sexta-feira, 4 de julho de 2025

Taxação BBB leva luta de classes ao reality da crise - Marcos Augusto Gonçalves

Folha de S. Paulo

Defesa da taxação a bancos, bets e bilionários se apoia em iniquidade tributária, mas por si não é solução para os impasses em cena

A crise entre Executivo e Congresso, em torno da derrubada do decreto do Executivo que aumenta o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), acabou por reforçar a estratégia do governo Lula de se reapresentar como defensor dos pobres contra os abastados.

Nesse reality show da política que tenta antecipar o paredão de 2026, surge nas redes lulistas a "taxação BBB", que reivindica justiça tributária com aumento de impostos sobre bancos, bets e bilionários. A ideia, discutível como estratégia, é colocar uma pitada de luta de classes no debate e colar no Congresso a pecha de defensor de privilégios.

Nessa coreografia polarizada entrelaçam-se verdades, mentiras, ditos e não ditos, em sacrifício da complexidade dos problemas que estão na mesa.

Economistas convergem para a conclusão de que, sim, o regime tributário brasileiro é iníquo e favorece os mais ricos, independentemente do emaranhado de taxas e alíquotas que a reforma tributária ajudará nos próximos anos desfazer ou tornar menos exasperante.

O ministro Fernando Haddad também tem um ponto difícil de ser negado, ao se referir à montanha de isenções fiscais em vigor, alguma coisa, no plano federal, em torno de 5% do PIB. É o já famoso "gasto tributário".

Nem tudo possivelmente será absurdo nesse festival de favores, mas não resta dúvida de que parte significativa da cortesia não faz sentido. É um assunto a ser enfrentado com perseverança e maturidade.

Em sentido contrário, quando o debate se volta para as contas públicas, o governo se apressa em não reconhecer os efeitos problemáticos da indexação dos aumentos reais do salário mínimo a pagamentos previdenciários e a elevação insustentável das despesas obrigatórias no Orçamento. "Ah, mas não vamos jogar o peso do ajuste nas costas do mais pobres", dirão os defensores da taxação BBB.

A questão não é tão simples. Especialistas de boa índole e sensibilidade social —ou seja, aqueles que não suspiram e reviram os olhinhos diante da motosserra de Javier Milei— acreditam ser possível equacionar a indexação e o avanço das despesas de maneira a encontrar maior flexibilidade orçamentária que permitiria, em tese, mais escolhas do governo e aperfeiçoamento na qualidade dos gastos. Haveria ainda espaço para uma reforma administrativa na máquina pública –vamos começar pelos supersalários?– e aumento de produtividade, em tempos de avanços tecnológicos.

Um passo nesse sentido ajudaria na gestão de expectativas. Um país com sinalização de equilíbrio fiscal estaria mais bem preparado para deter o crescimento da dívida pública, inclusive por meio da redução do gasto com a Selic altíssima e contracionista. Não seria mau para Lula, que já tem, diga-se, bons indicadores da dita economia real a mostrar.

Parece difícil debater esses assuntos com espírito público num momento em que o Congresso aumenta o número de parlamentares e está fixado nas suas indefensáveis emendas. E, ainda assim, o presidente da Câmara, Hugo Motta, foi chamado de herói em jantar para figurões com a presença do presidenciável de seu partido (Republicanos), o governador Tarcísio de Freitas.

Entre bolhas de champanhe em Lisboa, ministros do STF tentam ajudar no "deixa disso" para desanuviar o reality show. A ver.

 

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