria que inclui o
saldo líquido de viagens ao exterior — diminuíram em maio. As compras de
veículos caíram 6% em maio, revertendo parte do aumento de março e abril,
quando os consumidores correram para se antecipar às tarifas.
A queda no consumo pessoal em maio ocorreu
após a revisão do PIB do primeiro trimestre, de uma contração (anualizada) de
0,2% para 0,5%, como resultado de um consumo mais fraco do que o relatado
inicialmente.
O déficit comercial recorde no primeiro
trimestre, devido à antecipação das importações, foi responsável por grande
parte da contração do PIB no período. Apesar de o déficit comercial ter
diminuído significativamente desde então, o impulso esperado para o PIB
provavelmente será atenuado pela fraqueza nos gastos do consumidor.
O Fed de Atlanta reduziu sua estimativa de
crescimento do PIB para o segundo trimestre para uma taxa de 2,6%, ante o ritmo
projetado inicialmente de 3,4%. Economistas alertam que a esperada recuperação
do crescimento no segundo trimestre não será um sinal de força econômica, dadas
as fortes oscilações no comércio. Eles observam que pode levar algum tempo para
que as distorções relacionadas às tarifas sejam eliminadas dos dados
econômicos. Apesar da fraqueza, um colapso iminente nos gastos é improvável, já
que os salários aumentaram 0,4% em maio.
A inflação, por sua vez, continua acima da
meta de 2% do Fed. Na semana passada, a medida preferida do BC americano, o
núcleo do índice de preços dos gastos com consumo pessoal (PCE), subiu 2,7% em
termos anuais em maio.
Só que pesquisas junto a executivos e
gerentes de empresas sugerem que as tarifas podem começar a elevar os preços
neste verão (no hemisfério norte). Essa pressão sobre os preços ainda não é
visível nas estatísticas de inflação em parte porque muitas empresas se
apressaram em estocar produtos importados antes da entrada em vigor das
tarifas. Além disso, os sinais de fraqueza no consumo podem limitar a
capacidade das empresas de repassar qualquer aumento nos custos em razão das
tarifas — o que implica menor margem de lucro das empresas.
Para muitos analistas, o otimismo dos
investidores que levou o mercado acionário a níveis recordes no último
trimestre não parece ser baseado nos fundamentos da economia real, o que acende
um alerta para uma cautela extra nesta segunda metade do ano.
Temporais no Brasil, secas no mundo, calor na
Europa
Folha de S. Paulo
Acumulam-se dados sobre prejuízos causados
pela crise climática; aqui, agronegócio sofre com chuvas e estiagens extremas
Não faltam vozes céticas quanto às mudanças
climáticas no Congresso
Nacional, com sua poderosa base ruralista, como
se viu na agressividade de parlamentares contra Marina Silva,
do Ministério do Meio Ambiente,
em sessões recentes no Senado e na Câmara. Afora arroubos retóricos dos dois
lados, cabe ressaltar que os fatos dão razão à ministra.
Relatos alarmantes sobre o clima, de fontes
respeitáveis, brotam de todos os lados. De especial relevância para a população
brasileira se afigura o estudo "Temporada das Águas: O Aumento das Chuvas
Extremas", segundo o qual a média anual de desastres por temporais no país
dobrou de 899, no período de 2010 a 2019, para
1.885, de 2020 a 2023.
O levantamento partiu da Aliança Brasileira
pela Cultura Oceânica, coordenada pelo programa Maré de Ciência, da
Universidade Federal de São Paulo (USP), com o
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, a Unesco e a
Fundação Boticário de Proteção à Natureza.
Perdas econômicas saltaram 58%, de R$ 6,81
bilhões a R$ 10,76 bilhões em valores corrigidos. A agricultura arcou
com cerca de 40% desse prejuízo.
O dado abrange só o custo direto das chuvas
torrenciais. Ainda resta o cálculo das perdas com mudanças no início e no fim
das estações úmidas e secas, a agravar as incertezas de uma atividade por
natureza sujeita a riscos. No front das estiagens, as perspectivas também são
sombrias.
