Valor Econômico
O objetivo é que ele alcance 40% de ótimo e
bom
Aprendi uma palavra nova, não com a
inteligência artificial, mas com o poeta Manoel de Barros (1916-2014), uma
quase terapia nesses tempos de muito embate e intolerância, instabilidade e
reveses. “Arúspices”: palavrinha estranha e feia, mas que dialoga com o
ambiente político. Ela me fez pensar no presidente Luiz Inácio Lula da Silva em
confronto com o Congresso, e sob alta pressão dos aliados porque 2026 chegou
mais cedo, a campanha está nas ruas, nas redes digitais e sua popularidade
estacionou abaixo da margem de segurança.
Traduzo. A palavra apareceu num poema em que Manoel de Barros conta a história de “Mário-pega-sapo” que, de noite, entretinha-se em abrir os anfíbios que capturava de dia em riachos, barrancos e terrenos baldios. “Abria um por um de canivete os sapos para ler nas entranhas deles o seu futuro. Eu pensava que aquele Mário-pega-sapo fosse um descendente dos arúspices, sacerdotes romanos que adivinhavam o futuro remexendo no altar as entranhas de seus inimigos”.
Os versos me evocaram uma cena de filme de
terror, em que o presidente aparece com um bisturi em mãos, dissecando no altar
da capelinha do Alvorada as vísceras de algum adversário, tal qual na Roma
antiga, para adivinhar o seu futuro eleitoral: o quarto mandato ou a quarta
derrota.
Adivinhação e mandigas ficaram para trás
porque a política tem ferramentas como pesquisas quantitativas e qualitativas
que permitem o ajuste de rota dos candidatos. Foi debruçados sobre pesquisas
públicas e internas, numa conjuntura de baixa aprovação do governo, que
generais do PT traçaram uma meta para fazer Lula chegar mais competitivo a seis
meses da eleição. O objetivo é que ele alcance, até o fim do ano, 40% de ótimo
e bom nas pesquisas. Algo como recuperar mais de um ponto percentual ao mês
dentro desse prazo.
O diretor da Quaest Felipe Nunes disse à
coluna que o PT estabeleceu uma “meta ousada”, considerando que a mais recente
pesquisa Genial/Quaest, divulgada em 4 de junho, mostrou Lula com uma aprovação
de 26% dos entrevistados. Segundo o levantamento, a avaliação negativa do
governo é de 43%, enquanto 28% consideram a gestão regular, e 3% não sabem ou
não responderam.
Nunes destacou, contudo, que um processo de
recuperação da popularidade como este traçado pelo PT já aconteceu no passado.
Lembrou que Dilma Rousseff, em julho de 2013, apresentou queda expressiva de
57% para 30% de avaliação positiva. Porém, em dezembro do mesmo ano, apresentou
41% de aprovação, um crescimento de 11 pontos percentuais. Ela se reelegeu em
2014, embora sem concluir o segundo mandato.
Outro exemplo: Nunes recorda que Lula também
viu sua avaliação positiva derreter de 41% em março para 29% em agosto de 2005,
no auge do Mensalão. Depois, pontuou quase 40% de positivo no começo de 2006, e
se reelegeu. Ele ressalva que se tratam de realidades diferentes de país, e
alerta que o eleitor está “mais exigente, e o produto mais desgastado”. Conclui
observando que o PT “já fez essa virada em outros dois momentos da história, e
pode fazer novamente”.
A pesquisa Quaest que mostrou Lula com 26% de
avaliação positiva, há um mês, foi a primeira divulgada pelo instituto depois
que veio à tona, em abril, o escândalo dos descontos ilegais em aposentadorias
e pensões do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O episódio deu munição
para a oposição, que explora, sem cessar o caso, disseminando nas redes sociais
“Lula ladrão do INSS”. A crise interrompeu um processo de melhora da imagem que
estava em curso desde o início do ano, quando notícias falsas de que o governo
cobraria imposto sobre o Pix viralizaram e impactaram a aprovação do
presidente.
A cúpula petista acredita que essa meta é
desafiadora, mas não impossível. A percepção é de que se Lula despontar em
março com uma aprovação de 40%, essa marca resgataria a “expectativa de poder”,
e desestimularia a eventual candidatura do governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas (Republicanos), que nesse prazo, terá de se desincompatibilizar do
cargo para o projeto presidencial.
Até o momento, ele é o nome que desperta mais
apreensão no PT porque tem potencial de atrair os partidos de centro e de
direita, que estão hoje na base lulista, o empresariado e o setor produtivo.
Porém, o carioca que busca se consolidar como político paulista também enfrenta
seus fantasmas.
Se a competitividade de Lula depende da
popularidade, Tarcísio precisa do apoio declarado do ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL), principal líder da oposição, para se viabilizar eleitoralmente.
Caciques do Centrão pressionam o ex-mandatário para que ele formalize esse
apoio até o fim do ano, mas Bolsonaro resiste. Está com a saúde abalada e
apreensivo com a reta final do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF),
que o acusa de tramar um golpe para impedir a posse de Lula em 2023.
Manoel de Barros foi um sábio que escreveu o
“Livro das Ignorãças”. Outro verso dele dialoga com Lula. “Eu vim pra cá sem
coleira, meu amo. Do meu destino eu mesmo desidero”. Em meio século de
política, independente do resultado, o petista sempre foi senhor de seu
destino. Para ganhar ou perder, aliados asseguram que ele não vai arredar da
nova briga eleitoral.
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