quinta-feira, 17 de março de 2016

Multidão vai às ruas contra manobra para blindar Lula

*Gravação da PF indica que Dilma tentou evitar prisão de Lula *Manifestantes protestam contra nomeação de ex-presidente para a Casa Civil e fazem panelaços em várias partes do País *Governo diz que vai recorrer à Justiça

A nomeação do ex-presidente Lula para a Casa Civil desencadeou uma série de protestos pelo País. Os atos foram motivados também pela divulgação de áudios da Operação Lava Jato, feitos pela Polícia Federal, com diálogos do petista com a presidente Dilma Rousseffe o ex-ministro Jaques Wagner. Em uma das conversas, Dilma diz a Lula: “Seguinte, eu tô mandando o ‘Bessias’ junto com o papel pra gente ter ele e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?”. Para a oposição, a frase indica que a nomeação de Lula teve como objetivo garantir a ele foro privilegiado e configuraria tentativa de obstrução das investigações.

Na Câmara, deputados pediram a renúncia de Dilma. As conversas monitoradas sugerem também uma tentativa de influenciar o MP e o Judiciário. Em diálogo com Wagner, Lula afirma que a “Suprema Corte está acovardada”. Segundo a Lava Jato, o ex-presidente se referia à atuação do STF perante a operação. Os advogados de Lula classificaram como “arbitrariedade” a divulgação dos grampos. O governo anunciou que vai “tomar as medidas judiciais cabíveis”. No final da tarde e à noite, milhares de pessoas protestaram em Brasília e em São Paulo. Também houve panelaços em várias cidades do País. O Diário Oficial da União publicou, em edição extraordinária, a nomeação de Lula como chefe da Casa Civil.

• Presidente confirma seu antecessor na Casa Civil da Presidência e provoca nova onda de manifestações; juiz federal libera arquivos de áudio com monitoramento telefônico do petista e afirma que diálogos indicam que ele atuou para tentar influenciar o Judiciário

Dilma blinda Lula de Sérgio Moro e novos protestos tomam ruas do País

A nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a Casa Civil do governo Dilma Rousseff desencadeou ontem uma série de protestos pelo País motivada também pela divulgação de arquivos de áudio da Operação Lava Jato com diálogos do petista com a presidente e com o ex-ministro Jaques Wagner. Em uma dessas conversas, às 13h32 de ontem, Dilma diz a Lula: “Seguinte, eu tô mandando o ‘Bessias’ (JorgeMessias, subchefe de Assuntos Jurídicos)junto com o papel pra gente ter ele e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?”. Para a oposição, a frase da presidente indica que a nomeação do líder petista teve o objetivo de conferir a ele foro privilegiado e, portanto, configura que ambos atuaram para obstruir as investigações. 

O monitoramento das conversas telefônicas (grampos) sugerem também uma tentativa de influenciar o Ministério Público e o Judiciário. “Trata-se de processo vinculado à assim denominada Operação Lava Jato e no qual, a pedido do Ministério Público Federal, foi autorizada a interceptação telefônica do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de associados”, afirmou em despacho o juiz Sérgio Moro. Dilma, de acordo com a operação, não foi monitorada. 

O diálogo entre ela e Lula foi captado, segundo a força-tarefa, de uma ligação recebida pelo aparelho celular de um assessor de Lula. Os advogados do líder petista classificaram como uma “arbitrariedade” a divulgação dos arquivos de áudio. A presidente “repudiou” a medida. A posse de Lula deve ocorrer hoje. No fim da tarde de ontem, grupos anti-Dilma e antipetistas realizaram protestos em frente ao Palácio do Planalto e em várias capitais do País. 

Os protestos se estenderam até a madrugada. Também foram registrados panelaços. Os manifestantes pediram a saída de Lula do ministério e de Dilma da Presidência. Enquanto as manifestações começavam a tomar forma, o Diário Oficial da União publicou, em edição extraordinária, a nomeação do ex-presidente como chefe da Casa Civil no lugar de Wagner, que foi remanejado para a chefia de Gabinete da Presidência. Em uma conversa com Wagner, também captada pelo monitoramento da PF, Lula afirma que a “Suprema Corte está acovardada”. Ele também fala sobre o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e o STF

Diálogos mostram tentativa de controle da Justiça, diz juiz

• Sérgio Moro remeteu conteúdo que investiga ex-presidente ao STF após petista ter sido nomeado novo ministro

Ricardo Brandt, Julia Affonso e Fausto Macedo – O Estado de S. Paulo

O juiz federal Sérgio Moro, que conduz a Lava Jato na 1.ªinstânciada Justiça, remeteu o conteúdo referente ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na operação para o Supremo Tribunal Federal após ele ter sido nomeado ministro da Casa Civil ontem. “A interceptação (telefônica) foi interrompida”, diz o juiz sobre o monitoramento telefônico (grampo) do petista. Segundo o magistrado, o conteúdo das interceptações mostra que Lula tentou influenciar o Ministério Público e o Judiciário. “Observo que, em alguns diálogos, fala-se, aparentemente, em tentar influenciar ou obter auxílio de autoridades do Ministério Público ou da Magistratura em favor do ex-presidente”, afirma Moro.

Ele pondera, no entanto, que “não há nenhum indício nos diálogos ou fora deles de que estes citados teriam de fato procedido de forma inapropriada e, em alguns casos, nem sequer há informação se a intenção em influenciar ou obter intervenção chegou a ser efetivada”. Um dos casos citados envolve uma ministra do STF. “Há, aparentemente, referência à obtenção de alguma influência de caráter desconhecido junto à exma. ministra Rosa Weber do Supremo Tribunal Federal, provavelmente para obtenção de decisão favorável ao ex-presidente na ACO 2822, mas a eminente magistrada, além de conhecida por sua extrema honradez e retidão, denegou os pleitos da defesa do ex-presidente.” “É até importante você falar com a Dilma. Eu acho que eles fizeram antecipar um pedido nosso que está na Suprema Corte, que está na mão da Rosa Weber”, diz Lula, em conversa com Jaques Wagner. “Entendi”, responde ele. “Eles estão tentando antecipar. Como eles ficaram com medo que a Rosa fosse dar, eles estão tentando antecipar tudo isso, porque ela poderia tirar isso da Lava Jato. O Moro fez o espetáculo para comprometer a Suprema Corte”, prossegue Lula. Em outro ponto do mesmo diálogo, Lula diz: “Você viu, querido, ela está falando dessa reunião. Ô, Wagner, eu queria que você viesse agora, falar com ela, já que ela está aí, falar o negócio da Rosa Weber. Está na mão dela para decidir. Se homem não tem saco, quem sabe uma mulher corajosa possa...”“Combinado, valeu, querido”, diz Wagner.

‘Intervenção’. Há citação ao presidente do STF, Ricardo Lewandowski. “De igual forma, há diálogo que sugere tentativa de se obter alguma intervenção do Exmo. Ministro Ricardo Lewandowski contra imaginária prisão do ex-presidente, mas sequer o interlocutor logrou obter do referido magistrado qualquer acesso nesse sentido. Igualmente, a referência ao recém nomeado Ministro da Justiça Eugênio Aragão (‘parece nosso amigo’) está acompanhada de reclamação de que este não teria prestado qualquer auxílio.” Moro destaca que fez essas referências apenas “para deixar claro que as aparentes declarações pelos interlocutores em obter auxílio ou influenciar membro do Ministério Público ou da Magistratura não significa que esses últimos tenham qualquer participação nos ilícitos, o contrário transparecendo dos diálogos. Isso, contudo, não torna menos reprovável a intenção ou as tentativas de solicitação”.

O juiz levantou sigilo sobre os áudios. “Apesar de existirem diálogos do ex-presidente com autoridades com foro privilegiado, somente o terminal utilizado pelo ex-presidente foi interceptado e jamais os das autoridades com foro privilegiado, colhidos fortuitamente.” Ele remeteu a parte referente a Lula ao STF. “Diante da notícia divulgada na presente data de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria aceito convite para ocupar o cargo de ministro da Casa Civil, deve o feito, com os conexos, ser remetido, após a posse, aparentemente marcada para a próxima terça-feira, quando efetivamente adquire o foro privilegiado, ao Egrégio Supremo Tribunal Federal.”

Moro registra que Lula sabia ou desconfiava que era monitorado. “Pelo teor dos diálogos degravados, constata-se que o ex-presidente já sabia ou pelo menos desconfiava de que estaria sendo interceptado pela Polícia Federal, comprometendo a espontaneidade e a credibilidade de diversos dos diálogos.” O juiz registra que “alguns diálogos sugerem que tinha conhecimento antecipado das buscas efetivadas em 4 de mar- çode2016”. Nesse dia, o ex-presidente foi alvo da Operação Aletheia e levado coercitivamente para depor. Sua casa e a dos filhos passaram por buscas. /

'Não há pessoa fora de investigação', afirma Janot sobre Dilma

• Procurador ainda contra-atacou comentários de Lula, que criticou sua 'gratidão pela nomeação'; 'Eu estudei para caramba', respondeu

Jamil Chade - O Estado de S. Paulo

BERNA - O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmou nesta quinta-feira, 17, que ninguém é imune a investigações, ao ser questionado sobre a possibilidade de pedir a abertura de inquérito contra a presidente Dilma Rousseff por causa das suspeitas de tentar obstruir as investigações da Operação Lava Jato.

"Nosso trabalho é republicano. Não há pessoa fora de investigação", disse a dois repórteres brasileiros, insistindo que não poderia antecipar o que vai fazer.

Em Berna para reuniões com o Ministério Público da Suíça, Janot pode anunciar em seu retorno ao Brasil a abertura de inquérito contra Dilma.

