Dilma: Alô.
Lula: Alô.
Dilma: Lula, deixa eu te falar uma coisa.
Lula: Fala, querida. Ahn. Dilma: Seguinte, eu tô mandando o Messias junto com o papel... pra gente ter ele. E só usa em caso de necessidade, que é o Termo de Posse, tá?!
Lula: Uhum. Tá bom, tá bom.
Dilma: Só isso, você espera aí que ele tá indo aí.
Lula: Tá bom, eu tô aqui, fico aguardando.
Dilma: Tchau. Lula: Tchau, querida.
Investigado na Lava- Jato e sob ameaça de prisão, o ex-presidente Lula voltou ontem ao governo, nomeado ministro da Casa Civil pela presidente Dilma para ganhar foro privilegiado no STF e escapar de decisões do juiz de primeira instância Sérgio Moro. Antes de a nomeação ser oficializada, porém, Moro liberou o sigilo de gravações, inclusive de conversas entre o ex-presidente e Dilma, com indícios de acerto entre os dois para obstruir a Justiça e prejudicar as investigações, segundo avaliação da força-tarefa da Lava- jato. Em conversa gravada ontem com autorização judicial, Dilma avisa a Lula que estava enviando a ele o Termo de Posse para que use “em caso de necessidade”, o agravou a crise. Divulgadas as gravações, o governo fez publicar edição extra do Diário Oficial oficializando a nomeação. Em nota, o governo repudiou a divulgação dos grampos, “que afronta direitos e garantias da Presidência”, e anunciou que tomará medidas judiciais. Em outra gravação, Lula também reclama do que chama de “República de Curitiba” e de “uma Suprema Corte totalmente acovardada, um Parlamento acovardado”. Numa outra conversa, o petista pede ao ministro Nelson Barbosa (Fazenda) que pare investigação da Receita sobre o Instituto Lula. No Congresso, parlamentares de oposição pediram, aos gritos, a renúncia da presidente. Manifestantes foram para a frente do Palácio do Planalto defender a saída de Lula e o impeachment de Dilma, além de apoiar Moro, que justificou a quebra do sigilo dizendo que a “democracia exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras”. Em entrevista antes da divulgação dos grampos, Dilma negara ter nomeado Lula para que ele tenha foro privilegiado. A comissão do impeachment deve ser instalada hoje na Câmara.
Ação contra a Justiça
• Horas depois de o retorno de Lula ao governo ser confirmado, Sérgio Moro divulga gravações em que Dilma diz ao ex- presidente que enviaria termo de posse com poder de impedir sua prisão; revelações ensejam novos protestos e oposição exige renúncia
Maiá Menezes - O Globo
Uma trama que envolve grampo telefônico, tentativa de obstrução da Justiça e personagens que estão na cúpula do poder em Brasília enredou o país ontem em um capítulo inédito de sua História. De desfecho cada vez mais imprevisível. No dia em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltava ao cenário em que foi soberano por oito anos, para dividir com a sua sucessora, a presidente Dilma, o protagonismo no Planalto, o juiz Sérgio Moro decidiu retirar o sigilo do processo que investigava Lula por envolvimento com a Lava- Jato. O resultado foi que, às 15h37, quatro horas e meia depois de o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT- CE), anunciar, via rede social, que o ex- presidente se tornaria ministro da Casa Civil, começavam a se tornar públicos conversas entre Lula e autoridades do governo. A que de imediato repercutiu, primeiro pelos gabinetes de Brasília, depois pelas ruas do país, foi gravada ontem, às 11h20 da manhã, entre o ex- presidente e Dilma. “Seguinte, eu tô mandando o ' Messias' junto com o papel... pra gente ter ele. E só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?!”, disse a presidente, se referindo a Jorge Rodrigo Araújo Messias, subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil. A frase mostra que Dilma enviaria a Lula uma espécie de termo preventivo de posse, já que inicialmente a cerimônia que oficializaria o retorno dele ao governo estava marcada para a próxima terça- feira, dia 22. Depois da divulgação da conversa, o governo antecipou a posse para hoje, às 10h.
Integrantes da Lava- Jato viram sinais de tentativa de obstrução à Justiça nos diálogos, assim como juristas ouvidos pelo GLOBO.
A presidente Dilma reagiu a Moro, classificando a divulgação de “flagrante violação da lei e da Constituição, cometida pelo juiz autor do vazamento”. Disse ainda que tomará “medidas judiciais cabíveis”.
O juiz Sérgio Moro, em nota, defendeu a decisão de tirar o sigilo da investigação, sustentando que “governados devem saber o que fazem os governantes”. Para ele, “levantar sigilo permite saudável escrutínio público”
Em outra conversa, em fevereiro, com o ministro Nelson Barbosa ( Fazenda), Lula pede interferência na Receita Federal, que investiga seu instituto . “É preciso acompanhar o que a Receita está fazendo com a Polícia Federal. Vocês precisam se inteirar do que eles estão fazendo no Instituto. Eu acho que eles estão sendo filhos da puta demais. Estão procurando pelo em ovo. Vou pedir para o Paulo Okamotto tudo no papel porque era preciso você chamar o responsável e falar: ‘ Que porra que é essa?’”.
À medida que as gravações iam se tornando públicas, manifestantes se dirigiam espontaneamente às ruas, em protestos por todo o país. Ontem à noite, foram registrados atos em pelo menos 15 estados e no DF. Panelaços foram ouvidos de Norte a Sul. Em frente ao Palácio do Planalto, chegou a haver tumulto.
A repercussão, no entanto, não foi a mesma nas Cortes mais altas do país, também citada nas gravações. Em uma das conversas com Dilma , o ex- presidente faz críticas contundentes à atuação do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. “Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada, nós temos um Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado, um Parlamento totalmente acovardado, somente nos últimos tempos é que o PT e o PC do B é que acordaram e começaram a brigar”, disse Lula. Procurados, ministros dos tribunais superiores optaram pelo silêncio.
O diagnóstico do ex-presidente para o alcance das denúncias da Lava- Jato é desolador. Ao se referir aos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), e do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL), ambos investigados por relação com desvios na Petrobras, foi enfático: “Nós temos um presidente da Câmara fodido, um presidente do Senado fodido, não sei quanto parlamentares ameaçados, e fica todo mundo no compasso de que vai acontecer um milagre e que vai todo mundo se salvar”. O desabafo leva aquele já apontado como mito político do país sucumbir a um medo: “Tô assustado com a República de Curitiba”, disse.
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