A convenção da ONU sobre
desertificação vem de divulgar pesquisa apontando eventos
recordistas de seca de 2023 a 2025. Sob influência de um El Niño
portentoso, só a parte brasileira da amazônia perdeu
33 mil km² de água superficial em 2023, uma área comparável a um Sergipe e
meio.
Tamanha estiagem dá ensejo ao que se denomina
de feedback positivo do aquecimento global: com a escassez extrema de água,
mais árvores morrem, e o carbono de sua biomassa chega à atmosfera para agravar
o efeito estufa. Ressecada, a mata se torna mais inflamável, com o que
incêndios florestais realimentam o processo degenerativo.
São péssimas notícias para o agronegócio, e
não somente na Amazônia Legal. Claudicam os chamados rios voadores, que
transportam umidade para as regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil. Não
é por outra razão que o pantanal tem
enfrentado queimadas devastadoras.
Ondas de calor mortíferas se propagam pelo
planeta. Nesta semana, o flagelo se abateu sobre a Europa, que viu
termômetros galgarem o limiar de 40ºC e chegarem as primeiras mortes da
canícula. Aumenta o recurso ao ar-condicionado, que leva a picos de consumo de
eletricidade gerada em boa parte com a queima de combustíveis fósseis —mais
carbono na atmosfera.
O ciclo vicioso de esquentamento planetário
se propaga. E não há sinais de que a COP30, em Belém, possa
encetar providências em medida suficiente para reverter a espiral desastrosa.
Cuidar dos cuidadores
Folha de S. Paulo
Mais de 90% dos responsáveis por idosos com
demências são mulheres; é preciso ampliar acesso a centros de acolhimento
As síndromes que causam déficit progressivo
na função cognitiva, conhecidas como demências, impactam não só os pacientes,
mas seus familiares, principalmente as mulheres.
Ao desenhar políticas, portanto, o poder
público precisa implementar ações integradas com foco nos parentes dos
enfermos, ainda mais considerando o envelhecimento da
população.
Segundo
pesquisa recém-publicada da Unifesp, 93,6% dos cuidadores de pessoas com
demência no país são mulheres e têm idade média de 48,8 anos, sendo que 42,8%
abandonaram o trabalho para se dedicar aos pacientes. Em 94,9% dos casos, a
tarefa é realizada sem remuneração.
Dentre o total de cuidadores, 85% relatam
exaustão emocional, 78% declaram sentir cansaço físico constante e 62,5%
afirmam que a função impactou negativamente sua vida pessoal.
Uma das principais formas de minimizar a
pressão sobre os familiares é a oferta de espaços de acolhimento a idosos
demenciados durante o dia, para que seus parentes possam trabalhar e descansar.
Mas, segundo levantamento da Folha, há
apenas 183 desses centros-dia no país e a maioria não tem foco no
tratamento de pessoas com transtornos de déficit cognitivo.
Governos nas três esferas precisam se
articular para ampliar o acesso a esse tipo de serviço.
Dados do censo do IBGE mostram
que, de 2000 a 2022, a parcela da população de zero a 14 anos de idade caiu de
30% para 20,1%, e
a dos acima de 60 anos saltou de 8,7% para 15,6%. Estima-se que, em 2070,
os mais jovens serão 12%, e os mais idosos, 37,8%.
Em 2024, o Ministério
da Saúde divulgou que 8,5% do estrato com 60 anos ou mais vive com
demência, o que representa cerca de 1,8 milhão de pessoas. A projeção para 2050
é de 5,7 milhões.
Assim, é necessário alocar recursos não só em
tratamento, que deve ser interdisciplinar (com neurologistas, psicólogos,
nutricionistas, enfermeiros, cuidadores e cuidados paliativos), mas também em
prevenção.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 40%
dos casos de demência poderiam ser evitados por meio de ações mirando 12
pontos: educação (antes
dos 45 anos), hipertensão, obesidade,
perda auditiva, traumatismo cranioencefálico, abuso de álcool, tabagismo, depressão,
sedentarismo, isolamento social, diabetes e
poluição do ar.