O procurador já havia apontado nessa direção na quarta-feira, 16, em Paris, diante do conteúdo da delação premiada do senador Delcídio Amaral. Agora, seus assessores indicam que a possibilidade foi reforçada essa com a divulgação dos telefonemas trocados entre ela e o ex-presidente e futuro ministro, Luiz Inácio Lula da Silva.

Questionado se ser presidente impediria um inquérito, ele respondeu: "De jeito nenhum, de jeito nenhum".

Diante da insistência dos repórteres, ele disse : "Não tem nada decidido". Mas voltou a comentar sobre a imunidade de Dilma. "Ninguém (está imune), ninguém ".

Estudo. Janot ainda fez questão de responder aos comentários de Lula que criticam, em uma gravação telefônica, sua "gratidão". "Essa é a gratidão. Essa é a gratidão dele por ele ser procurador", disse Lula ao advogado Luiz Carlos Sigmaringa Seixas no dia 7 de março. Lula insistia que Janot tinha recusado quatro pedidos de investigação de Aécio Neves.

O procurador, na Suíça, contra-atacou. "Os cargos públicos não são dados de presente. Eu sou muito grato a minha família", insistiu. "Fiz concurso. Estudei para caramba. Tenho 32 anos de carreira", completou. Janot foi nomeado ao cargo por Dilma Rousseff, em 2013, e reconduzido em 2015.

Questionado se estava surpreso com o teor das declarações de Lula, ele respondeu:

"Por isso, eu disse isso".

Diálogo ameaça Dilma

Dilma: Alô.
Lula: Alô.
Dilma: Lula, deixa eu te falar uma coisa.
Lula: Fala, querida. Ahn. Dilma: Seguinte, eu tô mandando o Messias junto com o papel... pra gente ter ele. E só usa em caso de necessidade, que é o Termo de Posse, tá?!
Lula: Uhum. Tá bom, tá bom.
Dilma: Só isso, você espera aí que ele tá indo aí.
Lula: Tá bom, eu tô aqui, fico aguardando.
Dilma: Tchau. Lula: Tchau, querida.

Investigado na Lava- Jato e sob ameaça de prisão, o ex-presidente Lula voltou ontem ao governo, nomeado ministro da Casa Civil pela presidente Dilma para ganhar foro privilegiado no STF e escapar de decisões do juiz de primeira instância Sérgio Moro. Antes de a nomeação ser oficializada, porém, Moro liberou o sigilo de gravações, inclusive de conversas entre o ex-presidente e Dilma, com indícios de acerto entre os dois para obstruir a Justiça e prejudicar as investigações, segundo avaliação da força-tarefa da Lava- jato. Em conversa gravada ontem com autorização judicial, Dilma avisa a Lula que estava enviando a ele o Termo de Posse para que use “em caso de necessidade”, o agravou a crise. Divulgadas as gravações, o governo fez publicar edição extra do Diário Oficial oficializando a nomeação. Em nota, o governo repudiou a divulgação dos grampos, “que afronta direitos e garantias da Presidência”, e anunciou que tomará medidas judiciais. Em outra gravação, Lula também reclama do que chama de “República de Curitiba” e de “uma Suprema Corte totalmente acovardada, um Parlamento acovardado”. Numa outra conversa, o petista pede ao ministro Nelson Barbosa (Fazenda) que pare investigação da Receita sobre o Instituto Lula. No Congresso, parlamentares de oposição pediram, aos gritos, a renúncia da presidente. Manifestantes foram para a frente do Palácio do Planalto defender a saída de Lula e o impeachment de Dilma, além de apoiar Moro, que justificou a quebra do sigilo dizendo que a “democracia exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras”. Em entrevista antes da divulgação dos grampos, Dilma negara ter nomeado Lula para que ele tenha foro privilegiado. A comissão do impeachment deve ser instalada hoje na Câmara.

Ação contra a Justiça

• Horas depois de o retorno de Lula ao governo ser confirmado, Sérgio Moro divulga gravações em que Dilma diz ao ex- presidente que enviaria termo de posse com poder de impedir sua prisão; revelações ensejam novos protestos e oposição exige renúncia

Maiá Menezes - O Globo

Uma trama que envolve grampo telefônico, tentativa de obstrução da Justiça e personagens que estão na cúpula do poder em Brasília enredou o país ontem em um capítulo inédito de sua História. De desfecho cada vez mais imprevisível. No dia em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltava ao cenário em que foi soberano por oito anos, para dividir com a sua sucessora, a presidente Dilma, o protagonismo no Planalto, o juiz Sérgio Moro decidiu retirar o sigilo do processo que investigava Lula por envolvimento com a Lava- Jato. O resultado foi que, às 15h37, quatro horas e meia depois de o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT- CE), anunciar, via rede social, que o ex- presidente se tornaria ministro da Casa Civil, começavam a se tornar públicos conversas entre Lula e autoridades do governo. A que de imediato repercutiu, primeiro pelos gabinetes de Brasília, depois pelas ruas do país, foi gravada ontem, às 11h20 da manhã, entre o ex- presidente e Dilma. “Seguinte, eu tô mandando o ' Messias' junto com o papel... pra gente ter ele. E só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?!”, disse a presidente, se referindo a Jorge Rodrigo Araújo Messias, subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil. A frase mostra que Dilma enviaria a Lula uma espécie de termo preventivo de posse, já que inicialmente a cerimônia que oficializaria o retorno dele ao governo estava marcada para a próxima terça- feira, dia 22. Depois da divulgação da conversa, o governo antecipou a posse para hoje, às 10h.

Integrantes da Lava- Jato viram sinais de tentativa de obstrução à Justiça nos diálogos, assim como juristas ouvidos pelo GLOBO.

A presidente Dilma reagiu a Moro, classificando a divulgação de “flagrante violação da lei e da Constituição, cometida pelo juiz autor do vazamento”. Disse ainda que tomará “medidas judiciais cabíveis”.

O juiz Sérgio Moro, em nota, defendeu a decisão de tirar o sigilo da investigação, sustentando que “governados devem saber o que fazem os governantes”. Para ele, “levantar sigilo permite saudável escrutínio público”

Em outra conversa, em fevereiro, com o ministro Nelson Barbosa ( Fazenda), Lula pede interferência na Receita Federal, que investiga seu instituto . “É preciso acompanhar o que a Receita está fazendo com a Polícia Federal. Vocês precisam se inteirar do que eles estão fazendo no Instituto. Eu acho que eles estão sendo filhos da puta demais. Estão procurando pelo em ovo. Vou pedir para o Paulo Okamotto tudo no papel porque era preciso você chamar o responsável e falar: ‘ Que porra que é essa?’”.

À medida que as gravações iam se tornando públicas, manifestantes se dirigiam espontaneamente às ruas, em protestos por todo o país. Ontem à noite, foram registrados atos em pelo menos 15 estados e no DF. Panelaços foram ouvidos de Norte a Sul. Em frente ao Palácio do Planalto, chegou a haver tumulto.

A repercussão, no entanto, não foi a mesma nas Cortes mais altas do país, também citada nas gravações. Em uma das conversas com Dilma , o ex- presidente faz críticas contundentes à atuação do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. “Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada, nós temos um Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado, um Parlamento totalmente acovardado, somente nos últimos tempos é que o PT e o PC do B é que acordaram e começaram a brigar”, disse Lula. Procurados, ministros dos tribunais superiores optaram pelo silêncio.

O diagnóstico do ex-presidente para o alcance das denúncias da Lava- Jato é desolador. Ao se referir aos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), e do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL), ambos investigados por relação com desvios na Petrobras, foi enfático: “Nós temos um presidente da Câmara fodido, um presidente do Senado fodido, não sei quanto parlamentares ameaçados, e fica todo mundo no compasso de que vai acontecer um milagre e que vai todo mundo se salvar”. O desabafo leva aquele já apontado como mito político do país sucumbir a um medo: “Tô assustado com a República de Curitiba”, disse.

Antes do grampo, uma versão diferente

• Em entrevista, presidente afirmou que nomeação de Lula não era para livrar ex- presidente das decisões de Sérgio Moro

Catarina Alencastro, Simone Iglesias e Eduardo Barretto - O Globo

- BRASÍLIA- Diante da reação negativa provocada pelo anúncio de que o ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva irá assumir o ministério mais importante do governo, a presidente Dilma Rousseff veio a público desmentir que esteja entregando o comando de sua gestão para o antecessor e que a nomeação não ocorreria para livrá- lo do juiz Sérgio Moro. Em uma entrevista coletiva organizada de última hora, antes de os diálogos entre ela e Lula virem a público, Dilma afirmou que o ex-presidente não terá superpoderes, e sim os poderes necessários para “ajudar o Brasil”. Embora visivelmente tensa, a presidente tentou disfarçar o nervosismo e sorriu.

Dilma falou que está feliz com a ida de Lula para a Casa Civil e que ele fortalece o governo. Ela o chamou de “hábil articulador” e negou que haja desconforto por causa da investigação. Afirmou que o petista já explicou que não é dono nem do tríplex no Guarujá, nem do sítio em Atibaia, motivos pelos quais é alvo de apurações no âmbito da Lava- Jato. Dilma chamou Lula de presidente todas as vezes em que o citou.

A presidente tentou diminuir o peso das críticas de que Lula estaria entrando no governo para obter foro privilegiado. Ela também negou que o petista tenha feito exigência.

