• A presidente, seu mentor e criador se juntam a fim de afastar o risco do impeachment, recuperar a economia, e tudo sem desagradar aos movimentos sociais. Tarefa difícil
• Ao nomear o ex- presidente uma espécie de primeiro-ministro com amplos poderes, a presidente colocou a Lava- Jato de vez dentro do Palácio, ao seu lado
A crise faz com que Dilma e Lula se abracem e joguem juntos seu futuro e, infelizmente, o do país. Às favas com a histórica demonstração de repúdio aos dois e a seu partido dada nas ruas no domingo, por milhões de brasileiros.
Importa para eles manter a militância reunida em defesa de um projeto de poder, dar- lhe fôlego na venda da ilusão de que o inteligente e esperto ex-metalúrgico, torneiro mecânico de ofício, consertará os graves danos que ele mesmo ajudou a provocar na economia, e tudo isso só com vontade política, discurso e carisma.
Da soma da impopularidade de Dilma com o apoio em queda vertiginosa de Lula — que há tempos já não podia andar na rua e pegar voos comerciais — não resulta muita coisa. Pode, por alguns dias, melhorar o humor em Palácio, nos aparelhos incrustados na máquina do Estado e nos coletivos lulopetistas. Nada além disso. Como destilou ironia, ao GLOBO, um interlocutor do vice Michel Temer: “Lula no governo significa um peso a mais em um barco furado. Ou seja, afundará mais rápido.”
Profecias à parte, Lula e Dilma fazem uma aposta arriscada. Ele — em busca do foro privilegiado que lhe concedeu Dilma —, que salvará a sua criatura do impeachment por meio do apaziguamento dos aliados no Congresso, ao mesmo tempo em que colocará a economia para crescer novamente, movida por medidas de extrema acuidade. E ela aposta que, ao aceitar terceirizar o governo com Lula, terá, enfim, tranquilidade para percorrer o resto do último mandato. Falta, por óbvio, combinar com os fatos.
Os dois reagem à crise que engolfa o governo e o PT de acordo com os respectivos perfis. Dilma Rousseff reencarna a guerrilheira que nunca se entrega, e Lula, a jararaca ferida no rabo, desejosa de vingança. Fingem não entender o recado dos milhões nas ruas de domingo e partem para o contra-ataque. Tombarão de arma na mão, ameaçam. Mesmo que nestas aposta e luta o próprio país esteja em jogo. Isso considerando- se que, ao ceder poder a Lula — desprendimento inédito na sua folha corrida —, a presidente permita que ele patrocine o que poderá ser o ato final de debacle do país, colocando o Brasil de vez na maior crise da sua História, com todos os dramáticos desdobramentos políticos e sociais previsíveis. Será o suficiente querer reeditar o “novo marco macroeconômico” — mais gastos, nada de ajuste fiscal.
O ex-presidente, do posto de ministro- chefe da Casa Civil, mas com raio de ação ampliado, tem difíceis missões nos planos político e econômico. E terá de fazer tudo com um especial cuidado para, como alertou o colega de governo, Miguel Rossetto, reaproximar a base social do PT a fim de sustentar Dilma.
Entenda- se, espantar a ameaça de impeachment, estimular a economia, mas sem perder de vez o controle da inflação, e também sem frustrar os chamados “movimentos sociais”. Não será fácil, mesmo para um super-Lula imaginário.
Estes já são desafios enormes. E tudo piora com o fato de pairar sobre ele e Dilma a Operação Lava- Jato. É ilustrativo das dificuldades que cercam os dois que o ex- presidente tenha desembarcado em Brasília, para as últimas conversas com Dilma, na terça, dia em que o ministro do Supremo Teori Zavascki homologou e permitiu a divulgação da delação premiada do senador Delcídio Amaral, em processo de desfiliação do PT. Personagem com trânsito no Planalto, desde FH até ser líder do governo Dilma no Senado, o senador sempre foi bem informado dos bastidores, inclusive da Petrobras, em que teve cargo de diretor na gestão tucana. Não é bom presságio para Lula e Dilma esta coincidência de datas.
Delcídio terminou preso pela Lava- Jato devido à gravação de conversa sobre formas de impedir que o ex- diretor Internacional da Petrobras Nestor Cerveró, também apanhado pela Operação, assinasse com o Ministério Público acordo de colaboração premiada.
Espezinhado por Lula e abandonado pelo PT, o senador fez acordo de delação e se multiplicou em vários homens-bomba. Explodiu inclusive junto à oposição, atingindo o senador Aécio Neves (PSDB- MG), candidato derrotado por Dilma em 2014 e tido como nome certo em 2018.
Quanto à presidente, para aumentar seu fardo, Delcídio garante que ela, à frente do Conselho de Administração da Petrobras, acompanhou a compra desastrosa, de caso pensado, da refinaria de Pasadena, no Texas, conduzida por Nestor Cerveró. Bem como teria supervisionado a concessão de uma espécie de prêmio a Cerveró, com a sua transferência da Petrobras para a subsidiária BR Distribuidora. Por suposto, tudo terá de ser provado, com a ajuda de Delcídio, conforme as normas dessas colaborações dadas ao MP, à polícia e à Justiça, em troca da atenuação de penas.
Mas surgiu uma nódoa na imagem que a presidente cultiva com vigor, a de ser uma pessoa imune à corrupção. É possível, mas Dilma, por fé ideológica no “projeto de poder” e fidelidade a seu criador, Lula, pode ter desviado o olhar toda vez que era cometido um crime na Petrobras.
Há, ainda, a suspeita, surgida de uma fita gravada por um assessor de Delcídio com o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, de que, por meio do ministro, a presidente estaria tentando impedir a delação do senador. Interpretações dos diálogos alimentam discussões. A questão deste tipo de interferência de Dilma cresceu ontem à noite, com a divulgação pelo juiz Sérgio Moro de gravações legais de conversas entre Lula, ainda não nomeado, Dilma e, em outro momento, o ministro Jaques Wagner, em que surgem indícios de tentativas de obstrução da Justiça, em defesa do ex-presidente.
Contra Lula, há munição mais pesada. Delcídio ressuscita até mesmo uma suposta negociação iniciada com uma chantagem feita por Marcos Valério, preso devido ao mensalão, para conseguir R$ 220 milhões em troca do silêncio sobre o papel de Lula, então presidente, naquele escândalo. Delcídio relata que levou o assunto a Lula. Este nada respondeu. Mas o senador garante que algum dinheiro Valério recebeu.
Dilma disse ontem, em rápida entrevista coletiva, que Lula “terá os poderes necessários a ajudar o Brasil”. Mas ela não pode esquecer que ungiu como uma espécie de primeiro- ministro alguém que levará de vez a Lava- Jato para dentro do Palácio. Sem falar em desdobramentos de tudo o que tem sido denunciado nos últimos dias e que podem levar a Procuradoria-Geral da República a instaurar investigação sobre a presidente.
Os tempos estão muito difíceis para o governo e a sociedade — não só pelas crises política e econômica, mas pela falta de perspectiva. Para o governo, tendem a piorar, se lembramos que ainda há muito a ser descoberto na Lava- Jato. Há delações em andamento bastante esperadas. Do ex-deputado Pedro Correa ( PP) e de executivos da empreiteira Andrade Gutierrez, observadores privilegiados do mercado bilionário e subterrâneo de doações de campanha. No caso da AG, inclusive aquelas oriundas de propinas obtidas em estatais e “lavadas” por meio de doações legalizadas na Justiça Eleitoral. Dilma, Lula e o país não deverão viver momentos tranquilos.
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