As evidências deixam claro que os impactos do
envelhecimento, como o aumento de casos de demências, no futuro da população
brasileira precisam ser enfrentados pelo Estado desde já.
O ministério do ego de Lula
O Estado de S. Paulo
Ao tratar a opinião desairosa de uma revista
estrangeira sobre o presidente como se fosse uma questão de Estado, o Itamaraty
se converte em departamento das relações pessoais do petista
Tem sido difícil, mas há dias em que o
governo de Lula da Silva se supera. Foi o que ocorreu quando o Palácio do
Itamaraty – outrora um dos mais respeitados templos da sobriedade diplomática
mundial – foi mobilizado para criticar um artigo da revista The Economist.
Não uma resolução da ONU, não uma denúncia jurídica, não uma ameaça à soberania
nacional, mas uma opinião jornalística. Resultado: uma nota oficial assinada
pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira – quiçá ditada pelo
chanceler paralelo, Celso Amorim –, que trata Lula como uma espécie de
divindade contemporânea, um Buda com barba, ou, vá lá, um Kim Jong-un tropical.
Bater boca com a imprensa virou, tudo indica,
uma nova função de Estado em Brasília. O próprio presidente do Supremo Tribunal
Federal (STF) já deu expediente como missivista contra artigos da The
Economist e editoriais deste jornal. Mas nada se compara ao Itamaraty, que
agora assume a função inédita de departamento de relações públicas do ego
presidencial. A The Economist teve a temeridade de observar o que
qualquer um com olhos e memória já percebeu: Lula está mais interessado em
liderar o mundo do que o Brasil. Sua cruzada diplomática se apoia em um
narcisismo que seria tocante se não fosse ridiculamente oneroso – para o erário
e a reputação do País. A revista não acusou Lula de crimes, não forjou dossiês,
não desrespeitou instituições: só cometeu a heresia de não bajular o demiurgo,
expondo a contradição entre o discurso messiânico e a prática caudilhesca.
A réplica do chanceler não retificou erros
factuais (o que chegaria perto de aceitável), mas compôs um salmo laudatório,
declarando que Lula sustenta “os quatro pilares essenciais à humanidade e ao
planeta: democracia, sustentabilidade, paz e multilateralismo”. Faltou um
quinto pilar: a humildade – mas este Lula queima em holocausto diário em seu
altar pessoal.
O chanceler Vieira nos informa que Lula
“logrou criar uma ampla aliança global contra a fome e a pobreza”, ignorando
que seus feitos no G-20 consistiram em consensos burocráticos e promessas
vagas. É pungente a fé de Vieira em seu guia, mas talvez seja papel do
Itamaraty promover os interesses do Estado brasileiro, não as ambições de seu
presidente.
A megalomania que emana do Planalto é antiga,
mas agora transborda. Lula já declarou que Deus “deixou o sertão sem água”
porque Ele sabia que um dia o petista traria a salvação hídrica. Noutra
ocasião, afirmou que seu corpo sofreu mais que o de Jesus Cristo. Isso antes de
concluir que só Jesus “talvez” faria melhor na Presidência. Para quem se
atribui missões celestiais, não surpreende um chanceler travestido de apóstolo.
Vieira pinta Lula como um campeão da
democracia de autoridade moral “indiscutível” e um “parceiro confiável” no
sistema multilateral. Difícil conciliar esse retrato com a insistência do
presidente em ameaçar a liberdade de expressão sob pretexto de “moralizar” a
internet. Lula disse que quer regular as mídias e redes sociais para punir
“canalhices” – e, pela réplica de Vieira à The Economist, vê-se bem o que
tem em mente.
Já seu compromisso com a paz e o Direito
Internacional é tão seletivo quanto seus aliados. Putin, Maduro, Ortega e os
aiatolás podem contar com sua tolerância. Contra Israel, Lula é valente. Já
contra tiranos que prendem opositores, manipulam eleições e matam
manifestantes, oferece panos quentes e um discurso mole sobre “soberania”.