— A hipótese (de que Lula estaria fugindo da Justiça) é apenas uma sombrinha, uma proteção ao fato de que, vamos falar a verdade, a vinda de Lula para o meu governo fortalece o meu governo. Tem gente que não quer que ele ( governo) seja fortalecido. O que é que eu posso fazer? — emendando em seguida: — A troco de quê eu vou achar que a investigação do juiz Sérgio Moro é melhor do que a investigação do STF?

Perguntada sobre a situação do ministro Aloizio Mercadante, flagrado em conversas com o assessor de Delcídio Amaral, Dilma disse que ele deu explicações satisfatórias e que não tem motivo para perder a confiança nele.

Moro: é preciso saber o que fazem os governantes

• Juiz justifica fim de sigilo; grampo ocorreu após decisão pelo fim das gravações

Cleide Carvalho, Dimitrius Dantas, Thiago Herdy - O Globo

- SÃO PAULO- O juiz Sérgio Moro afirmou em despacho, ao levantar o sigilo das gravações com conversas do ex- presidente Lula, que a decisão permite “saudável escrutínio público sobre a atuação da administração pública e da própria Justiça criminal. "

“A democracia em uma sociedade livre exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras", disse o juiz.

Moro havia determinado que as escutas telefônicas do ex-presidente Lula fossem encerradas ontem, às 11h12m. A conversa entre a presidente Dilma Rousseff e Lula, na qual ela cita a entrega do termo de posse, que deveria ser usado “em caso de necessidade”, ocorreu às 13h32m e foram juntadas pela Polícia Federal ao inquérito que investigava as atividades do Instituto Lula às 15h37m.

Moro tomou a decisão de levantar o sigilo das investigações às 16h19m. Afirmou no despacho que, apesar de existirem diálogos com autoridades com foro privilegiado, “somente o terminal utilizado pelo ex-presidente foi interceptado e jamais os das autoridades com foro privilegiado, colhidos fortuitamente”, numa referência à presidente e a ministros, como Jaques Wagner, da Casa Civil.

“Constata- se que o ex-presidente já sabia ou pelo menos desconfiava de que estaria sendo interceptado pela Polícia Federal, comprometendo a espontaneidade e a credibilidade de diversos dos diálogos”, escreveu Moro, em despacho divulgado ontem.

Segundo juiz, “alguns diálogos sugerem que tinha conhecimento antecipado das buscas” realizadas no último dia 4 de março.

Moro diz querer “deixar claro que as aparentes declarações pelos interlocutores em obter auxílio ou influenciar membro do Ministério Público ou da Magistratura não significa que esses últimos tenham qualquer participação nos ilícitos”. Para o juiz, contudo, isso “não torna menos reprovável a intenção ou as tentativas de solicitação”.

No despacho, Moro ressaltou que o inquérito deveria ser encaminhado ao Supremo depois da posse de Lula na Casa Civil, “aparentemente marcada para a próxima terça- feira”, “quando efetivamente adquire o foro privilegiado”. O Palácio do Planalto, no entanto, remarcou a posse para hoje.

Em nota, a Associação dos Juízes Federais (Ajufe) manifestou “total apoio” às decisões de Moro. Segundo a entidade, o fim do sigilo da investigação sobre Lula está amparado na Constituição, segundo a qual “a prova resultante de interceptação telefônica só deve ser mantida em sigilo absoluto quando revelar conteúdo pessoal íntimo dos investigados. Tal não acontece em situações em que o conteúdo é relevante para a apuração de supostas infrações penais, ainda mais quando atentem contra um dos Poderes, no caso o Judiciário”.

Ruas explodem em protestos e panelaços...

• Em 15 estados e no Distrito Federal, manifestantes pedem renúncia de Dilma e reagem contra Lula

Eduardo Barretto, Eduardo Bresciani, Luiza Souto e Tiago Dantas – O Globo

- BRASÍLIA, SÃO PAULO E RIO- Após a divulgação pelo juiz Sergio Moro dos áudios de conversas entre a presidente Dilma Rousseff e o ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva, manifestantes tomaram as ruas em 15 estados e no Distrito Federal e também promoveram panelaços, pedindo a renúncia de Dilma e protestando contra a nomeação de Lula para a chefia da Casa Civil.

Na Avenida Paulista, cinco mil pessoas, segundo a PM, se concentraram na frente do Masp e diante da Fiesp, onde um painel de luzes que cobre a fachada do prédio mostrava uma tarja preta com os dizeres: “Renúncia já”. Entre os manifestantes, o médico Pedro Cintra, de 49 anos, disse que Moro é a solução para o país:

— Não dá mais. A gente cansou. Isso aqui é a luz do horizonte — afirmou Cintra, apontando para a multidão.

Débora Carneiro, de 30 anos, servidora pública, seguiu na mesma linha:
— Dilma quer continuar na presidência? Ok. Mas dar ministério para Lula? Chega. Estão todos comprados.

Enquanto isso, em frente ao Tuca, na Zona Oeste de São Paulo, os gritos eram de “Não vai ter golpe” e “Lula, guerreiro do povo brasileiro”.

Em Brasília, mais de cinco mil manifestantes favoráveis ao impeachment, segundo a Polícia Militar do Distrito Federal, protestaram em frente ao Palácio do Planalto contra a nomeação de Lula. Depois de gritar palavras de ordem na Praça dos Três Poderes, boa parte dos manifestantes se dirigiu ao Congresso, onde a segurança foi reforçada.

Nas redes sociais, o protesto no Planalto estava marcado para 18h, mas cerca de 30 parlamentares da oposição iniciaram o ato por volta das 17h, carregando uma faixa com a frase dita pelo próprio Lula em 1988: “Quando um pobre rouba, vai para a cadeia; mas quando um rico rouba, ele vira ministro”.

Os parlamentares tentaram entrar no Palácio e houve um princípio de tumulto com seguranças. Após alguns minutos, eles foram autorizados a entrar e a deixar a faixa na guarita de acesso.

Antes das 18h, havia um grupo pró- Dilma, de cerca de 20 pessoas, perto do protesto. Houve um início de discussão, dispersada com gás lacrimogêneo. Os apoiadores do governo foram embora pouco tempo depois. A maior parte dos gritos era contra o ex- presidente Lula. Dois carros de som do Movimento Brasil Livre (MBL) foram usados. Bandeiras do Brasil predominavam, bem como camisetas amarelas. As palavras de ordem mais frequentes eram “cadeia” e “vai para a Papuda”. O deputado Carlos Marun (PMDB-MS) foi “hostilizado e deixou local: — Eles acham que sou contra o impeachment. Mas até nas insurreição existem pessoas estúpidas e burras. Parlamentares não ficaram no ato. A exceção foi o deputado Jair Bolsonaro (PSC- RJ), que recebeu cumprimentos e posou para fotos. 

Depois do protesto em frente ao Planalto, os manifestantes se dirigiram para o Congresso. Com gritos tos de Lula na cadeia” e “o renuncia”, eles se concentraram no gramado do Congresso e bem próximos à rampa de acesso. A manifestação começou pacífica, mas depois houve confronto entre manifestantes e a polícia.

No Rio, houve panelaços na Barra e na maioria dos bairros da Zona Sul, com o barulho das panelas sendo seguido de gritos como “Fora, Lula”. Em Copacabana, à noite, cerca de mil pessoas foram para a Avenida Atlântica, que chegou a ser fechada. Na Zona Norte, reações também foram ouvidas, como na Tijuca. Em Curitiba, um grupo de 500 manifestantes, segundo a PM, foi para a porta da Justiça Federal do Paraná protestar contra o PT e apoiar Sérgio Moro. O entorno do prédio foi fechado. Moro saiu acompanhado de seguranças em um carro blindado.

Também houve protestos no Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Espírito Santo, Goiás, Amazonas, Pará, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Ceará, Alagoas, Pernambuco e Santa Catarina.

... no Congresso, oposição exige renúncia

• Parlamentares do DEM e do PSDB acusam presidente de obstruir a Justiça e dizem que governo terminou

Eduardo Bresciani, Cristiane Jungblut, Isabel Braga, Letícia Fernandes - O Globo

- BRASÍLIA- A oposição cobrou a renúncia da presidente Dilma Rousseff após a divulgação do grampo telefônico da conversa dela com o ex- presidente Lula sobre a nomeação para o ministério da Casa Civil. Quando a gravação foi divulgada, Câmara e Senado realizavam sessões. Os deputados favoráveis ao impeachment de Dilma começaram a gritar “renúncia”. Governistas cantavam “olê, olê, olê, olá, Lula, Lula”. Oposicionistas puxaram gritos de “ladrão”. A sessão foi encerrada. No Senado, o líder do DEM, Ronaldo Caiado ( GO), levou o tema aos microfones e após alguns pronunciamentos o presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL), fez críticas ao juiz Sérgio Moro e também deu por encerrado os trabalhos.

O presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), afirmou que todos os limites foram ultrapassados. “É a falência definitiva de um governo que ultrapassou todos os limites éticos e morais para defender os seus aliados. A presidente Dilma não tem mais condições de governar o Brasil”, disse o senador, por meio de nota.

O líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO), defendeu a renúncia da presidente e afirmou que a frase de Dilma na gravação de que Lula só deveria usar o termo de posse “em caso de necessidade” deixa clara a intenção de evitar a prisão do aliado.

— A necessidade dele só existe se for para mostrar que não está mais sob a jurisdição do juiz Sérgio Moro. Ela tem que renunciar — afirmou Caiado.

— O diálogo revela ação para obstruir a ação. Não há mais saída. Se ela renunciou tacitamente ao seu mandato ao nomear Lula como chefe da Casa Civil, que ela o faça de fato. Não há mais saída, é o fim de tudo — disse Cássio Cunha Lima, líder do PSDB no Senado.

