Folha de S. Paulo
Defesa da taxação a bancos, bets e
bilionários se apoia em iniquidade tributária, mas por si não é solução para os
impasses em cena
A crise entre Executivo e Congresso, em torno
da derrubada
do decreto do Executivo que aumenta o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF),
acabou por reforçar a estratégia do governo Lula de se
reapresentar como defensor dos pobres contra os abastados.
Nesse reality show da política que tenta antecipar o paredão de 2026, surge nas redes lulistas a "taxação BBB", que reivindica justiça tributária com aumento de impostos sobre bancos, bets e bilionários. A ideia, discutível como estratégia, é colocar uma pitada de luta de classes no debate e colar no Congresso a pecha de defensor de privilégios.
Nessa coreografia polarizada entrelaçam-se
verdades, mentiras, ditos e não ditos, em sacrifício da complexidade dos
problemas que estão na mesa.
Economistas convergem para a conclusão de
que, sim, o regime tributário brasileiro é iníquo e favorece os mais ricos,
independentemente do emaranhado de taxas e alíquotas que a reforma tributária
ajudará nos próximos anos desfazer ou tornar menos exasperante.
O ministro Fernando
Haddad também tem um ponto difícil de ser negado, ao se referir
à montanha
de isenções fiscais em vigor, alguma coisa, no plano federal, em torno de 5% do
PIB. É o já famoso "gasto tributário".
Nem tudo possivelmente será absurdo nesse
festival de favores, mas não resta dúvida de que parte significativa da
cortesia não faz sentido. É um assunto a ser enfrentado com perseverança e
maturidade.
Em sentido contrário, quando o debate se
volta para as contas públicas, o governo se apressa em não reconhecer os
efeitos problemáticos da indexação dos aumentos reais do salário mínimo a
pagamentos previdenciários e a elevação insustentável das despesas obrigatórias
no Orçamento. "Ah, mas não vamos jogar o peso do ajuste nas costas do mais
pobres", dirão os defensores da taxação BBB.
A questão não é tão simples. Especialistas de
boa índole e sensibilidade social —ou seja, aqueles que não suspiram e reviram
os olhinhos diante da motosserra de Javier Milei—
acreditam ser possível equacionar a indexação e o avanço das despesas de
maneira a encontrar maior flexibilidade orçamentária que permitiria, em tese,
mais escolhas do governo e aperfeiçoamento na qualidade dos gastos. Haveria
ainda espaço para uma reforma administrativa na máquina pública –vamos começar
pelos supersalários?– e aumento de produtividade, em tempos de avanços
tecnológicos.
Um passo nesse sentido ajudaria na gestão de
expectativas. Um país com sinalização de equilíbrio fiscal estaria mais bem
preparado para deter
o crescimento da dívida pública, inclusive por meio da redução do gasto com
a Selic altíssima e contracionista. Não seria mau para Lula, que já tem,
diga-se, bons indicadores da dita economia real a mostrar.
Parece difícil debater esses assuntos com
espírito público num momento em que o Congresso aumenta o número de
parlamentares e está fixado nas suas indefensáveis emendas. E, ainda assim, o
presidente da Câmara, Hugo
Motta, foi chamado de herói em jantar para figurões com a presença do
presidenciável de seu partido (Republicanos), o governador Tarcísio de Freitas.
Entre bolhas de champanhe em Lisboa,
ministros do STF tentam
ajudar no "deixa disso" para desanuviar o reality show. A ver.
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