A nota do Itamaraty não desmente a The
Economist: a comprova. A caricatura do estadista messiânico, enamorado de si
próprio, descolado da realidade e obcecado em manter o monopólio moral da
política é cada vez mais indistinguível de um retrato fiel, que foi reafirmado
ponto por ponto pela prosa vexatória do ministro das Relações Exteriores –
agora convertido em um dos hagiógrafos de Lula.
É o velho projeto lulopetista de fusão entre
partido, governo e Estado, com o agravante de que agora a diplomacia brasileira
serve a um culto à personalidade. Quando se aciona o Itamaraty para defender
Lula da opinião de uma revista, já não se está mais governando: está-se
venerando. E isso, no fim, é menos uma demonstração de força do que de
fraqueza.
COP-30, entre o realismo e a ambição
O Estado de S. Paulo
Dificuldades nas negociações preparatórias
realizadas em Bonn, na Alemanha, e os pontos ainda abertos em torno do
financiamento climático mostram que não haverá vida fácil até Belém
“As coisas andaram”, disse a CEO da COP-30, a
brasileira Ana Toni, ao fazer um balanço das negociações realizadas em Bonn, na
Alemanha – uma espécie de evento técnico preparatório para a 30.ª Conferência
das Nações Unidas sobre Mudança Climática, que ocorrerá em novembro, em Belém.
Essa escala inicial, realizada na cidade onde fica a sede da Convenção-Quadro
das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, a UNFCCC, serve, ou pelo menos
deveria servir, para negociar, ajustar e aperfeiçoar textos a serem enviados
para mais debates ou para decisão final da COP. É, portanto, um bom prenúncio
do que virá e, mais do que isso, o que exigirá de esforço entre os países
participantes e a presidência da conferência até chegar a Belém. E o que se viu
em Bonn deixa muito claro: não haverá vida fácil até novembro, uma previsão
que, se não chega a ser sombria, pelo menos se mostra muito distante do
prognóstico triunfalista que o presidente Lula da Silva tenta dar à COP-30.
Reconhecendo o contexto internacional
adverso, os negociadores brasileiros destacaram o avanço registrado em Bonn das
discussões em temas que a presidência do Brasil na COP-30 considera prioridade,
como adaptação climática, a chamada transição justa (que prevê que esse
processo seja feito de forma que os países pobres não sejam prejudicados) e o
fim dos combustíveis fósseis. O nó górdio ainda a ser desatado, no entanto, tem
nome certo: financiamento. Mesmo fora das prioridades de Bonn, as negociações
sobre o financiamento climático estiveram presentes em agendas paralelas, o que
tornou possível a apresentação da proposta do chamado “Roteiro de Baku a
Belém”, itinerário com o qual o Brasil trabalha para viabilizar US$ 1,3 trilhão
em fluxos financeiros globais.
“Há frustração com a falta de clareza sobre
os próximos passos”, resumiu a rede Latin American Climate Lawyers Initiative
for Mobilizing Action (Laclima), formada por advogados que participaram das
negociações, sobre o processo em torno do tema do financiamento e os
desdobramentos do Roteiro de Baku a Belém. Na COP-29, realizada em Baku, no
Azerbaijão, um intenso – e tenso – processo de negociação terminou com um
acordo de apenas US$ 300 bilhões a serem financiados pelos países desenvolvidos
para promover soluções climáticas nos países pobres. Trata-se de um valor,
portanto, muito aquém do patamar considerado necessário para viabilizar ações
de mitigação, adaptação e compensações por perdas e danos.