O deputado Nilson Leitão (MT), vice-líder do PSDB na Câmara, criticou os parlamentares governistas, que questionam o fato de a PF ter liberado os áudios:

— A casa caiu, é obstrução à Justiça, ela cometeu o mesmo crime que o Delcídio Amaral. E eles querem culpar o vazamento da PF, e não a gravidade do fato — criticou o tucano.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes fez ataques à nomeação de Lula durante o julgamento de embargos de declaração sobre o rito do impeachment, ainda antes da gravação vir a público.

— Dilma busca um tutor que tem problemas criminais – disse o ministro.

A oposição anunciou ao longo do dia várias ações judiciais questionando a nomeação. O senador Alvaro Dias foi um dos que protocolou ação civil pública nesta direção.

— O objetivo explícito é transferir o foro de uma instância primeira para o Supremo Tribunal Federal. É fugir da caneta do Sérgio Moro — disse Dias.

O líder do PSDB na Câmara, Antonio Imbassahy (BA), descreveu a nomeação de Lula como “um tapa na cara da sociedade” e que a posse seria uma “confissão de culpa” que tornaria Dilma sua cúmplice:

— A partir de hoje temos uma ex-presidente ocupando o mais alto cargo da República. O capítulo final dessa história será o seu impeachment.

Presidente atuou para evitar a prisão de Lula, indica gravação

Dilma agiu para tentar evitar a prisão de Lula, indica gravação

- Folha de S. Paulo

SÃO PAULO – O juiz federal Sergio Moro incluiu no inquérito que tramita em Curitiba uma conversa telefônica entre o ex-presidente Lula e a presidente Dilma Rousseff, na qual ela diz que encaminhará a ele o "termo de posse" de ministro.

Dilma diz a Lula que o termo de posse só seria usado "em caso de necessidade".

Os investigadores da Lava Jato interpretaram o diálogo como uma tentativa de Dilma de evitar uma eventual prisão de Lula. Se houvesse um mandado do juiz, de acordo com essa interpretação, Lula mostraria o termo de posse como ministro e, em tese ficaria livre da prisão.

A informação foi revelada nesta quarta-feira (16) pelo canal "Globonews". A gravação ocorreu às 13h32 desta quarta, quando Lula aceitou o convite para assumir a Casa Civil, no lugar de Jaques Wagner.

Segundo Moro, o telefone grampeado é de um assessor do Instituto Lula que era usado com frequência pelo ex-presidente.

O juiz Moro não pode mandar prender ministros porque eles detêm foro privilegiado.

O juiz vai encaminhar para o Supremo toda a investigação sobre Lula quando chegar o termo de posse de Lula.

A conversa foi gravada pela Polícia Federal, no inquérito que apura a posse do sítio em Atibaia (SP). A hipótese dos investigadores é que o sítio foi doado a Lula por empresas que tinham contrato com a Petrobras, como a Odebrecht, OAS e José Carlos Bumlai, este amigo do ex-presidente.

O Palácio do Planalto divulgou nota em que diz que a divulgação da gravação é uma "afronta aos direitos e garantias" da Presidência da República.

"Todas as medidas judiciais e administrativas cabíveis serão adotadas para a reparação da flagrante violação da lei e da Constituição da República, cometida pelo juiz autor do vazamento", diz a nota.

O advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, acusa Moro de estimular uma "convulsão social" com a divulgação do telefonema. " Isso não é papel do Judiciário", disse.

Com a indicação Lula à Casa Civil, o ex-presidente passa a ter foro privilegiado nas investigações da Lava Jato. Desta maneira, Lula só pode ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal.

No dia 4 de março, a Polícia Federal cumpriu um mandado de busca e apreensão na casa do ex-presidente e no Instituto Lula, entre outros lugares ligados ao petista.

Ele foi conduzido coercitivamente pela PF para prestar depoimento, como parte da 24ª fase da Operação Lava Jato.

Veja o diálogo 

Dilma: Alô
Lula: Alô
Dilma: Lula, deixa eu te falar uma coisa.
Lula: Fala querida. Ahn.
Dilma: Seguinte, eu tô mandando o "Messias" [Jorge Rodrigo Araújo Messias, subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil] junto com o papel pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?
Lula: Tá bom. Eu tô aqui. Fico aguardando.
Dilma: Tá
Lula: Tá bom.
Dilma: Tchau
Lula: Tchau, querida.

O sigilo de uma série de áudios foi retirado, nesta quarta-feira (16), pelo juiz Moro já que, segundo o magistrado, as buscas e diligências envolvendo Lula já haviam sido feitas.

Moro diz ainda que pelo teor dos diálogos, "constata-se que o ex-Presidente já sabia ou pelo menos desconfiava de que estaria sendo interceptado pela Polícia Federal, comprometendo a espontaneidade e a credibilidade de diversos dos diálogos".

Em seu despacho, Moro diz ainda que diálogos sugerem que Lula sabia antecipadamente das ações da Polícia Federal que levaram o ex-presidente a prestar depoimento.

O magistrado aponta ainda que em alguns áudios fala-se na aparente tentativa de influenciar o Ministério Público e a magistratura em favor de Lula. Moro diz, no entanto, que não há indícios de que essas tentativas foram levadas a frente.

O despacho cita como exemplo o áudio em que Lula queria que a ministra do STF Rosa Weber fosse procurada no momento em que a magistrada estava para decidir sobre o curso das investigações contra o ex-presidente, no caso da investigação do tríplex do Guarujá e o sítio em Atibaia.

Para Moro, no entanto, o desejo não surtiu efeito, já que a magistrada decidiu de maneira contrária ao pedido da defesa do presidente.

FHC defende acordo para país 'mudar a página'

Thais Arbex – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - No momento em que PSDB e PMDB fazem um acerto de procedimentos para tirar a presidente Dilma Rousseff do poder, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso defendeu um acordo para o país avançar e "mudar a página".

Em evento da seguradora Tokio Marine, na manhã desta quarta-feira (16), FHC afirmou que a "linha sucessória brasileira está toda abalada", mas que isso "não deve paralisar o país".

"Devemos avançar de qualquer maneira. Se não der certo, vem outro. Vai chegar um momento em que vai ter que fazer acordo. Acordo não quer dizer cambalacho. É um acordo social", disse o tucano.

Segundo ele, são nos momentos de maior dificuldade que surge a capacidade de renovação. O ex-presidente afirmou que "há uma energia enorme nas ruas" mostrando ao país que "temos a capacidade de mudar a página".

"Quando se perde condições de governar, mais tempo, menos tempo muda, porque a sociedade acaba tendo que criar um caminho para se avançar. Quem são as pessoas que vão criar esse trilho depende de circunstâncias", disse.

O ex-presidente afirmou que as manifestações do último domingo (13) contra Dilma mostraram que "a sociedade cansou e quer uma solução para isso".

"O Brasil não pode ficar caminhando sem rumo. Quando falo de acordo, é quando ao rumo. Qual é o pacto? O que vamos fazer? Temos que escolher três, quatro, cinco mudanças fundamentais. Concentrar nelas e fazer. Alguém vai ter que fazer isso."

Para FHC, a presidente perdeu a oportunidade de fazer mudanças e reafirmou que é preciso um pacto para dar um novo rumo ao país. O tucano disse ainda que se o vice-presidente Michel Temer não for capaz de conduzir essa mudança, cairá.

"Não pode fazer sozinho, tem que apelar aos outros. Se houver mudança, se vai o vice-presidente, é a mesma coisa. Será ele capaz de fazer? Vai tentar fazer. Se não fizer, cai. Até que se chegue no momento de dizer que o caminho é esse e nos sabemos qual é o caminho"

FHC afirmou ainda que os políticos estão hoje "tateando", falando de "semipresidencialismo, parlamentarismo, impeachment", de "várias tentativas de ver se encontrar um caminho para tentar avançar um pouco".

"Tem luz", afirmou o ex-presidente.

No Senado, oposição pede renúncia imediata de Dilma

Por Vandson Lima - Valor Econômico

BRASÍLIA - Em meio a gritaria e troca de acusações no plenário, senadores de oposição pediram a renúncia imediata da presidente Dilma Rousseff e avisaram que ingressarão com ações contra a presidente por obstrução de Justiça.

O fato ocorreu após a revelação de grampos telefônicos nos quais Dilma supostamente teria agido para blindar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, encaminhando a ele um "termo de posse" de ministro para ser usado em "caso de necessidade" - o foi interpretado como uma tentativa de impedir o juiz federal Sergio Moro de pedir a prisão do ex-presidente antes de sua posse na Casa Civil.

"As ruas vão se incendiar. As denúncias são gravíssimas", avaliou o líder da oposição, senador Agripino Maia (DEM-RN). "É de extrema gravidade, ela precisa renunciar. O telefonema revela clara obstrução da Justiça", disse o líder do PSDB, Cássio Cunha Lima (PB).

Para o presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG) "é a falência definitiva de um governo que ultrapassou todos os limites éticos e morais para defender os seus aliados. A presidente Dilma não tem mais condições de governar o Brasil".

Cobrado pela oposição, o presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL) se negou a levar a Casa a assumir imediatamente uma posição. "É prudente aguardarmos o conhecimento detalhado dos fatos para que possamos posicionar o Congresso Nacional". Renan, com seis inquéritos e um novo pedido de investigação no âmbito da Operação Lava-Jato, fez severas críticas à atuação do juiz Sérgio Moro, a quem chamou de "juiz de exceção". "Um juiz de exceção não pode substituir, por mais que queira, o Supremo Tribunal Federal (STF). E aí, por conta dessa polarização, o entendimento de que ser julgado pelo Supremo não é ser julgado pela Justiça nessa excepcionalidade que vivemos. Até parece que um juiz de exceção pode simbolizar o sistema judicial como um todo. Não", atacou Renan.