Presidente da COP-30, o embaixador André
Corrêa do Lago costuma dizer que teremos em Belém a “COP da implementação”. Mas
sem financiamento climático não há ambição, muito menos implementação. E é aí
que mora o perigo, o ponto de alerta que separa o oba-oba exibido por
autoridades, entre elas o presidente Lula da Silva e o governador do Pará,
Helder Barbalho, e o necessário realismo que as negociações e os desafios
climáticos exigem. Lula, como se sabe, quer ser visto como o salvador do
planeta. O governo do Pará, anfitrião do encontro, não hesita em tentar usar a
COP como meio de propaganda da região – e não deixa de ser. Mas nem Belém
sediará uma versão festiva e ambientalista de uma Copa do Mundo, nem eventuais
avanços serão fruto da liderança de Lula.
A timidez da COP-29 deixou sobre Belém
tarefas gigantescas a cumprir. Uma delas é resgatar a credibilidade das
negociações climáticas, em parte desmoralizadas pela implementação lenta da
UNFCCC e do Acordo de Paris. Outra é resolver o que a anterior não foi capaz, o
que inclui aperfeiçoar os mecanismos de financiamento climático, dar um passo
adiante para os indicadores que nortearão os planos nacionais de adaptação à
mudança do clima e, claro, discutir se as metas, em seu conjunto, são
compatíveis com o objetivo de conter o aquecimento global. São desafios nada
triviais que, como tal, desabonam triunfalismos antecipados e exigirão até lá
uma complexa combinação entre realismo e ambição. Desse equilíbrio pode
resultar o sucesso ou o fracasso da COP no Brasil.
Trump amplia desordem global
O Estado de S. Paulo
Americano dá fôlego a Putin e mina a
dissuasão ocidental em prejuízo de seu próprio país
A decisão do presidente Donald Trump de
suspender o envio de armamentos cruciais à Ucrânia – incluindo interceptadores
Patriot, munições de artilharia e foguetes de precisão – consubstancia um erro
estratégico que mina os próprios objetivos que Trump diz perseguir: forçar
Vladimir Putin à mesa de negociação, estancar o morticínio de civis, encerrar a
guerra rapidamente – e, inclusive, dissuadir hostilidades da China.
A lógica da decisão é coerente com o modo
como Trump vê o mundo: por meio de relações transacionais, com base em força e
interesse, não em valores ou alianças. Democracias liberais passaram a ser
vistas como clientes ou competidores. A Europa é tratada com desdém, e “homens
fortes”, com deferência. Nesse quadro mental, a Ucrânia, situada na suposta
“esfera de influência” russa, torna-se um fardo inútil. Daí a tentativa de
encerramento rápido do conflito – ainda que à custa da capitulação de Kiev.
Mas a realidade desmente essa estratégia. Ao
suspender a ajuda militar, Washington não acelera o fim da guerra, apenas dá
fôlego à teoria da vitória de Putin: a aposta em avanços lentos e desgaste
prolongado, para vencer pela exaustão o apoio ocidental à Ucrânia. A retirada,
em vez de forçar negociações, oferece a Moscou um incentivo para evitá-las.
As consequências são visíveis. Desde março,
quando os EUA suspenderam o compartilhamento de inteligência, os russos
aceleraram ganhos em Kursk. Agora, sem mísseis defensivos, cidades ucranianas
ficam vulneráveis a bombardeios com drones e mísseis balísticos – alguns com
cargas químicas. Civis pagarão o preço. O que Trump apresenta como um gesto de
responsabilidade – “colocar os interesses dos EUA em primeiro lugar” –
transforma-se, de fato, num estímulo à escalada russa.
Uma das justificativas da Casa Branca é a
necessidade de priorizar ameaças de longo prazo da China. Mas a decisão
enfraquece também a dissuasão no Indo-Pacífico. A mensagem que ecoa em Pequim é
clara: basta um pouco de paciência e as democracias vacilarão. A suspensão de
ajuda à Ucrânia, aliada à hesitação sobre Taiwan, erode a credibilidade de
Washington como fiador de ordem liberal em regiões críticas.
Em contraste, Trump tem sido mais assertivo
no Oriente Médio, onde o apoio a Israel e os esforços de contenção ao Irã têm
obtido relativo êxito. Um caminho semelhante – negociação com força, não com
fraqueza – seria o ideal na Europa. Mas o presidente opta por deixar aliados
democráticos à mercê de uma autocracia expansionista.