Líder do governo no Congresso Nacional, o senador José Pimentel (PT-CE) chamou o juiz Sérgio Moro de "ditador", em meio às discussões. "Hoje, por achar que é preciso fazer uma atalho para chegar à Presidência da República, resolvem apoiar um ditador que não respeita a legislação brasileira, que é o que é o Juiz Federal Sérgio Moro", atacou. "Não estamos aqui defendendo apenas a presidenta Dilma, estamos aqui defendendo a Constituição brasileira. Este país não pode ser vítima da vontade de alguns em detrimento da legislação brasileira. No dia em que fizermos isso vamos voltar a 1964 e, aqui, grande parte dos nossos pares, todos foram para as ruas para combater o estado de exceção, para combater a ditadura militar", continuou em referência ao período da ditadura militar.

O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) também alegou que a gravação pode ter sido feita e vazada de maneira ilegal: "a única coisa que é extremamente grave neste episódio é a Polícia Federal vazar uma conversa da presidenta Dilma com o ex-presidente Lula. Esta conversa aconteceu pouco mais de 11h da manhã de hoje [ontem]. Esse é o escândalo, sr. Presidente! É um vazamento despropositado de uma conversa privada da Presidenta da República. Isso, sim, nós temos que apurar e investigar".

A sessão do Senado foi encerrada mais cedo por Renan, sem votações mais importantes.

Os caciques do PMDB devem se reunir para definir a posição da sigla diante dos novos fatos. Anteontem, entrou pela madrugada um encontro em que estavam presentes Renan Calheiros, o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE), o senador Romero Jucá (RR) e o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga. Ministro da Defesa, Aldo Rebelo (PCdoB) também participou, segundo relatos. Na conversa, os pemedebistas se mostraram incomodados por estarem à parte das negociações da entrada de Lula no governo e se mantinham céticos quanto à mudança conseguir debelar a crise.

Temer fica em São Paulo e não participa de posse de Lula e de deputado do PMDB

• Vice-presidente alega que decisão de Mauro Lopes de aceitar cargo no ministério de Dilma 'afronta' decisão do partido de não ocupar novos postos por 30 dias

Carla Araujo e Beatriz Bulla - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O vice-presidente Michel Temer está em São Paulo, sem compromissos oficiais, segundo sua assessoria de imprensa. Com isso, ele não comparecerá à cerimônia de posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e nem do deputado peemedebista Mauro Lopes (MG), que assumirá a Secretaria de Aviação Civil.

A justificativa dada por assessores de Temer para a ausência do vice-presidente é de que a posse de Mauro Lopes "afronta" a decisão da convenção nacional do PMDB, tomada no sábado, de políticos do partido não assumirem novos cargos no governo Dilma durante o prazo de 30 dias. Durante esse período, a sigla pretende definir o desembarque ou não da gestão petista.

Aliados de Cunha devem comandar comissão

• Presidente da Câmara contabiliza até 39 dos 65 integrantes do colegiado como votos a favor do impeachment

- O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Líderes da oposição e de partidos aliados do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), reuniram-se na noite de ontem na residência oficial da presidência da Casa para discutir a composição da comissão processante do impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Segundo o Estado apurou, Cunha e seus aliados contabilizam ter entre 37 e 39 dos 65 integrantes da comissão a favor do impeachment. Com essa quantidade de votos, o grupo conseguiria eleger o presidente e o relator da comissão. Os nomes defendidos no encontro são o líder do PSD, Rogério Rosso (DF), para presidente e Jovair Arantes (GO), líder do PTB, para relator. Esses dois postos são escolhidos por votação entre os membros do colegiado. Da base aliada, mas próximos a Cunha, os nomes foram escolhidos por terem trânsito dos dois lados. Inicialmente eles não queriam ocupar os postos, mas foram convencidos após insistência.

A comissão é formada por 65 integrantes de todos os partidos com representação na Câmara. Por causa da janela que permite a troca de legendas, dois partidos, PTC e PMN, deixaram de ter representação e suas vagas, uma de cada sigla, foram distribuídas entre DEM e PP. O primeiro partido passa a ter três representantes. O segundo, cinco. PT e PMDB são os partidos com maior número de integrantes, oito cada. O PSDB tem seis membros.

Representantes. De acordo com o cronograma acordado entre os líderes, eles poderão indicar os representantes de seus partidos até meio-dia de hoje. Ainda está em discussão na Câmara como se daria uma eventual segunda votação caso a chapa seja rejeitada. Concluída a votação, o intenção de Cunha é dar início imediato à sessão de instalação da comissão, na qual são escolhidos presidente e relator do colegiado.

É o relator quem elabora o parecer pelo seguimento ou pelo arquivamento do processo. O texto é votado em um prazo de 15 sessões do plenário da Câmara. Cunha quer realizar sessões de segunda a sexta-feira, a começar por amanhã. Se o parecer for pela aprovação do seguimento do processo, ele precisa ser aprovado por 342 votos (2/3 do total) para que o impeachment siga para o Senado. Caso o parecer da comissão seja pela rejeição do processo, 342 deputados terão que votar contra o texto para que ele siga para o Senado.

República de Bananas? - Merval Pereira

- O Globo

O que ocorre no país é coisa de “República de Bananas”. A nomeação de Lula como ministro da Casa Civil de Dilma foi, além de um acinte aos milhões de brasileiros que foram às ruas no domingo em todo o país, uma tentativa de golpe para evitar que o ex- presidente viesse a ser preso pela Lava- Jato, e de atrasar as investigações, pois todo o processo teria que ser encaminhado à Procuradoria- Geral da República em Brasília e ficaria a cargo do Supremo Tribunal Federal, onde, sabe- se, o ritmo é mais lento, inclusive devido à sobrecarga de trabalho.

Escrevo no condicional porque, depois dos áudios divulgados, não se sabe se haverá condição política para formalizar o golpe. A tentativa de obstrução da Justiça está claramente explicitada nos diversos diálogos, especialmente quando a própria presidente Dilma toma a iniciativa de mandar para Lula um termo de posse no ministério antes mesmo que o decreto tivesse sido publicado no Diário Oficial.

Isto é, Lula assumiu o ministério antes de ter sido nomeado oficialmente, apenas para que pudesse usar o documento oficial “em caso de necessidade”. Quando Lula pede, através de Jaques Wagner, que Dilma interfira junto à ministra do Supremo Rosa Weber para que ela decida a seu favor uma pendência judicial, justamente para retirar de Moro a investigação sobre o tríplex do Guarujá, torna verossímil a versão de Delcídio Amaral de que ela, numa conversa nos jardins do Palácio do Alvorada, pediu que interferisse junto a um ministro do STJ para soltar empreiteiros presos.

Não tem precedentes a gravidade de a presidente Dilma ser apanhada numa mentira momentos depois de ter dado uma entrevista coletiva na qual desdenhou dos repórteres que lhe perguntavam sobre o foro privilegiado de Lula, desmentindo cabalmente que a intenção fosse essa.

Quando Lula diz que a Suprema Corte está acuada, o STJ está acuado, o Congresso está acuado, e que ele teme a República de Curitiba, numa referência à investigação da Aeronáutica que ficou conhecida como a República do Galeão, sobre a tentativa de assassinar Carlos Lacerda que culminou na morte do major Rubem Vaz, e precedeu o suicídio de Vargas, Lula mostra não apenas seu receio de ir para a cadeia, mas seu desprezo pela Justiça.

O que está acontecendo no Brasil é coisa de República de Bananas, onde uma curriola tomou conta do Estado e é capaz de fazer “o diabo” para não abrir mão de suas regalias. Honduras é o país inspirador do termo, cunhado pelo escritor americano O. Henry, pseudônimo de William Sydney Porter, que passou a designar um país atrasado e dominado por governos corruptos e ditatoriais, geralmente na América Central.

O principal produto desses países, a banana, era explorado pela famosa United Fruit Company, que teve um histórico de intromissões naquela região, especialmente em Honduras e Guatemala, para financiar governos que beneficiassem seus interesses econômicos, sempre apoiada pelo governo dos Estados Unidos.

Nossa República de Bananas, ao contrário, atende ao interesse de outras Repúblicas de Bananas espalhadas pela região, dominadas por curriolas assemelhadas politicamente e que se beneficiam mutuamente dos escândalos de corrupção capitaneados pelas empreiteiras brasileiras, financiadas pelo BNDES.

É um projeto de poder que vem sendo desmontado aqui, na Argentina, na Venezuela, na Bolívia, depois de mais de uma dezena de anos de dominação política. A tentativa de mudar o jogo político com Lula no ministério tendia a dar errado, pois somente um cavalo de pau na economia, com medidas populistas, poderia fazer o governo recuperar a popularidade.

Mas esse populismo imediatista acabaria levando ao mesmo desfecho, pois um erro repetido não se transforma em acerto. Teríamos novos anos de recessão, provocada pela aposta em uma política econômica destrambelhada e por abusos do poder econômico para garantir a permanência do mesmo grupo no poder durante décadas, como já escrevi aqui.

Uma dominação do país por ações criminosas que vão sendo desveladas por instituições do Estado que garantem que não nos transformemos em uma verdadeira República de Bananas, como aquelas com que o poderoso chefão do petismo se relaciona em tenebrosas transações políticas e econômicas que agora estão sendo devidamente investigadas.

Repetindo o que já escrevi nesta coluna: República de Bananas seremos se continuarmos a aceitar essa imposição de um grupo político sobre o país, e se a Constituição em vigor não puder ser utilizada para dar um basta a essa usurpação a que estamos submetidos.

Acabou - Eliane Cantanhêde

- O Estado de S. Paulo

O ex-presidente Lula superestimou a sua força e subestimou a gravidade da situação ao tentar uma manobra radical para tentar salvar, ao mesmo tempo, a própria pele e o mandato de Dilma Rousseff. Lula, que sempre achou que podia tudo, avaliou que assumiria, de fato, o lugar de Dilma, reverteria o jogo e voltaria ao poder, de direito, nos braços do povo. Deu tudo errado.

Se pecou pela ousadia sem limite, a nomeação de Lula para um terceiro mandato indireto – ou “mandato tríplex”, na irreverência de Brasília - foi também de uma inoportunidade irritante: apenas três dias depois de milhões de pessoas saírem às ruas contra Lula, Dilma e PT. Elas gritaram “fora Lula” e Dilma fez o oposto, botou Lula para dentro do Planalto, desdenhando da Justiça e das investigações da Lava Jato.

Os manifestantes reagiram voltando às ruas, cercando o próprio Palácio do Planalto e reacendendo o temor de confrontos. O juiz Sérgio Moro não deixou por menos: retaliou liberando gravações comprometedoras de Lula e a conversa entre ele e Dilma em que falam do “termo de posse”, para ser usado “se necessário”. É considerado prova.

As gravações mostram como ele e Dilma arquitetaram a artimanha para fugir de Moro e cair no ambiente bem mais aconchegante do Supremo Tribunal Federal. Se isso não é tentativa de obstrução da Justiça, é o quê? O anúncio da volta de Lula era para ser um fato espetacular, mas foi um tiro n’água.

A hipótese de Lula nos braços do povo parece cada vez mais distante, lembrando a melancólica reação de Jânio Quadros quando desembarcou em São Paulo depois da renúncia. Olhou para um lado, olhou para o outro e indagou na sua solidão: “Cadê o povo?” Lula, como ele, pode não estar notando, ou acreditando, o quanto a sociedade lhe virou as costas.

A mirabolante nomeação de Lula foi recebida não só com fortes protestos nas ruas, mas resistência até mesmo dentro do governo. Enquanto o presidente da CUT alardeava que, com Lula, o governo “vai mudar radicalmente e dar uma guinada à esquerda” (populista e gastadora), o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, entrincheirava-se em defesa dos fundamentos econômicos e de uma política responsável.

A primeira ação do novo “superministro” Lula foi tentar dobrar o PMDB, enroscando-se com o já tão enroscado presidente do Senado, Renan Calheiros, e nomeando o peemedebista Mauro Lopes para a Aviação Civil quatro dias depois de a convenção nacional do PMDB proibir os membros do partido de aceitar cargos no governo. Foi uma provocação ostensiva, uma declaração de guerra contra o vice Michel Temer e a cúpula do fundamental PMDB.

Ou seja: ao renunciar na prática em favor de Lula, Dilma pôs uma pá de cal no seu mandato moribundo, irritou os manifestantes de domingo, cutucou as onças da Lava Jato com vara curta, abriu uma guerra com o PMDB, acendeu um sinal de alerta nos economistas e nas estatais e bancos públicos. E para quê? Foi tudo um tiro n’água, como já dito aqui, ou pior: um tiro no pé. Nunca o impeachment pareceu tão palpável quanto ontem à noite.

Tapa na cara – Rogério Gentile

- Folha de S. Paulo

Ao nomear Lula para o ministério, Dilma Rousseff não apenas renunciou na prática ao cargo para o qual foi eleita, reconhecendo sua incapacidade para governar e sua pequenez na história do país, como também agrediu a sociedade com um tapa na cara.

No domingo, houve a maior manifestação já medida por um instituto de pesquisa no Brasil. Apenas na cidade de São Paulo, em apoio às investigações da Operação Lava Jato e ao juiz Sergio Moro, 500 mil pessoas ocuparam a avenida Paulista formando um impressionante corredor verde-amarelo.

Dilma, no entanto, em ostensivo desdém aos protestos de 13 de março, entregou o governo ao mais notório investigado, sobre o qual paira um pedido de prisão ainda não julgado. Nomeou para a Casa Civil aquele que, com razão ou não, é identificado pelas ruas como o principal responsável pelo escândalo que hoje tumultua e espanta o país. Mais da metade dos brasileiros, vale lembrar, segundo o último Datafolha, considera que o ex-presidente beneficiou construtoras (58%) e foi beneficiado por elas (62%).

A nomeação de Lula para o governo é também um ato de escárnio para com o Judiciário brasileiro. As constrangedoras gravações reveladas na noite de ontem confirmam isso. Com a presidente na corda bamba do impeachment, uma crise econômica angustiante e um escândalo que traz revelações escabrosas quase que diariamente, o petista não ganha nada ao entrar no ministério, a não ser justamente o tal foro privilegiado que tira o juiz Moro do seu caminho. Dilma fez pelo antecessor o que nenhum advogado conseguiu.

O recado subliminar dessa manobra, dessa chicana processual com o timbre de uma mandatária menor, é o de que Lula considera que o Supremo Tribunal Federal, a quem cabe analisar o seu caso a partir de agora, deverá ser mais benevolente e flexível com seus atos. Será mesmo essa a postura da principal Corte do país?

Uma trama desvendada - Lauro Jardim

• Antes de mais nada, Lula e Dilma terão as delações premiadas que, como numa cascata, não pararão de jorrar lama exatamente sobre o governo e o PT. Será crise em cima de crise

- O Globo

O Lula real apareceu por inteiro nos grampos. OLula real apareceu por inteiro nos grampos de ontem. A ideia que o Planalto quis vender com insistência era de que ele entraria para o governo para ser o grande articulador contra o impeachment. E, de quebra, atuaria na linha de frente para livrar o país da paralisia econômica. Os áudios liberados por Sérgio Moro explodiram a trama urdida com o apoio de Dilma para dar a Lula o foro privilegiado. A articulação que importava para o ex-presidente era para salvar sua própria pele. Por isso, aceitou a missão quase impossível de virar o jogo do impeachment. Ou de ressuscitar a economia, sabe- se lá com que instrumentos.

O Lula que emerge das gravações é um político que insta o ministro da Fazenda a intervir no trabalho da Receita Federal. Pede a Jaques Wagner para interferir numa decisão de uma ministra do Supremo. Combina com a presidente da República uma armação para assinar o termo de posse de um modo como nunca antes neste país se viu. A trama acabou desmascarada. E agora? Se Lula continuar mesmo chefe da Casa Civil, com que autoridade vai negociar com os 171 deputados, a quem pretendia seduzir para barrar o impedimento de Dilma? Lula perdeu também condições de sentar- se diante dos grandes empresários nacionais e pedir-lhes que retomem a confiança e invistam pesado, como pretendia fazer.

Não serão as únicas dificuldades da dupla. Antes de mais nada, Lula e Dilma terão as delações premiadas que, como numa cascata, não pararão de jorrar lama exatamente sobre o governo e o PT. Será crise em cima de crise, o que aprofundará o risco TSE, que terá mais munição ainda para cassar o mandato da presidente.

Dilma já era uma presidente sem autoridade para conduzir o país. Chamou Lula para copresidir o Brasil imaginando que ele teria algum resto de prestígio para emprestar, seja junto aos empresários, seja junto aos parlamentares. Os áudios de ontem enterraram essa possibilidade.

Guerra total - José Roberto de Toledo

- O Estado de S. Paulo

O vazamento do grampo da conversa entre Lula e Dilma Rousseff joga pressão sobre os ministros do Supremo Tribunal Federal quando forem julgar toda e qualquer ação relativa à presidente e a seu novo ministro. Os juízes, especialmente os que tiveram seus nomes citados, estão diante do dilema da mulher de Cesar: não basta ser honestos, têm que parecer também. É inevitável que isso influencie os seus votos no tribunal. O episódio exemplifica o nível de tensão política dos próximos dias.

Ao tentar voltar a 2010, Dilma e Lula anteciparam 2018 para 2016. Logo, a oposição e seus aliados vão se comportar como se estivessem disputando a eleição de suas vidas. Com Lula premiê, o PT não só joga sua última chance de manter-se no poder. Põe na mesa também a possibilidade de voltar a ocupá-lo no futuro - ao menos para esta geração de petistas. Esse é o tamanho da disputa que se vê desde já.

Não será bonito, mas tem uma vantagem. Tende a ser uma blitzkrieg, uma guerra total e rápida, em substituição ao desgastante fogo de barragem que se tem visto. Sai o bombardeio de saturação, entram as armas de destruição em massa. Apesar do grau de aniquilação e do potencial de fazer vítimas inocentes, tende a demorar menos e, assim, antecipar o fim da crise.

Nunca antes na história do Google, o nome de Lula havia sido tão procurado quanto há duas semanas, quando ele foi conduzido coercitivamente pela Polícia Federal. Nem quando era presidente. Nesta quarta-feira, porém, a curiosidade pelo novo ministro da Casa Civil bateu seu próprio recorde. Foi 20% maior. Março de 2016 é também o primeiro mês desde quando deixou a Presidência que Lula superou as buscas por “Dilma Rousseff”.

O público, portanto, já sabe quem manda no governo a partir de agora. Essa mudança de foco faz parte da narrativa que o PT quer emplacar. Com Lula de primeiro-ministro, o partido tenta sair das cordas e voltar a ser o sujeito da história. É sua última chance - e as reações são proporcionais.