Para a Europa, por mais que seja incapaz de
suprir no curto prazo os volumes de ajuda militar providos pelos EUA, é
imperativo acelerar o rearmamento, ampliar a capacidade industrial de defesa e
coordenar apoios bilaterais a Kiev. Persistir na hesitação dos últimos três
anos será fatal. A Ucrânia tornou-se o teste decisivo da resiliência europeia
frente a uma ordem internacional em erosão. A Europa terá de se reinventar. E
rápido. Enquanto isso, os ucranianos seguem lutando, não só por sua
sobrevivência, mas por princípios que deveriam unir o Ocidente: soberania,
liberdade e resistência à tirania.
Briga de interesses na venda de remédio em supermercados
Correio Braziliense
Projeto de lei prevê a venda de remédios
isentos de prescrição de receita em supermercados. Incentivo à automedicação ou
a livre concorrência são alguns dos argumentos em debate
A polêmica que envolve a liberação da venda
de medicamentos em supermercados ganha mais um capítulo. A proposta,
apresentada pelo senador Efraim Filho, autoriza a venda de medicamentos isentos
de prescrição médica — entre eles, analgésicos e antitérmicos — em
supermercados. O projeto de lei também prevê a presença física de um
farmacêutico com registro no Conselho Regional de Farmácia (CRF) para
esclarecer dúvidas que porventura surgirem por parte dos consumidores nesses
estabelecimentos.
Na última terça-feira (1º/7), estava prevista
uma audiência pública na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado Federal
sobre o PL 2.158/2023, que trata do tema, mas a reunião foi desmarcada e, de
acordo com a secretaria da comissão, uma nova data será definida. Duas
audiências foram realizadas anteriormente, com os dois lados se
pronunciando.
Representantes do setor farmacêutico e
especialistas em políticas públicas de saúde alertaram para o risco de um
aumento de casos de uso incorreto de medicamentos, além do prejuízo a pequenas
farmácias, especialmente em cidades em que a venda dos produtos é a única
forma de sobrevivência desses estabelecimentos menores, que rapidamente iriam
perder espaço para os supermercados.
Há, ainda, a justificativa de uma certa
indução à automedicação sem um acompanhamento qualificado, além do risco de
banalização do uso de remédios, podendo levar, por exemplo, ao agravamento de
doenças crônicas. Sabe-se que até mesmo medicamentos considerados "mais
leves" levam a complicações graves quando mal utilizados. Quando não,
fatais: a Associação Brasileira das Indústrias Farmacêuticas (Abifarma) estima
que o país registra cerca de 20 mil mortes por ano devido à
automedicação.
Já os representantes do varejo e parceiros
defenderam o direito à concorrência e, consequentemente, a redução dos preços
dos remédios (segundo os varejistas, uma queda de 35% nas tabelas) e um maior
acesso, o que agradaria em cheio a uma população cansada dos valores
exorbitantes deles.
A Associação Brasileira de Supermercados
(Abras) encomendou uma pesquisa ao Instituto Datafolha na qual mostra que dois
em cada três brasileiros (64%) apoiam a volta da venda de medicamentos isentos
de prescrição médica em supermercados, prática que vigorou no Brasil há cerca
de 30 anos (1994/1995). Por outro lado, uma consulta pública acerca do tema,
ainda vigente, tem quase 10 mil votos, dos quais 7.264 são contrários à
proposta.
Fato é que a Lei nº 5.991, que dispõe sobre
"o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos
farmacêuticos e correlatos, e dá outras providências" data de 17 de
dezembro de 1973. Portanto, tem mais de 50 anos e merece ser atualizada. Antes
disso, existem muitos aspectos que devem ser observados, cabendo à população o
papel de monitorar a tramitação do projeto de lei, já que a expectativa é de
que ainda neste ano esse impasse seja resolvido.
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