Os embates se darão em três ringues diferentes. Nas ruas, nos tribunais e nos bastidores do Congresso. Lula pode perder no primeiro, desde que não seja de maneira humilhante, mas tem que obrigatoriamente vencer nos outros dois. A alternativa é o impeachment e, eventualmente, uma condenação judicial.

Em uma guerra onde todos parecem estar feridos, como acompanhar o desenvolvimento das operações e saber quem está ganhando? A meta declarada de Lula premiê é reorganizar a economia, dar fim à recessão e preparar a retomada do crescimento. Esse é o objetivo estratégico, porque o bolso do eleitor explica a maior parte do seu comportamento. Mas esse alvo depende de manobras táticas anteriores para poder ser atingido.

A mais emergencial é resgatar o PMDB, que Dilma e o PT estavam prestes a perder para o PSDB e sua proposta de transição via um governo-tampão de Michel Temer. Na sua primeira missão, Lula marcou conversas com os principais líderes do PMDB, mas isso não quer dizer que conseguirá convencê-los.

Um bom termômetro aparecerá nesta sexta-feira, quando o conselho de ética do PMDB examinará o caso do novo ministro da Aviação, Mauro Lopes, nomeado nesta quarta-feira. Como isso ocorreu quatro dias após o partido ter decidido em sua convenção que haveria uma moratória de 30 dias para que peemedebistas ocupassem novos cargos no governo federal, Lopes pode sofrer sanções. Se isso não ocorrer, será um ponto para Lula.

No mesmo dia, haverá o termômetro das ruas. É para quando está marcada a manifestação em apoio a Lula na Paulista. O que se estará medindo não é apenas a quantidade de gente a favor do petista, mas também quantos estarão protestando contra ele. Isso se o STF não se antecipar e impugnar a nomeação de Lula para o ministério ou fazer algo mais drástico. Durma quem puder.

Assina aí, Dilma! - Luiz Carlos Azedo

• A nomeação de Lula para a Casa Civil foi uma saída putiniana diante da crise política. Segue a mesma lógica do revezamento no poder vigente na Rússia

- Correio Braziliense

Por mais que a presidente Dilma Rousseff tente manter a liturgia do cargo, seu governo acabou. Começa agora, com mão de gato, o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que pode ser brevíssimo ou viabilizar a sua volta efetiva à Presidência nas eleições de 2018, dependendo do seu desempenho como uma espécie de primeiro-ministro encabulado. Chefe da Casa Civil, Lula mandará no Diário Oficial da União, ou seja, na publicação de todos os atos do governo, desde as nomeações para cargos comissionados aos empenhos de verbas e assinatura de contratos de obras e de serviços. O resto são os detalhes da operação política.

A ida do ex-governador Jaques Wagner para a chefia de gabinete de Dilma completa a transferência de poder. Hábil negociador, administrará possíveis conflitos entre os dois, que não serão pequenos em razão da situação da economia e do caráter implosivo da Operação Lava Jato. Dilma procura se eximir de qualquer responsabilidade sobre os fatos investigados, o que resulta sempre em ampliar a responsabilidade de Lula pela existência do esquema, embora o ex-presidente diga sempre que não sabia de nada.

Diante da situação dramática em que se encontra a presidente da República, a entrada de Lula no governo foi uma cartada que vai além da simples chicana jurídica, como afirma a oposição. Um dos objetivos da entrada do petista no governo era sair da alçada do juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba; com o direito a foro especial, Lula será julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Mal havia sido anunciado ministro, o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamoto, o faz-tudo do petista, entrou com um pedido para o processo que investiga lula, seus familiares e assessores seja remetido ao Supremo Tribunal Federal (STF). É provável que a Corte decida manter parentes e colaboradores a cargo da primeira instância.

O truco foi sobretudo político. A entrada de Lula na equipe do governo reanima os militantes petistas e restabelece canais de negociações com os antigos aliados e setores empresariais. O efeito colateral foi o vazamento de gravações de conversas comprometedoras do ex-presidente Lula, que estava grampeado pela Operação Lava-Jato, e a presidente Dilma Rousseff. E a forte reação da opinião pública à nomeação de Lula para a Casa Civil, com protestos convocados instantaneamente pelas redes sociais nas principais cidades do país.

A nomeação de Lula para a Casa Civil foi uma saída putiniana diante da crise política, digamos assim. Segue a mesma lógica do revezamento no poder vigente na Rússia desde a primeira eleição do presidente russo Vladimir Putin. Ele exercia o cargo de primeiro-ministro em 1999, quando o presidente Boris Iéltsin renunciou. Três meses depois, foi eleito presidente da Federação. Quando concluiu seu mandato, em 2008, indicou o primeiro-ministro Dimitri Medvedev como seu sucessor.

Entre 2008 e 2012, como primeiro-ministro, Putin foi mais poderoso do que o presidente da República. E, assim, voltou à Presidência em 2012, vencendo as eleições com 63% dos votos, cargo que exerce ainda hoje.

O patrimônio oficial de Putin se resumiria a 3,7 milhões de rublos (cerca de R$ 2 milhões) em contas bancárias, um apartamento de 77m² em São Petersburgo, 260 ações do Banco de São Petersburgo e dois velhos automóveis Volga herdados de seu pai. Ao tomar posse, declarou uma renda anual de 3,6 milhões de rublos (cerca de R$ 195,4 mil). Líderes da oposição, porém, questionam como o presidente russo poderia ter 11 relógios de luxo no valor estimado de US 700 mil com rendimentos tão modestos e o acusam de manter oculta uma fortuna estimada em US$ 40 bilhões.

Impeachment
Na entrevista que concedeu após anunciar a nomeação de Lula, Dilma destacou sua experiência como articulador político e conhecimento dos problemas do país. Deixou claro que sua missão no governo é estratégica. Diversas vezes chamou seu novo ministro de presidente, o que é de praxe no cerimonial do Palácio do Planalto. Rechaçou, porém as especulações de mudança na equipe econômica e disse que Lula tem compromisso com a estabilidade da moeda e o equilíbrio fiscal. Negou também que se pretenda mexer nas reservas cambiais do país para aumentar os investimentos do governo.

Nada garante que a indicação de Lula para o governo vá salvar a presidente Dilma Rousseff do impeachment, mas a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de ontem, rejeitando os embargos de declaração apresentados pela Câmara dos Deputados, facilita sua atuação quanto ao controle da comissão especial que apreciará o pedido e o monitoramento da votação, que será aberta. Lula restabelece as pontes do governo com a ala governista do PMDB no Senado, que passou a ter o poder de afastar ou não Dilma Rousseff do cargo antes do julgamento do mérito do pedido.

Sob comando direto de Lula, além de o governo recuperar coesão interna e capacidade de iniciativa política no Congresso, também aumenta o seu poder de pressão em relação aos tribunais, à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal, sendo previsível um recrudescimento da campanha petista contra a Operação Lava-Jato. A crise econômica, porém, continua sendo a grande encruzilhada.

Em tempo: Moro divulga conversa de Dilma com Lula
No final da tarde, o juiz Sérgio Moro, retirou o sigilo de interceptações telefônicas de Lula. As conversas captadas pela Polícia Federal incluem diálogo gravado ontem com a presidente Dilma Rousseff. Na conversa, Dilma e Lula falam sobre o termo de posse. A presidente diz a ele que iria mandar o termo para que usasse somente “em caso de necessidade”.
A nomeação para a Casa Civil deu a Lula foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal (STF). Com isso, a investigação sobre ele na Operação Lava Jato sai do alcance do juiz Sérgio Moro e passa para o âmbito do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. O diálogo entre Dilma e Lula gravado pela Polícia Federal foi o seguinte:
– Dilma: Alô
– Lula: Alô
– Dilma: Lula, deixa eu te falar uma coisa.
– Lula: Fala, querida. Ahn
– Dilma: Seguinte, eu tô mandando o ‘Bessias’ junto com o papel pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?!
– Lula: Uhum. Tá bom, tá bom.
– Dilma: Só isso, você espera aí que ele tá indo aí.
– Lula: Tá bom, eu tô aqui, fico aguardando.
– Dilma: Tá?!
– Lula: Tá bom.
– Dilma: Tchau.
– Lula: Tchau, querida.

Nota oficial
Na noite ontem, a assessoria do Planalto divulgou nota para explicar a razão pela qual divulgou a imagem do termo de posse de Lula sem assinatura da presidente Dilma Rousseff. Eis a íntegra:

Nota à imprensa
Para conhecimento público, divulgamos cópia do termo de posse assinado hoje à tarde pelo ex-presidente Lula e que se encontra em poder da Casa Civil. Esse termo foi objeto do telefonema mantido entre o ex-Presidente Lula e a Presidenta Dilma Rousseff, sendo, no dia de hoje, divulgado, ilegalmente, por decisão da Justiça Federal do Paraná.

A Presidente assinará o documento amanhã em solenidade pública de posse, estando presente ou não o ex-Presidente Lula.

A transmissão de cargo entre o Ministro Jaques Wagner e o ex-Presidente Lula foi marcada para a próxima terça feira. Trata-se de momento distinto da posse.

Finalmente, cabe esclarecer que no diálogo entre o ex-Presidente Lula e a Presidente Dilma a expressão “para a gente ter ele” significa “o governo ter o termo de posse”, assinado pelo Presidente Lula, para em caso de sua ausência já podermos utilizá-lo na cerimônia de amanhã. Por isso, o verbo não é “usa”, mas sim o governo usar o referido termo de posse.

Assim, o diálogo foi realizado com base nos princípios republicanos e dentro da estrita legalidade.

Secretaria de Imprensa
Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República
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Encurralada entre a renúncia e o impeachment - José Casado

- O Globo

Dilma e Lula esqueceram de ler a Constituição. Na tarde de uma terça- feira da Quaresma de 125 anos atrás, o Congresso Constituinte promulgou a primeira Constituição que, entre outras coisas, dizia: “Exerce o Poder Executivo o presidente da República”.

Desde então, o Brasil já experimentou o presidencialismo imperial, o parlamentarismo, as ditaduras (civis e militares) e até os triunviratos governamentais. A última triarquia ocorreu em 1969. Acabou imortalizada nos livros de História pelo falecido líder da oposição, deputado Ulysses Guimarães, que só se referia ao general, brigadeiro e almirante da Junta Militar como “Os Três Patetas’’.

Ontem à tarde, Dilma Rousseff oficializou uma novidade política, o bi- presidencialismo, ao nomear o ex- presidente Lula chefe da Casa Civil.

A presidente tentou explicar que não pretendia resguardar seu antecessor, mentor e principal eleitor, da investigação criminal no juízo federal de Curitiba. Tentou até demarcar a fronteira entre o seu poder — legitimado nas urnas —e o que concedia a Lula. Viuse obrigada a repetir a palavra “não” por meia centena de vezes. Exauriu- se: “Minha relação com ele não é de poderes”.

Duas horas depois, os repórteres Marcelo Cosme e Vladimir Neto, da Globonews, divulgaram trechos de um telefonema que Dilma fez a Lula às 13h32m, antes do anúncio oficial. Lula estava sendo gravado pela polícia, com autorização judicial. A íntegra da conversa foi liberada pelo juiz Sérgio Moro no fim do expediente, na rotina do processo sem sigilo contra Lula que tramita em Curitiba.

O áudio mostrou Dilma avisando Lula, que ainda não era ministro: “Eu tô mandando o Messias junto com o papel pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?!”

A iniciativa da presidente num ato explícito de obstrução de Justiça, para proteger Lula numa investigação criminal, deixou perplexos juízes do Supremo, senadores e deputados. “Ela atropelou a Carta”, comentou um ministro. “Capitulou em vários crimes”, observou outro.

Na Câmara não foi diferente, decidiu- se acelerar o processo de impeachment, se não houver renúncia. “Ela cometeu uma ofensa direta aos princípios básicos de organização da nação brasileira”, disse o deputado Miro Teixeira ( Rede- RJ). “A renúncia agora é uma imposição, ela está obrigada a renunciar”.

No Senado votava- se uma emenda constitucional. “Não há mais saída”, criticou o líder da oposição Cássio Cunha Lima (PSDB- PB). Atônita, uma das líderes do bloco governista, a senadora Vanessa Graziottin (PCdoB- AM), pediu a suspensão imediata da sessão. Renan Calheiros, presidente, aceitou a sugestão imediatamente.

Já havia uma multidão protestando na Avenida Paulista, em São Paulo, e outra em frente ao palácio presidencial, quando a segurança retirou Dilma Rousseff pelos fundos do Planalto. O exótico projeto de poder desenhado por Dilma e Lula para um bi- presidencialismo desmoronava numa noite de fim de verão. Na arquitetura, esqueceram o principal: o respeito à Constituição.

A cobra coral - Maria Cristina Fernandes

• Lula não conseguirá agregar apoio se for para o confronto

- Valor Econômico

A divulgação do grampo do agora ministro da Casa Civil com a presidente Dilma Rousseff transforma a crise num dramático 'reality show'. Poucos minutos depois da divulgação do grampo em que a presidente informa a seu antecessor do envio do termo de posse para ser usado 'em caso de necessidade', manifestantes tomaram a frente do Palácio do Planalto e ruas de várias capitais.

Lula, como sugere o juiz Sergio Moro, parecia ter ciência do 'reality show'. No telefonema com Dilma que se seguiu à condução coercitiva, Lula repetiu o discurso que faria ao longo do dia sobre a perseguição do juiz. A presidente, que o trata por 'senhor' transfere o telefone para o agora chefe de gabinete da presidente, Jaques Wagner. Nesse momento, Lula pede que ele fale com sua sucessora sobre a ministra Rosa Weber, titular de uma de suas ações no Supremo. Lula acabara de sair de um depoimento de quatro horas à PF, mas se mostrava consciente de que não deveria entabular essa conversa diretamente com a presidente da República.

Cinco dias depois, o ex-presidente e sua sucessora pareciam ter baixado a guarda. Horas antes da oficialização de Lula como ministro, entabulariam a conversa sobre o termo de posse que serviria de salvo conduto contra uma investida da primeira instância como se Sérgio Moro não estivesse mais no seu encalço.

Ao liberar o sigilo do grampo, o destemido juiz de Curitiba explicita a pressão para que o Supremo repita com Lula o mesmo procedimento utilizado com o senador Delcídio Amaral, preso por obstrução da justiça no exercício do mandato de senador. Dos ministros que podem vir a se confrontar a Moro, apenas Marco Aurélio Mello explicitou o entendimento de que não se trata de obstrução da justiça mas da busca de saídas para o impasse político.

O ex-presidente acusado de incitar sua sucessora a obstruir a justiça fala com seu principal conselheiro jurídico, o advogado Sigmaringa Seixas, e lhe pergunta se ele tem falado com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Lula estava na mira da Lava-jato há dois anos e já tinha passado pela condução coercitiva quando ouve de Sigmaringa: "Há muito tempo não falo com ele". Noutro momento que indica o isolamento do ex-presidente frente à muralha erguida pelo Supremo, o ex-presidente pergunta quando a ministra Rosa Weber vai se mexer. "E eu sei lá", responde o advogado.

A primeira missão do novo ministro da Casa Civil é barrar o impeachment que a oposição agora vê condições de acelerar. Para ter alguma chance de êxito, Lula terá que se despir da fantasia de jararaca que enverga nos grampos. A despeito do desespero exibido em vários dos telefonemas e do grau de animosidade das relações com o que chama, no grampo, de 'República de Curitiba', Lula não terá êxito em agregar apoio à sua missão se for para o confronto.

Se saída houver passará, necessariamente, pela busca de aliados como o presidente do Senado, Renan Calheiros que, ontem, demonstrou preocupação com a divulgação de grampo envolvendo a presidente. Mais do que insistir na divisão do PMDB, o governo, na visão de um ministro com amplo acesso ao partido, deveria atrair de volta o vice-presidente Michel Temer e contemplar sua interlocução com o empresariado que resultou na 'Ponte para o futuro'.

Na noite de quarta-feira, quando Lula discutia a formação de seu gabinete em Brasília, Temer desembarcava em São Paulo. No sábado, o presidente do Senado lhe fizera uma deferência ao acompanhá-lo desde o Palácio do Jaburu até a convenção do partido. A cortesia de Renan, no entanto, não é garantia de que a unidade pemedebista é irremovível. Confortavelmente instalado no jogo de ambiguidades que tomou posse em Brasília, Renan tem uma capacidade de arregimentação que pode ser facilmente medida pelo placar de suas votações para a Presidência do Senado.

Ao voltar ao cargo em 2011, o senador amealhou 56 votos, quatro a mais do que o fez em 2007, quando teve de renunciar ao cargo para não ser cassado. A decisão de ontem do Supremo, que mantém o Senado no papel de revisor do impeachment, reforçou os poderes de Renan que, no entanto, não terá como se contrapor a uma votação acachapante na Câmara.

A entrada de Lula no governo deixa o ex-presidente e a cúpula do PMDB na dependência do mesmo foro jurídico. O grampo oferece a Lula a oportunidade de arregimentar aliados vitimados com uma estratégia comum de defesa a partir do Planalto.

Para cabalar votos contra o impeachment, Lula terá ainda que se mostrar capaz de reverter as expectativas na economia. Não é com a fantasia de jararaca que será capaz de reconquistar a confiança do empresariado.

O histórico de suas intervenções ao longo do segundo mandato de Dilma mostra um Lula ocupado em bombardear a guinada conservadora da política econômica, menos por suas convicções do que pelas batalhas que comprou dentro do governo. Agora que é poder, Lula levanta, na sua base petista e sindical, a expectativa de gastança. O novo ministro, no entanto, terá que mimetizar uma dissimulada cobra coral para retomar a agenda que o levou a tirar o país da crise encontrada em 2003.

A delação de Delcídio confirma mais um flanco a ser aberto pela força-tarefa na defesa do ex-presidente a partir dos pontos sem nó do processo do mensalão que podem se ligar, para prejuízo de Lula, com a Lava-Jato.

O liame é também o mais comprometedor até aqui já revelado sobre a oposição. Ao acusar o senador Aécio Neves de ter pedido dilatação do prazo para a quebra de sigilo do Banco Rural com o propósito de maquiar transferências de sua titularidade para paraíso fiscal, Delcídio reforça a tese de que o mensalão foi um escândalo petista com software tucano.

Se comprovada, a acusação ameaça não apenas o futuro do presidente do PSDB como o discurso anticorrupção do principal partido de oposição. Talvez por isso, aliados do governador Geraldo Alckmin, a comemorar, se mostravam preocupados com os destinos do seu principal adversário tucano.

Nesta volta de Lula, a liderança tucana que se mostrou mais afinada com as ruas de domingo foi o decano. Em palestra, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que a habilidade política não basta. A liderança requer conhecimento. Numa afirmação que pode estar a indicar rumos preocupantes do PSDB, disse que um analfabeto não pode dirigir o país. Parecia concordar com os cartazes do domingo onde se lia que o lugar do analfabeto é na cadeia.